Matéria Corrida

José Carlos Viana, Olinda 1947-2019

TEXTO José Cláudio

02 de Janeiro de 2020

Acrílico sobre tela, 1 x 1,80 m, 1996

Acrílico sobre tela, 1 x 1,80 m, 1996

Pintura José Carlos Viana

Pensando em José Carlos Viana, ia logo dizendo um par de asneiras, ou não de todo asneiras, mas isso, como tudo, mais depende do homem de quem se fala. Mas o homem de quem se fala não é somente ele, é ele e suas circunstâncias, já dizia Ortega y Gasset. E ainda, como essas circunstâncias atuaram sobre sua personalidade, como ele reagiu a essas circunstâncias, que influências tiveram nos rumos seguidos pelo artista em direção ao seu ideal de realização artística e de realizações humanas, as necessidades da carne, de constituir família, o que nem sempre é fácil de conciliar.

Tem gente que quer ser o maior, um Ás, mesmo que tenha de enfrentar a pobreza, as dificuldades materiais. Outros, que não tiveram nem oportunidade de conhecer tais dificuldades, porque já nasceram na abastância, como o São Norberto do poema de Augusto Frederico Schmidt, para quem a pobreza era a aspiração máxima e, no caso dele, difícil de alcançar. Um Velázquez por exemplo nunca moveu uma palha pela melhoria de vida, nunca teve de brigar por nada, não era do seu feitio e, por isso mesmo e pelo acaso, se existe, conseguiu “chegar lá”: o que ele queria mesmo era voltar a ser nobre como tinham sido seus avós portugueses e isso lhe foi dado de mão beijada. Mas o artigo é sobre o pintor olindense José Carlos Viana, e está sendo, porque estive o tempo todo pensando nele.

Quem melhor escreveu foi Raul Henry: Meu amigo José Carlos Viana, Diario de Pernambuco, 6/9/2019. Depois volto a ele.

Seguem dados fornecidos verbalmente pela primeira mulher Marígia Aguiar. Desculpem tanta minudência, mas, no futuro, os nossos historiadores agradecerão. A irmã de Zé Carlos era namorada do irmão de Marígia (1969). Ela, Marígia, é do dia 27 e Zé Carlos, do dia 29 de abril, sendo ele de 1947 e ela de 1948. Marígia com 21 anos trabalhava na Sudene, no Edifício JK. Zé Carlos tinha terminado o segundo grau no Colégio Estadual de Olinda, na Rua do Bonfim. Quando se conheceram, Zé Carlos não estudava e Marígia começou a fazer pressão para que estudasse. Ele fez vestibular de Arquitetura, na Conde da Boa Vista. Não passou. Fez para Sociologia e passou. Continuou estudando Sociologia e, no ano seguinte, junto a Marígia, fez de novo o de Arquitetura. Os dois passaram. Mas só ficaram dois anos. Marígia terminou Letras. Casaram em 1972. Em 1975, a convite do irmão dela, Dourimar, foram para os Estados Unidos: ela, fazer o curso de mestrado em Linguística e Zé Carlos, vários cursos livres de Arte em Washington D.C. O dinheiro de uma exposição de Zé Carlos na Nêga Fulô, de Tereza Dourado, nessa época, ajudou nas despesas da viagem para os Estados Unidos. Ficaram morando em casa de Dourimar. Zé Carlos fez exposição individual no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Ao voltarem, em 1977, Zé Carlos ensinou Arte no Colégio de Aplicação da Unicap (Universidade Católica de Pernambuco). Terminou Sociologia e ensinou a disciplina na Facho (Faculdade de Ciências Humanas de Olinda). Marígia começou a ensinar Linguística no curso de Letras da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Ainda em 1977, Zé Carlos se uniu à Oficina Guaianases de litografia. Essa informação é da maior importância, porque o fato de fazer parte da Guaianases mostra o grupo de artistas com que convivia e não somente tratando-se de gravura: pintores João Câmara, Delano, Gilvan Samico, Guita Charifker, Gil Vicente, Luciano Pinheiro, José de Barros, Romero de Andrade Lima, Maria Carmen, Maurício Arraes, Flávio Gadelha e até artistas de outros estados, como Maria Tomaselli e Liliane Dardot.

Em 1971, antes de ir para os Estados Unidos, Zé Carlos pintava no quarto dele, na casa dos pais, em Olinda, onde atualmente mora o filho dele da terceira mulher, Cauã. Nessa época, alugou uma casa na Rua do Sol, mas só a parte de baixo. A casa, fechada havia muito tempo, estava cheia de lixo, poeira, muito mofo acumulado. Ele próprio fez a limpeza. Há quem atribua a esse fato, e mais ao de pintar no quarto em que dormia, a tuberculose que então contraiu. Nem chegou a utilizar a tal casa que usaria como atelier. Passou um ano sem pegar em tinta. Curado, casou com Marígia em 1972.

Em 1981, viajaram para a Inglaterra. Marígia, para fazer o doutorado em Linguística em Reading, perto de Londres, e Zé Carlos foi estudar na famosa Corcoran School of Art. Aí, pela primeira vez, trabalhou com modelo vivo. Costumava frequentar a Tate Gallery. Entrava em contato com artistas de lá, como ocorrera nos Estados Unidos. Tanto que, em 1977, organizou na Sé de Olinda, dentro da igreja, depois da restauração, uma exposição com artistas americanos do grupo do brasileiro Jonas Moura, radicado nos EUA.

José Carlos Viana sempre foi muito aberto ao que se passava no mundo da pintura, a tudo de que tomava conhecimento. Mesmo que seus últimos quadros, que eu via em vários lugares, nos indicassem ter chegado “à sua pintura”, creio que teria continuado a mudar não tivesse a vida interrompida pela doença, a pancreatite. Principalmente sobre papel, mostra esse acervo grande vigor experimentalista, ao lado de sua pintura digamos “definitiva”. Segundo sua filha Rayana, ultimamente andava encantado com o espanhol Uiso Alemany.

Quando Reginaldo Esteves recomendou Zé Carlos para assumir a diretoria do Museu de Arte Contemporânea de Olinda (MAC), Marígia disse: “Você está provocando uma mudança na vida de Zé Carlos”. De fato. Em seguida, veio a direção dos museus de Pernambuco na Fundarpe. Daí o contato muito próximo com Raul Henry.

Em 1995, Raul foi convidado a dirigir a Fundação de Cultura da Cidade do Recife e José Carlos, escolhido para liderar projetos na área das artes plásticas. No artigo publicado no Diario de Pernambuco, Raul Henry cita várias contribuições de Zé Carlos durante o tempo em que trabalharam juntos: recuperação da Galeria Aloisio Magalhães e do Museu do Estado, “restauração de acervo, realização de cursos e promoção de grandes mostras” de artistas pernambucanos e internacionais, como Goya, Rodin e Basquiat. Zé Carlos também foi o idealizador do polo cultural de Serra Negra, em Bezerros. Faço minhas as palavras de Raul: “Não é exagero afirmar que ele tem um lugar garantido na galeria dos maiores artistas de Pernambuco, em todos os tempos. Se não obteve esse reconhecimento em vida é porque seu desprendimento extremo o impediu de ter o mínimo de zelo com sua carreira e sua obra”.

Eu acompanhava a pintura de Zé Carlos Viana como a de um irmão na arte. Tinha escrúpulo em dar palpite com medo de cometer uma gafe, embora se tratasse apenas de sinceros aplausos. Zé Carlos prescindia deles.

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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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