"Haverá sempre laços culturais fortes entre Portugal e o Brasil"
Em entrevista ao site da Continente, o cantor português António Zambujo fala sobre a carreira, a ligação com a música brasileira e Yamandu Costa, violonista com quem se apresenta no Recife, no domingo
TEXTO Débora Nascimento
25 de Março de 2025
António Zambujo e Yamandu Costa, em turnê internacional
Foto Divulgação
Nascido em 1975, em Beja, Alentejo, António Zambujo é um dos mais destacados representantes da música portuguesa contemporânea. Nascido no berço do cante alentejano, estilo tradicional de sua região natal, foi muito influenciado pelo gênero, assim como o fado, que o levou a ser reconhecido internacionalmente. Apesar de ser fã de nomes como Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro e João Ferreira-Rosa, foi um artista nascido no nordeste brasileiro que mudou a forma de Zambujo cantar, tocar e compor. “Quando escutei o João Gilberto, a minha forma de pensar a música mudou completamente”, afirma o artista em entrevista ao site da Continente.
António José Rodeia Zambujo começou a estudar clarinete aos 8 anos. Aos 16, mudou-se para Lisboa, para investir na sua carreira na música. Na capital portuguesa, tocou no Clube do fado, em Alfama. Em 2000, passou a integrar o elenco do musical Amália, dirigido por Filipe La Féria, no Teatro Politeama. No musical, interpretou Francisco da Cruz, o primeiro marido da fadista. Em 2002, lançou seu primeiro disco, O Mesmo Fado, ganhando, em seguida, o prêmio de "Melhor Nova Voz do Fado".
Na sequência, lançou os discos Outro Sentido (2007), Guia (2010), Quinto (2012), Lisboa 22:38 - Ao Vivo no Coliseu (2013), Rua Emenda (2014), Até Pensei Que Fosse Minha - uma homenagem a Chico Buarque (2016). Este trabalho lhe rendeu uma indicação ao Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. Em 2018, lançou Do Avesso, vencedor do Prémio José Afonso. Depois, Voz e violão (2021) e Cidade (2023). Em 2019, sua canção "Sem Palavras" foi indicada ao Grammy Latino de Melhor Canção em Língua Portuguesa. A carreira de António Zambujo vem sendo marcada pela fusão entre as tradições com elementos da música brasileira, especialmente a bossa nova.
Nesta conversa, o artista fala sobre a sua formação, a música brasileira e a parceria com o violonista Yamandu Costa, com que está em turnê internacional, tendo encerramento no domingo (30), às 19h, o Teatro Guararapes, em Olinda. O show já passou por diversas cidades na Europa e na América Latina, onde a dupla vem apresentando um repertório que une influências dos dois países. No setlist, exploram diferentes gêneros e ritmos, reforçando a conexão cultural e a afinidade artística entre os dois artistas.
CONTINENTE Quando e como surgiu sua parceria com Yamandu Costa? E como ela funciona durante a elaboração dos projetos?
ANTÓNIO ZAMBUJO A minha parceria com o Yamandu começou na primeira vez que eu vim tocar ao Brasil, em 2008. Tinha uma apresentação no Rio de Janeiro e em São Paulo, e quando escutei o Yamandu tocando, eu queria muito que ele fosse o meu convidado no show. Então, falei com o meu empresário cá, o João Mário Munhares, e ele promoveu esse encontro e nós, nesse momento, foi amizade à primeira vista, ficamos logo muito amigos e desde aí, cada um fazendo o seu projeto, obviamente, e com a devida distância, ele morando no Brasil e eu morando em Portugal, àquela altura. Mas continuamos sempre muito ligados.
CONTINENTE Quais atributos você destacaria nele?
ANTÓNIO ZAMBUJO Os atributos que eu destacaria nele são evidentes: enquanto músico, é um músico genial. Temos muita coisa em comum, desde o amor pela música tradicional, o gosto pelo improviso, tudo isso, e depois, é um ótimo companheiro de viagem, com quem me divirto sempre muito em todas as nossas turnês.
