Mirante

De Alice Braga à bebê Alice

TEXTO Débora Nascimento

30 de Dezembro de 2021

Bebê Alice

Bebê Alice

Imagem Divulgação

Recentemente, ao escrever uma matéria, já estava prestes a inserir no texto o número de seguidores de um artista. Então, repensei: isso é importante mesmo? Em alguns casos, é – a exemplo de Juliette, que saiu vitoriosa do BBB 21 devido aos repetidos votos de seus milhões de seguidores no Instagram. Em outros, esse tipo de informação significa apenas uma forma de tentar atribuir um estranho mérito ou uma inventada qualidade a alguém, como se uma legião de seguidores digitais (reais ou robôs) não fosse principalmente o valor simbólico criado e cultivado pelas mídias sociais, marcas de produtos, publicitários, celebridades, influenciadores, para que se torne um valor monetário ao final da engrenagem.

Então, desisti de informar o número de seguidores desse artista porque me lembrei que, dias antes, após ver o documentário How can you mend a broken heart (2020), sobre os Bee Gees, eu havia procurado o Instagram do cantor e compositor Barry Gibb e fiquei surpresa ao descobrir que ele tinha “apenas” 100 mil seguidores. Bem, minha surpresa estava dentro da lógica desse mercado de redes sociais. Barry é compositor e cantor de diversas músicas que estiveram no topo mundial das paradas de sucesso, como Stayin' alive e How deep is your love, e da trilha sonora de Os embalos de sábado à noite (1977), que está em sétimo lugar na lista dos 10 discos que mais venderam na história da música e, no entanto, com 60 anos de carreira, o mais velho dos irmãos Gibb tem “apenas” 100 mil seguidores em sua conta no Instagram. Enquanto Juliette, que despontou para a fama há menos de um ano, possui 33 milhões.

Diante dessa discrepância, informar, numa matéria, como forma de exaltação, o número de seguidores de um artista que nem alcança o calcanhar de Barry Gibb, seria, mais uma vez, alimentar essa lógica insana contemporânea na qual um artista (ou qualquer pessoa) com poucos seguidores provavelmente será encarado como irrelevante ou loser.

Lembrei desse dado de Barry Gibb após ler a notícia, divulgada na terça (28), de que a atriz Alice Braga denunciou que vem sendo questionado a atores, para testes de elenco, o número de seguidores nas suas redes sociais. “Na minha geração, existe essa demanda da mídia social. De você ter que ter um Instagram, seguidores. Inclusive, é um problema para vários atores porque começaram a pedir número de seguidores para fazer um teste. Isso é um absurdo, não deveria ser medida para fazer qualquer coisa. Como a gente vai empregar atores incríveis e desconhecidos?”, criticou ela, em entrevista ao podcast da Trip, completando que, quando começou a carreira, era tímida. A artista disse proteger seus personagens, ao não expor muito sua vida pessoal, porque isso tiraria do público o encanto no que se refere à ficção.

A atriz brasileira, que tem uma bem-sucedida carreira internacional, fez essa reclamação em nome da classe artística e não somente por ela própria, pois possui uma quantidade razoável de seguidores, 850 mil no Instagram – claro, muito pouco, se comparada a Bruna Marquezine (41 milhões) ou Marina Ruy Barbosa (39 milhões), provavelmente, por isso, duas das queridinhas das publis nas redes sociais e figuras recorrentes nas novelas da Globo.

Com o aumento do engajamento no Instagram, a publicidade aumenta seu foco no aplicativo – onde além dos posts dos influencers, a quantidade de anúncios pagos é gigantesca para o usuário que inicialmente queria apenas postar suas fotos ou ver as dos pobres mortais amigos na sua timeline.

