Matéria Corrida

Paulo Bruscky

TEXTO José Cláudio

06 de Outubro de 2022

Paulo Bruscky. 'As várias crucificações de Cristo'. Bico de pena, coleção Severino Martins, São Paulo

Paulo Bruscky. 'As várias crucificações de Cristo'. Bico de pena, coleção Severino Martins, São Paulo

Imagem Reprodução

O “Bruscky” vem do pai Eufemius Bruscky, polonês, fotógrafo. Morreu cedo, 45 anos, atropelado por um ônibus aqui no Recife. Conviveu com Villares e Manoel Bandeira, o pintor (o poeta é Manuel). Já Graziela Irene Barbosa, mãe, nasceu em Fernando de Noronha, mas veio aos três anos para o Recife. Foi a primeira mulher candidata. Não conseguiu se eleger vereadora, mas ficou na primeira suplência. 

Tudo começou com um peteleco. Um adulto, que não era seu professor mas fazia parte do estafe do colégio onde Paulo estudava, costumava lhe dar um peteleco na orelha sempre que Paulo passava por ele. Até que a vítima lhe disse um belo dia: “Essa foi a última vez que você fez isso”. O outro nem ligou e no dia seguinte danou-lhe um peteleco. Aí Paulo danou-lhe um murro na cara. O outro caiu estendido no chão. Paulo Bruscky tinha 14 anos e foi expulso do colégio, um dos melhores do Recife. 

Isso demonstra um lado não diria de contestador mas de se contrapor, de chamar atenção, de clamar contra o que não é aceitável. Esse lado origina, como a conduzir, tudo o que ele faz. O resto, a arte, a sua qualidade de artista, encontra meios de resolver, de por em prática. 

A sua arte, não importa o meio, tem origem a meu ver, nesse seu jeito de ser. Dirige-se à sociedade, é certo, mas sem se importar com o dano material que possa ocorrer a ele Paulo Bruscky. Não digo que precise desse “peteleco” para criar. A sua imaginação, o seu conhecimento técnico, não precisa mais de nada a não ser do impulso do seu coração e sua imaginação inesgotável. Tanto que uma das mais antigas manifestações, um desenho da década de 1960, aqui estampado, é As várias crucificações de Cristo

Nessa sua necessidade de conhecimento, ninguém como ele está atento a todo tipo de manifestação artística, ou que se queira como tal, ou que Paulo Bruscky elege como tal, não para exibir uma erudição pela erudição mas para lançar mão, dando-lhe um sentido seu, em qualquer necessidade. 

Hoje faz-se muita questão da originalidade, que não existe, pois, como disse Lionello Venturi na sua História da crítica de arte, "ninguém faz arte olhando pela janela; o pintor nasce de outro pintor, dos pintores com quem convive, dos pintores que estão à sua volta". Mas é comum querer fazer o que nunca foi feito, uma utopia. 

Paulo nunca tinha saído do Brasil. Mesmo para ir às Bienais, ia de ônibus, ficava numa pensão. Através de divulgação pela imprensa, concorreu a uma bolsa da Fundação Guggenheim mesmo sem acreditar que poderia ganhar. Concorriam biólogos, matemáticos, físicos, pesquisadores de todas as áreas. Sem conhecer ninguém, até esqueceu de ter concorrido. Mas ganhou com um pequeno ensaio. Só podia ter no máximo 3 páginas: Os multimeios na reeducação da percepção sensorial. Era uma deseducação dos conceitos estéticos. 1981. Viajou em 82. "Quando a gente tem consciência do que a gente faz, não importa estar no Recife ou em Nova Iorque." Em Nova Iorque, pela primeira vez na vida, o único compromisso era pensar. Tinha vários contatos na cidade, como Antoni Muntadas, espanhol, artista conhecido internacionalmente, Ken Friedman, americano do grupo Fluxus, um dos pioneiros da arte conceitual na década de 1950, brasileiros como o grafiteiro Alex Vallauri, o pintor Alex Flemming, Ana Maria Maiolino, que foi casada com Rubens Gerchman, gente de alto nível. Daí seguiu para a Holanda, onde ficou morando, em Amsterdã. Já tinha contato com Ulises Carrión, mexicano que a vida toda morou em Amsterdã, que possuía o primeiro arquivo de livros-de-artista da Europa, grande produtor e teórico e por coincidência morava com Aarte Barneveld, dono da primeira editora e galeria especializada em arte-carimbo da Europa, chamada Stempelplaats

"Aarte Barneveld ficou surpreso ao conhecer o pioneirismo de José Cláudio [eu] nos anos 60; e olhe que ele trabalhava com a nata da nata dos artistas europeus e americanos que trabalhavam com carimbos”. Segundo Paulo Bruscky ele disse: “Eu não sabia que ia encontrar esse pioneirismo no Recife”. Paulo Bruscky já me conhecia e meus trabalhos de carimbos e diz ele que se influenciou com meus trabalhos do poema-processo com carimbos. Essas obras constarão de sua retrospectiva na Galeria Marco Zero, a partir de 13 de outubro próximo (escrevo estas mal traçadas em 16/set/2022). 

A exposição de Paulo Bruscky será a maior e mais representativa feita até hoje. Pega desde os primeiros desenhos dos anos 60 até a produção de hoje. “Ninguém nunca me convidou, seja dos órgãos culturais do estado ou do município para fazer uma retrospectiva”. 

Não poderia terminar este artigo sem ao menos citar, quando se fala em poema-processo, em Moacy Cirne, Wlademir Dias-Pino, Neide Sá, Álvaro de Sá e o uruguaio Clemente Padín. E Adolfo Montejo Navas, espanhol, de Foz do Iguaçu.


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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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