Matéria Corrida

Pernambuco açucareiro

TEXTO José Cláudio

03 de Novembro de 2022

Imagem Reprodução

Na minha região, Mata Sul, é difícil encontrar alguém que, de alguma forma, não tenha ligação com a cana-de-açúcar. No meu caso, até onde conheço a curta árvore genealógica, até meus avós, todos dependiam do canavial. Meu avô paterno, Joaquim Pedro da Silva, era morador-de-engenho, Engenho do Meio, Cabo. Trabalhador de enxada, não sabia ler, mas possuía algum status: dono de uma casa-de-farinha, que eu até conheci, fui lá comer farinha-mole. Meu avô materno, Cândido Miguel Teixeira Pinto, era barraqueiro-de-engenho em Sirinhaém. Meu pai Amaro Joaquim da Silva, tinha uma loja, dessas que vendem de tudo, tecidos, ferragens, principalmente foices de roçar e de cortar cana, além de facão de cortar cana, miudezas, perfumaria, calçados, chapéus, papel, livros escolares, até pedra de amolar e caixão de defunto, em Ipojuca. Minha sobrinha Ana Roberta, estudante de química, fez estágio na usina de meus amigos Anjinha e Nassri Hazin, já falecidos. Meu tio José Dias, era fiscal de engenho.

Ipojuca vivia de três usinas: a do mesmo nome, Usina Ipojuca, que antes chamava-se, parece, Usina Bandeira, e era proibido, nunca soube por que, dizer esse nome; a Usina Salgado, perto do distrito N. S. do Ó; e a Usina Mercês, mais distante, de cuja história sabíamos apenas que tinha sido visitada por Dom Pedro II, visita essa decorrente do fato de passar por lá o trem da Great Western.

Dessas usinas, a Ipojuca é a única ativa. A gente só ouvia falar de Usina Mercês tempo de eleição. Os candidatos iam em busca de voto. Se não fosse isso a gente nem sabia que Mercês pertencia ao município de Ipojuca.

Essas lembranças me vêm ao folhear, com grande satisfação, o livro de Marcos Aurélio Cavalcante dos Santos e Benon José de Barros Barreto, meu conterrâneo, “filhos do mesmo chão e do nosso Santo Cristo de Ipojuca” como escreveu na dedicatória do exemplar que me mandou. O subtítulo do livro, “o que você já sabe e que vai saber agora” bate comigo como se tivessem escrito a obra diretamente para mim. Muita coisa mudou dos meus tempos de menino, quando ia apanhar caboge, para hoje, não mais existindo amarrador de cana e quase não existindo cambiteiro. Atualmente jogam a cana inteira dentro do sulco em vez dos pedaços, os rebolos, o que dava oportunidade de, entre um nó e outro, salvar um gomo, o caboge, como era chamado, e que a gente pegava para descascar com o dente e chupar. O cambiteiro carregava os molhos, amarrados com o próprio olho cortado da cana, nos cambitos: quatro galhos em forma de V, pendurados dois de cada lado da cangalha.

Neste ponto gostaria de fazer uma observação. Num quadro de Vicente do Rego Monteiro ele representa um burro carregando cana, as canas no vão do V do cambito, como parece lógico. Mas não era assim que os cambiteiros faziam. Eles enfiavam o primeiro feixe de cana nas duas pernas do lado de fora do cambito, as que não estão amarradas na cangalha, isso para conservar, de cada lado da cangalha, os dois cambitos afastados, mantendo a distância de como estão amarrados na cangalha. Com essa providência, o canto do ângulo do V dos cambitos não se juntam, evitando que os feixes caiam.

Gostei de saber quem é quem nesse mundo de usinas. A única usina ativa em que entrei foi a Catende, por conta da amizade com o filho do químico Dr. Passos, casado com a filha do Tenente, Luiz Antônio, que gostava de quadros, daí resultando o álbum de xilogravuras Catende, 1971, estando eu com 39 anos.

Quão sonoros os nomes das usinas! Principalmente os tupis (presumo): Aripibú, Penderama, Peri-Peri, Petribu, Pirajá, Pirangi, Sibiró, Timbó, Cruangi, Cuiambuca, Tiúma, Uruaé, Crauatá, Cucaú, Jaguaré, Massauassu. Ou em português: Cachoeira Lisa, Condado, Regalia... Pernambuco teve até hoje 121 usinas, das quais restam 13. Me admira a extinção de usinas, não sei se as maiores mas as que me ficaram na memória, dos tempos em que eu vivia em Ipojuca: José Rufino, Treze de Maio, Pedrosa, Bulhões, Central Barreiros, Freixeiras, além das já citadas Pirangi, Massauassu e outras.

Para os estudiosos, vale a pena citar os títulos dos capítulos, alguns despertando interesse mesmo em mim, que os li por curiosidade, além de consultar os numerosos gráficos e tabelas completados com fotos: 1) Histórico e Distribuição Espacial da Cultura; 2) Industrialização da Cana – Primórdios e Evolução Industrial; 3) Lavouras da Cana em Pernambuco; 4) Fundamentos da Fabricação de Açúcar e Etanol; 5) Histórico da Indústria em Pernambuco; 6) Histórico do Desempenho Funcional Sucroalcooleiro; 7) Usinas de Açúcar e Etanol em Pernambuco; 8) Variedades das Canas Cultivadas e Melhoramento Genético; 9) Pragas e Doenças Comuns nos Canaviais de Pernambuco; 10) Nutrição Mineral da Cana-de-Açúcar; 11) Adubação das Lavouras de Cana; 12) Origem da Acidez do Solo e Correção; 13) Fatores Essenciais para o Sucesso nas Adubações e Calagens; 14) Importância da Inovação Tecnológica; 15) História da Cana; 16) Causos e Estórias Surgidas com o Povo da Cana; 17) Bibliografia. Cada um desses capítulos vai a fundo na matéria. Mesmo para o leigo, são um encanto. Uma obra de grande valor que merece estar na estante de todo brasileiro.


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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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