Matéria Corrida

Iluminado

TEXTO José Cláudio

07 de Julho de 2023

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Quando menino eu pensava que algum dia ia saber tudo. Tudo de tudo. Como os adultos sabiam, julgava eu. Isso, antes de ir para o colégio no Recife. No colégio, o Marista, da então Rua Conde da Boa Vista, onde fiquei interno, que Ipojuca não tinha colégio, só escola primária, o problema se agravou. No Marista, sem fazer teste nenhum, me botaram para repetir o admissão, não confiando em ensino do interior, admissão que eu havia feito em Ipojuca com a professora dna. Guiomar Paes Barbosa, se ainda me lembro de seu nome completo. E de tão bem preparado, por essa mestra, que até me iniciou na pintura, tirei primeiro de classe, com direito a retrato na revista Salve Maria, a revista do colégio.

Digo que o problema se agravou porque tomei conhecimento de matérias como latim, francês, física, química, outro nível de português e matemática, álgebra por exemplo, de modo que deduzi, por analogia, que saberia todas as línguas e todas as ciências, que, como disse, considerava normal num adulto, e não por me achar, como nunca me achei, fora do comum. Eram coisas que a gente ia aprendendo com a idade. Como boas maneiras.


No desenho eu às vezes me considerava, digamos, “melhor” do que os outros meninos mas isso decorrente da circunstância de ser filho de dono de loja e matar o tédio rabiscando os papéis de embrulho, já que não tinha com quem brincar, único filho homem, e mais quatro irmãs. Fato útil ao aprendizado da solidão, que a profissão de pintor muitas vezes exige, se é que se pode chamar de profissão. Depois da queda da igreja e da aristocracia, na Revolução Francesa, o pintor ficou desempregado, chegando ao auge, esse desemprego, no momento, ou a partir do momento, em que Salvador Dalí expôs, em Zurique, sacos de carvão pendurados no teto.

Eu pensava que seria fluente em todas as línguas, mesmo as que eu ainda não sabia que tinham existido, como o etrusco. Eu pensava que conheceria como a palma da mão todos os impérios da Mesopotâmia.

Pensando bem, eu acho que confundia saber com paraíso, vida com eternidade. Por isso eu estava tranquilo. Nem precisava me esforçar. Nada me atingia. Nem me atingiria, já que a morte não existia. Tinha, sim, o pecado, que nos levaria para o Inferno: era tratar de não pecar. Ou pecar somente pecados não mortais. Pecados veniais, podia.

Infelizmente um dia li Thomas Merton que foi ao oriente saber o que era o saber e descobriu que lá o saber é o contrário de cá. Saber, lá, é se desfazer das ideias aprendidas até ficar como um bezerro desmamado. Jesus não disse que para entrar no Reino do Céu era preciso virar criança? Para o oriental, criança ainda é muito.  Bezerro desmamado é a que devemos chegar. É o que chamam lá de “iluminado”.

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*As opiniões expressas pelos autores não representam necessariamente a opinião da revista Continente.

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