Como ficou mais do que confirmado no depoimento de Alice Braga, ter uma boa quantidade de seguidores representa, nestes tempos malucos, uma valiosíssima moeda de troca, porque, em tese, sugere que a pessoa “muito seguida” (essa expressão, alguns anos atrás, significava que essa pessoa estaria em apuros) teria uma grande importância na sociedade. Isso se traduz, na prática, em ganhar vantagens e mimos, que podem variar de roupas, cosméticos, ingressos para eventos e lançamentos, eletrônicos, eletrodomésticos, cirurgias plásticas, viagens, carros e “agora” até preencher vagas de emprego que deveriam prezar principalmente pelo talento. Na permuta, o beneficiário dono do perfil vende a sua privacidade e um estilo de vida inalcançável (para quem não recebe patrocínio, daí é subentendido que o seguidor compre os produtos e serviços vendidos pelo influencer para alcançar esse estilo de vida). Sempre com uma imagem e ideia de perfeição, baseadas em padrões estéticos e comportamentais vigentes.

É a materialização do Show de Truman (1991) ou a história apresentada no episódio Queda livre (2018), da série Black mirror (Netflix), no qual a sociedade passa a se relacionar e funcionar de acordo com a pontuação que cada pessoa obtém através de um aplicativo. Quanto mais likes, mais se ganham pontuações que serão utilizadas, na prática, como créditos sociais para diversas funcionalidades, até para conseguir comprar uma casa – no caso da protagonista do roteiro.

Na vida real, os influencers, de um modo geral, também estendem sua presença em outros espaços, como programas de TV, podcasts exclusivos de plataformas e colunas em jornais de grande circulação, ocupando, inclusive, vagas que poderiam ser de jornalistas experientes. Ou seja, além dos artistas, a monetização da qualificação obtida com a quantidade de seguidores também vem gerando impactos em outras áreas e profissões, como veículos de imprensa, formadores de opinião, pesquisadores, acadêmicos, ativistas.

Na saúde, muitos médicos vêm investindo em assessorias para mídias digitais. Contas de dermatologistas são as que mais proliferam no Instagram. Nelas, os profissionais estão mais interessados em vender procedimentos estéticos a partir de posts comparativos do tipo “antes e depois”, usando fotos de celebridades ou não, do que em orientar o público sobre possíveis doenças de pele. Com isso, também alimentam a neurose coletiva pela busca da imagem perfeita e eterna juventude.

O Instagram é hoje o principal veículo a estimular essa loucura. Em outubro deste ano, um consórcio de 18 veículos de notícias passou a publicar matérias baseadas em documentos internos do Facebook (conglomerado que agora é denominado de Meta), vazados pela ex-funcionária Frances Haugen. No chamado Facebook Papers, estavam dados de diversas pesquisas internas realizadas pela empresa.

A pesquisa feita sobre o Instagram (que pertence à Meta), no início deste ano, com mais de 50 mil pessoas em 10 países, incluindo o Brasil, confirmou a toxicidade da rede social especialmente em mulheres e adolescentes. As perguntas feitas aos usuários foram: com que frequência você vê posts que fazem você se sentir mal sobre seu corpo ou aparência? Com que frequência você compara sua aparência com a aparência das pessoas no Instagram? Quanta pressão você sente para parecer perfeita(o) no Instagram?

As respostas mostraram que os temas dos posts que afetam diretamente a saúde mental das adolescentes são, nessa ordem: namoro e romances, beleza e intervenções estéticas e corpos das celebridades. “Ver posts de moda faz as pessoas se sentirem piores em relação a elas mesmas, porque o Instagram parece realista, mas com padrões de realidade de celebridades, agravando os problemas de quem tem distúrbios de autoimagem e alimentares, de ansiedade e solidão”, avalia o relatório.

“Entrevistas com garotas indicam que ver publicações de uma celebridade de forma individual não é problemático. Mas ver múltiplas postagens de conteúdo com celebridades amplifica o efeito (de comparação de aparência), particularmente quando as amigas delas imitam os padrões de beleza e moda das famosas”, continua o documento. Vale destacar que, para cada conteúdo de um amigo, essa adolescente verá cinco vezes mais conteúdos de contas populares – ou seja, em sua maioria, de celebridades ou blogueirinhas.

Isso aumenta o índice de distúrbios psicológicos nessa fase, gerando ansiedade, estresse, depressão e provocando até suicídio. E isso não é alertado a usuários ou responsáveis dessas garotas. A pesquisa descobriu que, por outro lado, há conteúdos que não causam esse tipo de comportamento danoso à autoimagem de jovens: esportes, religião, atividades políticas ou hobbies (música, artesanato, jardinagem, jogos, TV, filmes), porque enfatizam um senso de coletividade e não individualizam uma imagem de perfeição.

