Matéria Corrida

Caranguejo

TEXTO José Cláudio

01 de Agosto de 2023

Siri. Foto de Mané Tatu

Siri. Foto de Mané Tatu

A época é boa para comer caranguejo. Também já ouvi caranguejo-uçá. Mês que não tem erre. Bicho não sabe ler. Mesmo que tivesse dez erres, a época, ou mês, o que decide na nossa língua, é uma palavra de cinco letras e nenhum erre: chuva. Ou um santo cujo nome tem cinco letras, uma das quais erre: Pedro. São Pedro manda água do céu, ela cai abundante no mangue e o caranguejo engorda.

Caranguejo só presta de mangue. Aquele gosto único de sua gordura. Também os siris graúdos que tenho comprado ultimamente, juntamente com os caranguejos têm vindo peixudos, com pedras, duas massas esbranquiçadas meio endurecidas, arredondadas e ligeiramente cônicas, que ficam pegadas nos quartos ou no casco quando a gente parte, embora não tão gordos quanto os caranguejos, têm vindo excelentes.

Também gosto de siri mole. O siri descasca em cima da pedra, pelo menos nas pedras daqui, que não são escorregadias. Já peguei siri e lagosta nas pedras de Boa Viagem aqui no Recife. Os siris ficam estendidos e imóveis em cima da pedra, indefesos. Os passarinhos bicam no meio do casco, comem ele todo e ele não se mexe.

Caranguejo também descasca. Mas ninguém vê. Quando vai descascar, ele se interna no meio do mangue, no lugar mais fundo, e faz um buraco que ninguém alcança com o braço. Lá embaixo, ainda faz uma rolha de mato, o “matumbo”, daí o nome “caranguejo matumbado”, e descasca. É dificílimo encontrar um caranguejo desses. Meu pai já viu. Meu pai, a bem dizer, criou-se no mangue, num lugar chamado Taveira, pros lados do Cabo, de onde veio o nome do meu avô paterno: Pedro Taveira. O nome mesmo era Joaquim Pedro da Silva. O do meu pai era Amaro Joaquim da Silva.

O meu jeito de cozinhar caranguejo é com água e sal. Como minha mãe fazia. Sem tempero nenhum. Só sal. Meu filho Mané, Cláudio Manuel da Silva, ou Mané Tatu, como ele prefere ser chamado, bota todos os temperos: um feixe de coentro, cebola, pimentão verde e não sei o que mais. O escultor Corbiniano também fazia assim. Realmente o caldo fica mais saboroso. Mas o caranguejo em si já é tão saboroso que não precisa de mais nada.

Eu boto os caranguejos vivos na panela, depois de uma limpada, sem lá muito esmero. Tem gente que raspa, lava com escova. Eu não faço nada disso. Alguma terra que ficar, deposita-se no fundo da panela. Quando tampo a panela, boto uma pedra, ou um tijolo, ou um pedaço de pau pesado, para eles não derrubarem a tampa. Cheirou, está bom.

Tem gente que fura no meio da parte de baixo do caranguejo para matá-lo, ou bota na água fervendo para morrer logo. No primeiro caso, a água penetra pelo furo e desonera a gordura. No segundo, caem as patas e a água penetra do mesmo jeito. Ainda outros botam uma primeira água, bem pouca, para o caranguejo urinar quando está morrendo com o aquecimento da água. Meu filho faz isso.

Eu tenho o cuidado de deixar o caldo meio insosso porque, se botar no ponto, o pirão ficará muito salgado.

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