O pintor José Cláudio comemorando seus 90 anos na retrospectiva da Galeria Marco Zero
Foto Divulgação
Completar 90 anos não é nada nem me sugere coisa nenhuma. Antigamente era mais raro. Hoje, completar 100 já não causa admiração. Nem sei de feito notável de nonagenário ou centenário. Catão resolveu aprender grego aos 80. Se aprendeu, é outra história. Quem não sabia grego era Santo Agostinho. Aliás, Santo Agostinho resolveu tirar a limpo o fato de Matusalém ter vivido 969 anos, cifra considerada simbólica por muitos, e constatou-se verdadeira, tomando por base a vida de outras personagens bíblicas e acontecimentos relacionados.
Hoje, 28 de agosto, é dia de Santo Agostinho. Meu aniversário foi ontem, 27.
Dias antes, a Galeria Marco Zero, em Boa Viagem, de Marcelle Farias e Eduardo Suassuna, comemorou por antecipação esse meu nonagésimo aniversário, com bolo, velinhas e tudo, fazendo retrospectiva a que compareceu uma multidão. Nunca vi tanta gente. Muitos deixaram de entrar porque tinha tanta gente do lado de fora e o carro devia ficar tão longe que não dava para vir a pé. Um festão.
Aqui em casa, ontem, 27, não houve nada. Resolvi passar o dia na horizontal. Dei-me a esse luxo, desobedecendo a lei de Apeles, pintor grego 3 séculos antes de Cristo, que sigo religiosamente: “Nenhum dia sem um traço”. Caiu num sábado. Até Deus descansou. Pernas pro ar que ninguém é de ferro. Mandaram presentes, mesmo sabendo que não ia haver nada. Gente boa.
A madrilenha Títi, viúva de Liêdo Maranhão, disse que na Espanha se festeja o dia do santo do nome da pessoa, daí a exigência de, os nascidos na Espanha, terem nomes cristãos, mesmo sendo de outros países. De fato, conheci no Benin, um inglês com o nome “Pablo”. O pai dele, inglês, queria registrá-lo na Espanha e teve de botar o nome “Pablo” em vez de “Peter”. Aliás, Pablo não falava espanhol.
Assim sendo, meu “aniversário” seria no dia de São José, dia de plantar milho aqui no Nordeste. Plantar esperança. De minhas irmãs, 3 são Maria, Maria José, Maria Lúcia e Maria Ofélia, e uma Antônia, Antônia Aurora, justamente pagando promessa de minha mãe a Santo Antônio. Difícil é saber qual dia festejar, de tantas que existem, inclusive Santa Maria da Boca do Monte, nome maravilhoso. Além das muitas Nossas Senhoras. Nossa Senhora das Cabeças, por exemplo. Meu pai queria botar meu nome de Hemetério. Não sei se tem santo com esse nome. Aqui no Recife existe o bairro Bomba do Hemetério. Não sei pra que lado fica. A única cidade que eu conhecia toda era Ipojuca. Daquela época. Hoje, não mais. Soube que entrou pelo canavial. Fui lá há algum tempo. Não reconheci a rua em que nasci! Nasci e me criei. Me senti como se tivesse morrido. Não consegui chegar ao Convento. Agora tem mão e contramão.
Voltando a Sto. Agostinho, ele escreveu que todo mundo alardeia querer voltar à mocidade mas de verdade ninguém gostaria de voltar nem um dia sequer.
Vivo citando o santo, não para tirar onda de erudito, mas por nada ter para ler em português, em Roma, em 1958. Em nenhuma livraria se encontrava livro em português até que me sugeriram ir à livraria do Vaticano comprar a Bíblia. Uma freirinha que atendia, ela própria, escandalizada, disse: “Inacreditável! O país de maior população do mundo de católicos e não temos a Bíblia em português!” Aí um padre português me deu um exemplar dele das Confissões de Santo Agostinho. Desde então não parei mais de ler seus escritos.
Por fim cito o belo artigo de José Paulo Cavalcanti Filho em minha homenagem O pintor é um fingidor, mostrando, o que eu ignorava, totalmente, que no português arcaico, assim como no latim fingere, “fingir” é também “construir” e... “pintar”. Adorei, Zé Paulinho! Muitíssimo obrigado.
Entre os presentes recebidos, um queijo-do-reino da marca preferida de minha mãe. Faltou dizer que, quando nasci, a luz acendeu. Em Ipojuca pagava-se a conta de luz pelas lâmpadas. Mal se usava o interruptor. Eu acabara de nascer e estava nas mãos da minha avó materna Mãe Joquinha. Ela me examinou para ver se eu tinha nascido perfeito. Só não podia saber a vista. Mas quando a luz acendeu tomei um susto. Aí ela viu que a vista era boa. Em Ipojuca a luz ia de 5 da tarde às 10 da noite. Não se dizia luz elétrica ou eletricidade. Era “luz do motor”. Os postes, miolo de conduru. A madeira mais linda que existe e à prova d’água.
Acho que já falei demais sobre uma coisa que para mim não existe: aniversário. Já expliquei que em Ipojuca apenas quem fazia aniversário era o padre, digo, frade, Frei Venâncio, franciscano, homem ilustre, historiador. Foi diante dele que recitei, aos 5 anos, os versos “quero ser Victor Meirelles/Eu quero ser pintor”.
Vocês vão ver que na foto que ilustra a matéria estou usando barba. Não é por enfeite: é por preguiça. A bebida é vinho.