Em Close, Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) são garotos de 13 anos, inseparáveis. Mas, com o início do ano escolar, a amizade é questionada pelos colegas, que insinuam uma relação homossexual, fazendo com que Léo se afaste de Rémi. Na entrevista a seguir, Lukas Dhont, que é gay, falou sobre a inspiração para o filme, a recepção ao longa e a importância de sua mãe.
Foto: Filmgrab/Divulgação
CONTINENTE Eu vi que uma pesquisa foi a faísca para o início desse projeto, é verdade?
LUKAS DHONT Sim. Eu li um livro chamado Deep secrets, escrito por uma psicóloga de Nova York chamada Niobe Way. Ela acompanhou 150 meninos, por cinco anos, dos 13 aos 18 anos. Quando ela pediu aos garotos de 13 anos que falassem sobre suas amizades masculinas, os testemunhos foram de amor. A linguagem era vulnerável. Era cheio de emoção. Eles usavam a palavra amor abertamente. Mas aí, com 16, 17, 18 anos, ao responder às mesmas perguntas, esses meninos não ousavam mais falar da mesma maneira. É como se eles entendessem que essa linguagem não lhes servia, pois estaria ligada à feminilidade, ou a algo de conotação sexual. Me conectei muito com isso. Embora não tenha crescido em uma cidade nos Estados Unidos, mas no campo, na Bélgica, houve um ponto, durante a minha adolescência, em que comecei a temer o frágil, a intimidade. E, na época achei, que era o único passando por isso. Quando li todos esses testemunhos, percebi que não estava sozinho.
CONTINENTE Desde a exibição em Cannes, Close foi rotulado como um filme gay. Não há nada errado em ser uma produção queer, obviamente, mas queria saber se sua intenção era essa.
LUKAS DHONT Quando você coloca algo no mundo, há o trabalho em si e o olhar de quem o vê. Percebi que estamos condicionados a ver a intimidade e a sensualidade entre os meninos pelas lentes da sexualidade. Estamos tão acostumados a ver esse tipo de imagem em um filme que não é queer, ou não é apenas queer, que imediatamente o interpretamos como tal. Eu mesmo fui condicionado a olhar dessa maneira, também sou um produto da sociedade em que vivo. Existe essa fixação por rótulos, etiquetas e compartimentalização que faz as pessoas se sentirem mais confortáveis, suponho. Mas o que aqueles 150 meninos me deram foi uma percepção de que, qualquer que seja sua sexualidade, sua experiência de conexão é a mesma. Isso abriu um mundo inteiro porque eu assumo o fato desse filme ser queer, porque ele trata de temas ligados ao vocabulário queer, de gênero, masculinidade, nosso corpo e as conexões que são criadas na sociedade ligadas aos nossos corpos, mas esses temas não são só queer, também são vividos por mulheres heterossexuais e por todo tipo de pessoa. Então, não me importo com a sexualidade desses meninos, porque para mim não é o assunto do filme. Para mim, o tema deste filme é sobre como desconectamos os jovens porque os fazemos temer a intimidade e a conexão profunda.
CONTINENTE Você é um millennial. Acha que a geração seguinte, a Z, tem a mente mais aberta?
LUKAS DHONT Eu amo ser otimista. Estamos neste momento em que muitas coisas estão sendo desconstruídas. Há um movimento feminista que começa a desconstruir o patriarcado de maneira importante e necessária. Mas os confrontos também trouxeram à tona um comportamento sombrio, muitas vezes ligado à masculinidade. E muitas vezes me pergunto, sendo um jovem crescendo agora, onde está o vocabulário delicado? Onde está a representação frágil? No noticiário, vejo homens lutando em guerras. Vejo homens abusando do poder da linguagem. E vejo também as outras possibilidades. Mas o que acontece com a brutalidade é que ela supera e corrompe tudo. Existe essa geração jovem que quer quebrar todos esses rótulos, normas e fronteiras, e estou totalmente com eles. No fundo, talvez seja um deles. Mas acho que infelizmente, também, ainda existe essa onda de contraposição a isso que nos atinge, mais em certos lugares do que em outros. Eu sei o que aconteceu nos últimos anos no Brasil. Mas, voltando ao início, eu sou um otimista.
Foto: Kris Dewitte/Menuet/Divulgação
CONTINENTE Poucas vezes ouvi tanta gente chorando ao final de uma sessão de imprensa em Cannes. Mas há muita gente que critica os filmes que procuram abertamente a emoção. É difícil ir contra o cinismo da nossa época?
