Entrevista

Lucy Alves: mulher-orquestra

Cantora, compositora, multi-instrumentista, produtora e atriz, paraibana é um dos exemplos mais notáveis de artista com múltiplo talento

TEXTO Débora Nascimento

25 de Junho de 2025

Jean Felipe/Divulgação

Lucy Alves (Lucyane Pereira Alves) é, nas suas próprias palavras, “artista desde criança”. Nascida em João Pessoa, em 1986, ela tem, no entanto, uma forte ligação com o Sertão: as raízes de sua família estão em Itaporanga, distante mais de 400 km da capital. Faz pouco mais de uma década, o seu nome ultrapassou as fronteiras do Nordeste e ressoou em todo o Brasil, por causa de sua participação exitosa no programa televisivo The Voice Brasil. Ela é um dos exemplos mais notáveis, nos tempos atuais, de múltiplo talento. Toca vários instrumentos musicais, canta, compõe e atua como atriz. Trata-se, portanto, de uma “mulher-orquestra” – como o one-man band (expressão usada desde, pelo menos, 1875, para designar multi-instrumentistas de expressão popular). No caso da paraibana, tem-se em algo muito mais forte do que o autodidatismo e espontaneísmo, na vocação extraordinária para as artes – especialmente a música –, pois a qualidade do seu trabalho e performance resulta, além da vocação natural e da prática, do estudo sistemático e rigoroso, pois tem formação superior em Música, pela Universidade Federal da Paraíba. Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre sua trajetória, de como é ser “essa coisa inventiva”, das suas preferências musicais e sobre projetos futuros.

Como foi seu despertar para a música?
Tive o privilégio de nascer em um ambiente musical, com a minha família, que me influenciou bastante. O meu bisavô tocava fole de oito baixos, os tios do meu pai tocavam sanfona... Agricultores, eles moravam na região rural de Itaporanga e ganhavam a vida tocando, à noite, nas festas, e, de dia, lavourando. Nasci em João Pessoa, mas a minha família inteira é de Itaporanga, no Alto Sertão da Paraíba. Todas as minhas férias foram vividas entre o Litoral e o Sertão. Eu sempre estava lá, com a sanfona, no meio do terreiro, no sítio. A gente ficava por ali brincando, escutando forró, comendo as comidas de vovó, e tal. E sempre com muito Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, depois Sivuca... Foi muito bom ter nascido em um ambiente que já respirava música, desde que a gente acordava. Desde muito criança, eu via meu pai tocando violão. Ele me ensinou a tocar cada nota de vários choros e outras músicas, via oral, mesmo. Tenho aptidão para música desde criança, de fato. Mais tarde, fiz o superior em Música, bacharelado. Quando entendi que era isso, de fato, o que eu ia levar para a minha vida. O interior, naquela época, proporcionava liberdade para as crianças. A gente podia ficar na rua brincando, ou no meio do sítio, nas carroças com os bichos. Foram os meus primeiros contatos com os sons, da natureza, do sertão. Na verdade, com quatro anos de idade eu já ia para a orquestra (Orquestra Infantil da Paraíba). Múltiplos universos, contatos com muitas formas de tocar, cantar. Isso tudo construiu a minha personalidade musical, porque, mais tarde, eu quis estudar um pouco mais música clássica, saber como escrever, como arranjar – coisa que o próprio Sivuca, que nasceu em Itabaiana, aqui na Paraíba, fez: foi para as salas de concerto.

Desde criança você já pensava em ser artista?
Fui sendo... A música estava na minha vida. De início, eu apenas era musicista. Não creio que racionalizasse com algo do tipo “tenho o sonho de ser uma grande artista”. Acho que fui vivendo a arte porque ela, como falei, já era tão parte da minha vida, que eu achava que era aquilo mesmo. Então, eu gostava, me divertia. Meus amigos eram músicos, também. Um universo tão natural, que não era algo que eu dissesse “Eu quero ser isso”, porque eu já era. Acho que eu já sou artista desde criança. Só bem depois, entendi que seria também a minha profissão, e ganharia dinheiro fazendo aquilo. Quando me mudei para o Rio de Janeiro, passei a querer levar a minha música para cada vez mais gente. Aí, sim, vem uma vontade de ser uma artista mais popular, mais pop. Acho que é aí que começou minha busca por essa persona artística que eu venho construindo; artística e tão plural também, porque fui agarrando tudo o que apareceu na minha frente. Eu me permiti muito. A minha luta foi sempre para não me enquadrar em nada. Às vezes, a gente não é muito compreendida. Tenho uma raiz muito forte, e a música nordestina sempre é o meu Norte. Eu sou forrozeira de essência, porque foi assim que comecei, e fui agregando outras coisas e me descobrindo artista, querendo trabalhar isso. Querendo desenhar minha carreira, conquistar mais público, fazer mais, produzir, me expressar.... A atuação me ajudou bastante, nesses anseios. Sou tão ansiosa por criar, gosto de novidades, de sentir que estou aprendendo. Quando acho que estou insistindo na mesma coisa há muito tempo, já fico agoniada, quero aprender uma coisa diferente. E ficava pensando: “meu Deus, será que isso é natural?” Porque é tanta ansiedade de criar... E aí, fui entendendo que sou assim, e também achando isso legal e natural, porque, às vezes, as pessoas querem, sei lá, colocar você em alguma caixa. Descobri que o meu poder, a minha diferença é essa, e de ser essa coisa inventiva.

Qual foi o primeiro instrumento que você tocou?
Violino. Depois, piano. Porque comecei, com quatro anos, a ir para a orquestra. Minha mãe já levava a gente para essa coisa da musicalização. Meus pais quiseram potencializar o talento, trabalhar isso. Depois, o Espaço Cultural, em João Pessoa, um ambiente que tem peças de teatro, aulas de música, concertos... Depois, fui para a universidade. Após o violino, muito criança, veio o piano, com a Dona Norma, que foi uma maestrina que me ensinou muita coisa. Era uma mulher argentina que veio para a Paraíba, onde morou muitos anos, e formou uma escola de músicos.

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