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Morei diversos anos na Rua do Bonfim, Olinda, a bem dizer a mesma rua de Janete Costa. O oitão da casa de Borsoi formava um bequinho, Beco das Cortesias, que era a continuação da Rua do Bonfim, caso você cruzasse a Ladeira da Misericórdia naquele trecho. Para quem não sabe, Janete era casada com Borsoi, Acácio Gil Borsoi. Só cheguei a conhecer pessoalmente Janete Costa, também conhecida como Janete Borsoi, anos depois aqui, na casa onde moro há mais de 40 anos, em outro bairro de Olinda.
Agora vamos para longe, no tempo e no espaço, Roma, Itália, 1957. O único brasileiro residente em Roma e que eu conheci foi o poeta Murilo Mendes, professor de literatura brasileira. Ele me deu seu voto para ganhar a bolsa da Fundação Rotelini, São Paulo, para estudar um ano na Academia de Belas Artes da capital italiana. Murilo Mendes conhecia todo mundo. Foi na casa dele que conheci o pintor Emilio Vedova. Fui agradecer o voto e passei a frequentar sua casa, dele e de sua esposa Maria da Saudade Cortesão, filha do grande crítico português de literatura Jaime Cortesão. Por insistência de Murilo, fui à Antuérpia, Bélgica, para ver o que Murilo Mendes achava que era o quadro mais bonito que já tinha sido pintado no mundo em todos os tempos: A virgem e o menino, de Jean Fouquet (c. 1417, Tours? – c. 1480, Tours). Um belo dia, já aqui onde moro, não lembro o ano, resolvi pintar uma versão desse quadro, talvez com saudade de Murilo, ou de sua casa em Roma, ou de Roma, ou de mim mesmo. Nessa ocasião recebi a visita de Janete Costa que achou linda a ideia. Ainda não tinha pintado o quadro. Quadro pronto, ela imediatamente ficou com ele.
Foi assim que nos conhecemos, como conheci tantas outras pessoas através da pintura.
Aliás, foi também através não da pintura, mas de uma escultura que conheci o arquiteto Borsoi, marido de Janete. Eu fazia escultura em pedra granito, convidado por Plínio Pacheco que fornecia a pedra e os operários em Fazenda Nova. O governador Nilo Coelho resolveu encomendar uma escultura para botar na sua cidade, Petrolina, à beira do Rio São Francisco, um barqueiro que empurrava um barco com uma vara ficando-a no fundo do rio e assim eu fiz. Vendo a escultura pronta ele, resolveu trocar de rio: em vez do Rio São Francisco, o Capibaribe. E num prédio desenhado por Borsoi. Borsoi não tinha planejado nenhuma escultura, muito menos de grande porte em pedra (numa casca, acho que é assim que os arquitetos chamam). Além do mais, porque o peso era muito maior do que essa base podia suportar. Então, começou uma polêmica que envolveu toda a cidade. Até vieram me perguntar o que é que eu achava, tendo eu respondido que o que salvou a arte greco-romana, com a chegada do cristianismo que resolveu destruir toda a arte pagã, foi estar enterrada e que a dita escultura talvez estivesse mais protegida também enterrada na lama do Capibaribe. Borsoi foi à minha casa ali quando morávamos na mesma rua, no Bonfim, me dizer que nada tinha contra a minha escultura, que não fora programada e ainda mais que o governador Nilo Coelho resolveu aumentar a grossura da tal casca para suportar o peso da escultura. Delicadeza de Borsoi, arquiteto muito conhecido no Brasil todo e eu um desconhecido que, para sobreviver, trabalhava como ajudante de desenhista na Sudene.
Fora isso, ficou-nos a galeria Amparo 60, que começou nesse endereço em Olinda e mudou para o Pina conservando o nome, uma das mais respeitáveis do Recife, com exposições arrojadas de arte erudita, sob direção de Lúcia Santos, filha do primeiro casamento de Janete. Insignificante e tardio, embora não podia deixar passar sem testemunho, o lançamento pela Cepe, 2020, de Janete Costa – arquitetura, design e arte popular. Aqui adianto alguns títulos de artigos e autores: introdução de Lauro Cavalcanti; Coerência na generosa multiplicidade, Adélia Borges; Janete Costa e a estratégia do gesto, Júlio Cavani; Para Janete, sempre viva, Marcelo Rosenbaum; Janete Costa, invenção dos saberes, Marcus Lontra.
Aí vocês vão ficar sabendo quem é Janete Costa. Aliás, aí fiquei sabendo quem é Janete Costa. Boa leitura.