A pesquisa não deixa claro se a quantidade de seguidores também interfere na autoimagem daqueles que têm poucos seguidores. Estudos anteriores demonstraram que a quantidade de likes, por exemplo, provoca um efeito negativo nas pessoas, principalmente adolescentes nascidos e criados no ambiente digital, que, claro, sobrevaloriza os que tiverem muitos seguidores. O Instagram, para tentar amenizar esse aspecto, chegou até a retirar a informação da quantidade de curtidas de posts de celebridades. Mas voltou atrás. E sobre a pesquisa deste ano, vazada no Facebook Papers, anunciou que tomará medidas, como expor menos as jovens a conteúdos de moda e beleza.

Não se sabe como isso será medido, visto que o algoritmo responde ao usuário de acordo com os seus interesses e curtidas. E levando em consideração que, em meio à sua própria batalha por seguidores (travada, em especial, com o TikTok), o Instagram provavelmente não vai querer deixar de lado os elementos que viciam e fidelizam esse público juvenil.

No começo do ano, quando estava no Big Brother Brasil, se transformando no maior fenômeno da TV e do Instagram deste ano, a supracitada Juliette ganhou milhões de seguidores, porque era autêntica, engraçada, sincera, destoava do comportamento dos demais participantes, que só queriam jogar na competição puxando o tapete um do outro. E o Instagram da competidora paraibana exibia e reforçava todas as suas qualidades, até mais do que a edição do BBB. Isso ajudou a torná-la campeã.

Com o trunfo de seu imenso carisma, talento e, claro, dos milhões de seguidores, ela, uma artista que nem iniciante era, foi disputada pelas maiores gravadoras do mundo, Warner, Sony Music e Universal (vencedora da disputa), e convidada para participar de lives de astros renomados da música nacional. Em setembro, lançou seu primeiro EP, com seis músicas.

Ao botar os pés fora do reality show, já como milionária, Juliette apareceu na sua conta com outro estilo. O perfil deixou o seu diferencial de lado e tratou de transformá-la em mais um tipo de blogueirinha, influencer, que fica vendendo uma beleza superfabricada e incontáveis produtos – uma avalanche de marcas faz fila para anunciar no IG da garota-propaganda mais valiosa do país. Resta saber se essa sua nova imagem, agora mais que perfeita, para além da vida real, provocará, em vez de sentimentos de alegria, amor e empatia, como ocorreu na sua participação memorável no BBB, comparações depreciativas feitas por suas (milhões de) jovens seguidoras.

E nesse quesito, o dos jovens, penso no futuro da bebê Alice, que já nasceu neste universo e não tem consciência de que o mundo ao seu redor vai bem além de sua mãe, seu pai, a família, o Mickey e que possui 3,3 milhões de fãs em algo chamado Instagram. Se no primeiro semestre, Juliette virou a namoradinha do Brasil, no segundo, a bebê que fala palavras difíceis ganhou o coração do país. Sua mãe, a fotógrafa Morgana Secco, já recebeu diversas mensagens de outras mães que, comparando os seus filhos com a nenê falante, perguntam se seus filhos não teriam problemas. Imagino o consultório de pediatras e fonoaudiólogos abarrotados desses questionamentos depois das viralizações dos vídeos da loirinha.

Mesmo com toda a desgraceira que o Instagram promove, há espaços de respiro: Juliette e Alice, com gigantescos carismas, foram em 2021 dois alentos. São incontáveis os depoimentos de pessoas afirmando que ambas contribuíram para atravessar este ano tão difícil. Muito obrigada às duas. Que elas, tão simples, mesmo milionárias (não é possível que o Itaú não tenha pago mais de R$ 1 milhão para os pais da garotinha, que já estrelou duas peças promocionais do banco, uma delas ao lado de Fernando Montenegro), autênticas, meigas, apaixonadas por música, pessoas extremamente bonitas e plenas de vida em suas idades, continuem a ajudar a iluminar estes dias que já foram tão escuros, mas que parecem abrir espaço para o sol voltar a brilhar. Como diria a bebê Alice, “Espelança”.

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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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