A cada semana, surge uma nova ameaça, chantagem ou factoide. Para 2020, o governo propôs um corte de 43% no orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual. Há também a previsão de uma redução gritante na captação de recursos. Em 2020, esse orçamento passará de R$ 650 milhões para R$ 300 milhões.
Em agosto, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, interrompeu a seleção de séries com temática LGBT+, pré-selecionadas em edital para TVs públicas. O Ministério Público Federal interveio sobre a censura e, em outubro, a Justiça determinou que a Ancine retomasse a produção das séries.
Em setembro, a Ancine suspendeu o termo de permissão que dava aos produtores dos filmes Greta e Negrum3 uma ajuda de custo de R$ 4,6 mil (a cada produção) para a participação no Festival Internacional de Cinema Queer, em Lisboa. O primeiro longa aborda homossexualidade; o segundo, questão racial. Greta é protagonizado por Marco Nanini, que interpreta um enfermeiro homossexual aficionado por Greta Garbo. O filme vem sendo aclamado pela crítica.
Mais conhecido por ser a pessoa que atacou gratuitamente Fernanda Montenegro (chamou a atriz de “sórdida” e “mentirosa”), o novo secretário da Cultura do governo Jair Bolsonaro, Roberto Alvim, fez, no dia 19 deste mês, um discurso delirante na reunião anual da Unesco, em Paris. Em um dos trechos, disse que “a arte e a cultura no Brasil estavam a serviço da bestialização e da redução do indivíduo a categorias ideológicas, fomentando antagonismos sectários carregados de ódio – palcos, telas, livros, não traziam elaborações simbólicas e experiências sensíveis, mas discursos diretos repletos de jargões do marxismo cultural, cujo único objetivo era manipular as pessoas, usando-as como massa de manobra de um projeto absolutista”.
O discurso de Alvim, o Rancoroso, lembrou o do artista plástico fracassado Adolf Hitler, que considerava “arte degenerada” a arte moderna que o ignorou, vangloriava apenas a arte clássica. Esse discurso desequilibrado do secretário gerou constrangimento em ministros da Cultura de diversos países, presentes à reunião. E a conclusão de sua fala não poderia ser mais simbólica do sanatório geral: as mudanças na gestão cultural brasileira seriam “para a glória de Deus”.
A declaração, que parece ter saído de alguém que passou por uma lavagem cerebral, é uma amostra do novo macartismo que o governo Bolsonaro pretende implantar no Brasil. Uma perseguição ideológica tão ou mais estúpida do que a praticada nos Estados Unidos nas décadas de 1940 e 1950, sob o comando do senador Joseph McCarthy.
O intuito, quase o mesmo. Se, naquela época, a ideia básica era caçar comunistas nos órgãos oficiais e nos meios acadêmico e artístico, hoje a intenção é destruir cinicamente aqueles que fazem pensar. A estratégia do governo é cortar na fonte: as verbas para a educação e a cultura – e, neste caso específico, aniquilar uma arte que necessita fundamentalmente de um bom orçamento para existir em sua plenitude, o cinema.
Durante o macartismo nos anos 1950, o escritor Dalton Trumbo era um dos perseguidos em Hollywood. Acusado de comunista, ele se recusou a apontar nomes de outros “comunistas” na comunidade artística – abdicando, desta forma, do perdão de Joseph McCarthy. Foi preso sob a acusação de traição à pátria e sofreu a retaliação de não conseguir mais trabalhos. Uma forma de driblar a situação, para poder conseguir sobreviver, foi usar pseudônimos ou o nome do amigo Ian McLellan Hunter, que assinou, em seu lugar, o roteiro de A princesa e o plebeu (Roman holiday, 1953), de William Wyler. No macartismo bolsonarista, a estratégia é desmontar o setor, que, em sua maioria, sabe-se que é anti-Bolsonaro.
Estamos na reta final de 2019, no primeiro ano desse (des)governo, um governo sem programa de governo. Que tem apenas diretrizes ultraneoliberais. Depois que aprovar suas reformas e livrar seus filhos da Justiça, Bolsonaro provavelmente terá mais tempo para inventar novos inimigos internos, persegui-los e prejudicá-los. A hora de tentar reagir é agora, enquanto há tempo e, principalmente, espaço. O macartismo bolsonarista pode estar apenas no seu 1º ato. A arte brasileira vai sobreviver, Xexéo. Mas a que custo?
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