CONTINENTE O que o público pode esperar desse show no Recife, em termos de repertório?
ANTÓNIO ZAMBUJO Olha, será a segunda vez que nós nos vamos apresentar no Recife, desta vez apresentaremos também um disco novo, nós já tocamos o Prenda Minha, temas do Prenda Minha, que iremos voltar a tocar também. E tocaremos temas do álbum novo, que se chama Sur, que tem um pouco a ver com as nossas origens, é um álbum, todo ele, cantado em espanhol, com exceção de uma música de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos, que é a Resposta ao Tempo, uma música que a gente já cantava nos shows e não tínhamos gravado no Prenda Minha. Então resolvemos gravar, neste. O show é muito improvisado, não tem um roteiro fixo, a gente vai variando sempre vai sempre mudando de canção, canções, enfim, vai ser divertido.
CONTINENTE Como surgiu a sua relação com a música popular brasileira?
ANTÓNIO ZAMBUJO A minha relação com a música popular brasileira tem dois caminhos paralelos, tem o caminho das novelas, das trilhas das novelas, que eu sempre, na altura, nos anos 1980, sempre acompanhei algumas novelas na televisão, lá em Portugal, e sempre gostava muito das músicas que eram cantadas. Depois saíam aquelas coletâneas e eu escutava muito. E depois, o amor definitivo surgiu quando escutei o João Gilberto. Quando escutei o João Gilberto, a minha forma de pensar a música mudou completamente e, a partir daí, comecei a explorar mais e a querer escutar mais, de uma forma meio compulsiva, comecei a querer conhecer tudo.
CONTINENTE Gostaria que você falasse sobre o impacto de quando conheceu a música de João Gilberto. Como isso influenciou sua forma de cantar e tocar?
ANTÓNIO ZAMBUJO Então é isso, quando eu conheci a música do João Gilberto, mudou um pouquinho a minha forma de pensar. Nós somos muito um reflexo daquilo que escutamos. E João Gilberto acaba por ser um músico muito abrangente. Para além do movimento bossa nova, ele toca muito os autores mais antigos, toca autores mais recentes, música popular brasileira. Através dele, eu acabei por ir procurando sempre muito esses autores, depois as versões originais, porque as versões do João Gilberto eram sempre diferentes. Isso influenciou muito a minha forma de cantar e de tocar, porque era um estilo completamente diferente, era um estilo completamente novo, e isso fez-me pensar a música de forma diferente, tanto a cantar, a tocar e a compor também.
CONTINENTE Do que você mais gosta na música popular brasileira? Como um ouvinte de outro país, o que você destacaria de único nela?
ANTÓNIO ZAMBUJO O Brasil é um país muito grande, não é? Tem muita música popular e música tradicional, tem uma variedade gigante, e o que eu mais gosto nos autores - as letras, também gosto muito, a forma de cantar, também gosto muito - e gosto muito de como eles, através de uma música tradicional, conseguem mantê-la atual, mantê-la moderna, não agarrada lá ao passado, com um pé no passado e um pé no presente e virado para o futuro, é o que eu mais gosto, é isso.
CONTINENTE Como você analisa a relação do Brasil e de Portugal com o violão?
ANTÓNIO ZAMBUJO Na relação do Brasil e Portugal com o violão, eu acho que está tudo meio ligado. Nós, ontem, estávamos a falar nisso. Existe uma ligação forte. Ontem, Yamandu falava que tinha visto, de 1900 e pouco, o registro de um violão de sete cordas em Coimbra, as violas de arame, que nós chamamos lá violas de arame. Vocês têm o caipira, existe uma ligação forte muito interessante. Mas o papel do violão na música, como, por exemplo, no fado, o violão tem um papel diferente do sete cordas, porque o sete cordas acaba por fazer um pouco os dois papéis da guitarra portuguesa e do violão. Então, eu acho que existe uma ligação, sim, muito forte.
