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Personagem

TEXTO Karina Buhr

14 de Junho de 2022

Ilustração Karina Buhr

A etiqueta da fortuna na barriga da personagem não é passageira, o fracasso não representa a vida dela, e se dilue, o sangue de fruta derramado escorrendo até a faca.

A lâmina, voz passiva, esmaga a semente e dorme no corpo de outra pessoa
com o cheiro impregnado no metal.
Enquanto a flor fica no jarro, eu murcho, ela viva.

Penso nos saltos mortais na chuva do homem que foge, que roubou coisas de
si mesmo e nunca mais as verá.

Barulhos de folhas enquanto pisa, olhos arregalados e dormentes, com uma
maquiagem em cima e rugas presas com fita colante.

Não gosto desse som do chão seco, me inferniza, me atrapalha as decisões.

Fui criança confusa, que não esperava para obedecer, já vim pronta pro
encaixe, costurava os pés com pulseiras de calcanhar, rendas, meias, tricô e
mapas antigos, as mãos fechadas sem boa tarde.

Não esperem para botar a coberta em cima do morto, ressecá-lo no sol do lado
da fogueira, esturricar e tinturar as cinzas, oferenda colorida para abrir
caminhos. Me sopre pra dentro da casa, misturada com açúcar.

Ofereçam meu corpo num trovão no meio dia, mas não pode acabar assim,
deveriam esperar a noite.

Antes ocultar meu próprio cadáver, estou na passagem, vejo livros boiando
como esponjas, fincando pesadas na correnteza.

Entendi, está tudo pronto, as escadas que se negam a me levar.

De novo barulhos de agonias, prefiro atravessar logo, não sei porque fui
escolhida, apenas me lavem, tirem os sapatos no momento de rir das
lembranças.

Ainda sou uma criança cansada e me despeço sem ver sentido, ouvindo cordas
metálicas de trilha, pulsando pulmões enquanto berro.

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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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