LUKAS DHONT Acho que, às vezes, consideramos a emoção algo barato. Aprendi a ter menos medo da emoção, a enfrentá-la. Mas, claro, tudo depende do olhar. Cada pessoa tem um barômetro para o nível a que as coisas podem chegar. Eu não acho que sou cínico. Quando olho para as coisas, para os personagens, para os temas, sinto que minha perspectiva geralmente vem de uma ternura profunda, mas também de uma conexão emocional. E acredito muito na ideia de catarse. É a beleza de ler um poema que vem de uma agonia pessoal transformada em uma espécie de tristeza universal. E talvez essa tristeza seja mais fácil de suportar do que a agonia pessoal. Sinto que é o que tentamos fazer quando fazemos filmes, tentamos buscar o que tantas vezes é sentido apenas por dentro para oferecer a quem assiste uma possibilidade de catarse. Essa é a minha missão pessoal. E sempre haverá quem não goste disso.
CONTINENTE Acredita que a experiência do filme foi afetada pela pandemia?
LUKAS DHONT O projeto começou antes da pandemia. Mas acho que, quando a pandemia aconteceu, ficou muito claro, para mim, a importância da amizade. Ficamos muito desconectados de nossos amigos. E eu acho que o poder, mas também a fragilidade da amizade, é ser um relacionamento que sempre envolve coração partido, porque um amigo é alguém que você encontra e deixa para trás. Não estamos orientados para uma maneira de viver baseada na amizade, mas para o relacionamento romântico. Acho que esse sentimento me dominou e influenciou a escrita do roteiro.
CONTINENTE Close é seu segundo longa-metragem, e você é um jovem cineasta. O que acha que aprendeu com sua primeira experiência que aplicou à segunda?
LUKAS DHONT Aprendi que não tem problema fazer perguntas. Nem ser inseguro. Claro que também estou cercado por uma equipe com quem posso ser inseguro, mas foi um processo de aprendizado, para mim, permitir a vulnerabilidade de não saber. Quando você está chefiando, pensa que tem que saber tudo. Mas não, você precisa permitir a colaboração, o poder de ser ajudado.
CONTINENTE Foi difícil achar um novo projeto?
LUKAS DHONT Depois daquele ano e meio viajando com Girl, fiquei assustado ao me sentar à mesa e olhar a página em branco. Foi a primeira vez em que ninguém me fez perguntas. Eu é que precisava começar a perguntar novamente. Durante muito tempo, procurei um lugar que fosse importante para mim, para que eventualmente também pudesse ser importante para os outros. E a chave foi voltar à minha aldeia de infância e me reconectar com aquele garoto de 12 anos correndo com uma câmera, mas também se sentindo profundamente solitário porque o corpo em que ele estava já ditava muitas das expectativas colocadas sobre ele. Por isso sinto que estar ligado a essa dor pessoal, mas também a esse início da minha ambição profissional, era algo de que eu precisava para ser autêntico. A partir daí, fluiu.
Foto: Filmgrab/Divulgação
CONTINENTE Uma conversa com sua mãe foi importante nesse processo, não?
LUKAS DHONT Sim, minha mãe foi a primeira artista que vi trabalhando. Ela é professora. E, em seu tempo livre, ela pinta e faz roupas. E eu me lembro de observá-la usando sua criatividade. Ela me mostrou como alguém pode lidar com o que está acontecendo por dentro usando a criatividade e procurando a beleza. Era isso o que ela fazia quando pintava e fazia roupas: estava tentando criar beleza. Então, eu sempre tenho esse impulso de voltar a ela quando não sei alguma resposta.
CONTINENTE As mães de Léo e Rémi são bastante importantes no filme. Têm a ver com isso?
LUKAS DHONT Quando você se torna adulto, percebe que sua mãe não era apenas uma mãe, mas também uma mulher vivenciando muitas coisas ao mesmo tempo. Isso despertou em mim a vontade de fazer um filme com dois meninos no centro, mas também duas mulheres. E personagens femininas que não reagem de maneiras pré-fabricadas, que também podem ter armaduras porque não querem que o mundo veja como se sentem, que nem sempre sabem o que dizer e não são santas. Essa complexidade dentro dessas personagens femininas é algo que menciono brevemente neste filme, mas é algo que tem me intrigado e se tornado um desejo muito mais forte recentemente.
MARIANE MARISAWA, jornalista apaixonada por cinema. Morou em Los Angeles por sete anos e cobre festivais em todo o planeta.