CONTINENTE Como você enxerga hoje os laços culturais entre Brasil e Portugal? Estão mais fortes do que em décadas atrás?
ANTÓNIO ZAMBUJO Eu acho que sempre existiu uma ligação. Mais forte, mais fraca, mas a ligação sempre existiu e sempre há de continuar a existir. Nós estamos ligados pela língua, e isso é uma coisa inseparável, é impossível separar. Então, haverá sempre uma ligação, laços culturais fortes entre Portugal e o Brasil, e continuará a haver.
CONTINENTE Gostaria que você falasse da importância do cante alentejano e do fado para a formação como artista.
ANTÓNIO ZAMBUJO O fado e o cante alentejano são as minhas duas primeiras memórias musicais, então são e serão sempre os dois pilares da música que eu faço. Depois disso, existindo novas influências e influências fortes e determinantes para a minha formação enquanto músico, mas a base será sempre o fado e o cante alentejano.
CONTINENTE Como é a relação dos jovens portugueses com o fado?
A relação dos jovens portugueses com o fado, eu acho que é ótima. Na verdade, eu acho que, neste momento, na altura quando eu comecei a cantar, era meio que discriminado, as pessoas meio que zoavam comigo por eu gostar de música tradicional e fado. Mas, hoje em dia, não. Hoje em dia, eu acho que é uma música que está bem forte, até pelos novos intérpretes, novos guitarristas, novos violonistas. Há, cada vez mais, gente nova a cantar nas casas de fado. Há cada vez mais gente nova a gravar discos, isso é muito interessante e muito importante para a formação, também, de novos públicos, não é?
CONTINENTE Quais nomes você destacaria da nova geração de artistas brasileiros e portugueses?
ANTÓNIO ZAMBUJO Há muitos da nova geração de música brasileira. Eu sou muito fã do Tim Bernardes, escuto muitas músicas dele. Dos portugueses, gravei há pouco tempo com uma fadista muito interessante, que se chama Teresinha Landeiro, eu acho que ela vai ter muito sucesso. Mas há muitos, e muito interessantes.
CONTINENTE Você tocou pela primeira vez no Rio de Janeiro em 2008. O que achou de diferente no mercado musical brasileiro desde então?
ANTÓNIO ZAMBUJO O mercado musical brasileiro é sempre um mercado muito forte, tem mesmo as músicas que são para nichos, são para nichos grandes, são nichos enormes e mantêm-se sempre lá. Aquelas músicas, fazendo a analogia com o atletismo, há as músicas que são de maratonistas e há as músicas que são de velocistas. Tem sempre uma música que se destaca mais hoje, e que amanhã já ninguém lembra, e depois tem aquelas músicas que são atemporais, que serão lembradas para sempre, aquelas músicas e músicos, também. Eu acho que existe, também, um pouco disso em Portugal. É cada um no seu gênero, mas é sempre um mercado muito forte. Muito forte pela quantidade e pela quantidade dos músicos que existem no Brasil.
CONTINENTE Quais são os seus próximos projetos?
ANTÓNIO ZAMBUJO Os meus próximos projetos são, neste momento, quando regressar a Portugal, começar a preparar um disco novo com a minha banda. E mais tarde, gravar um terceiro disco com o Yamandu, no caso, só de temas originais. É isso, o meu principal projeto é cantar e tocar, que é a coisa que eu mais gosto de fazer, apresentar-me ao vivo, e é isso que eu mais quero.
DÉBORA NASCIMENTO, editora-adjunta das revistas Continente e Pernambuco.
SERVIÇO
Show de Yamandu Costa e António Zambujo
Onde: Teatro Guararapes (Centro de Convenções de Pernambuco - Av. Prof. Andrade Bezerra, S/N, Salgadinho, Olinda - PE)
Quando: Domingo (30), às 19h
Quanto: A partir de R$ 80
Vendas: cecontickets.com.br e bilheteria do teatro
Classificação: Livre