– Não. Fomos em São Francisco do Conde, enterro da sogra da minha filha, morreu de Covid. De quando descobriu a doença pra morte foi uma semana, minha filha abalada demais, tínhamos que ir, e acabamos só voltando agora. Levaram meu computador, que ainda nem paguei, a aliança do meu filho e a cafeteira.
O cara levou a cafeteira, me identifiquei. A aliança, será que roubou por ciúme? Perceba que estou carente de enredo na vida real, mas é que achei interessante a escolha dos objetos. Me desceu um peso na consciência de pensar tanta besteira, como consigo? Ela ficou sem o computador, meu deus, me arrepio de pensar na possibilidade de ele ter entrado aqui e levado nossas coisas também e teria acontecido não fosse minha falta de sono e de ar. Egoísmo, mas se bem que não, não se deprecie de novo, foi torança mesmo.
Como pude não ter reação nenhuma? Eu podia ter gritado. Se bem que não, daqui que alguém ouvisse, levantasse da cama e chegasse no portão, ele já estaria longe. E ele podia também atirar em mim com o susto do grito. Aliás, obrigada, senhor assaltante, por não ter atirado em mim. Obrigada também pela máscara, você e a gente aqui em casa somos os únicos a usar o artefato nessas paragens. Você está de parabéns. Ele também deve ter me agradecido por eu não ter atirado nele. Nos alegramos com as coisas simples. O otimismo é a alma do negócio.
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