O bonecos cabeçudos no traço e na letra de Rafael Campello
Escritor, desenhista e publicitário pernambucano apresenta exposição e livro na Casa Capitão, com abertura na quinta-feira (7)
TEXTO Marcelo Pereira
05 de Agosto de 2025
Fotos divulgação
De Ariano Suassuna, ele trouxe a escrita para dentro do desenho. Da xilogravura, aquele riscado da impressão gravada na madeira. Do falar do pernambucano, surgiu o Rente, corruptela da pronúncia de “gente”, “o boneco” de desenho meio tosco, de um rosto e muitas cabeças. Porque nós somos vários em não somos tão originais para ser um só – chato, bom, triste, alegre, brabo. Assim se pode esboçar, em poucos traços, o trabalho do recifense Rafael Campello, 42 anos, que apresenta a exposição e lança o livro Rente, nesta quinta-feira (7), das 18h às 22h, na Casa Capitão, em Santo Amaro. De quebra, ainda tem um videodoc em que fala de sua obra, com trilha sonora assinada por Otto, em parceria com Apollo 9, e produzido por Ioran Fingerman.
Escritor e desenhista, Rafael ganha a vida na publicidade, onde começou nas agências Aliança e Ampla, levando-o depois a sair do Recife, em 2007, para pousar em Buenos Aires. Há 15 anos, firmou-se em São Paulo, onde é diretor de criação para a América do Sul na agência Wieden+Kennedy São Paulo e Buenos Aires, por detrás de criações para Ford, Uber e Nike.
Quando não está bolando slogans para o cliente, ele vai transformando seus insights em reflexões marcadas pelo paradoxo e desenhos a nanquim, como pode ser visto em Rente e que também estarão presentes no próximo livro, Baile desejado, previsto para 2026, sucessor do livro de contos Não sei se Cortazar tem acento.
CONTINENTE Desde quando você descobriu-se desenhista? O que mudou ao longo do tempo?
RAFAEL CAMPELLO Desde adolescente que tinha o hábito de desenhar um boneco, o mesmo boneco, em toda página do meu caderno. Não era bom desenhista, nada que chamasse atenção, mas era insistente. O mesmo boneco, todos os dias, em todas as páginas. Esse boneco foi evoluindo, ganhando personalidade, até se juntar com o pensamento de que nenhum de nós somos tão originais e ponto de ser só um. Foi aí que nasceu o Rente - da forma como o recifense fala Gente. E foi aí que o boneco passou a ter várias cabeças, representando nossos vários eus. Passei, então, a investir mais no assunto. Ao invés de folhas de caderno, passei a comprar papel, telas, e tentar achar meu traço. Passei por aquarela, carvão, giz, até cair no nanquim, que é a técnica que uso há cerca de quinze anos.
CONTINENTE A escrita surgiu simultaneamente?
RAFAEL CAMPELLO A escrita surgiu bem antes. Aos dez fiz minha primeira poesia. Acho que desde então que quero ser escritor. Entrei na publicidade para trabalhar com palavras, ir exercitando a criatividade até me tornar escritor de verdade. Sigo nessa busca.
CONTINENTE Por que inserir a escrita nos desenhos e por que inserir desenhos na escritas? Não subsistem separadamente? Um desenho não vale por mil palavras?
RAFAEL CAMPELLO A escrita sempre foi minha busca. O desenho era diversão. Nunca pensei nas duas coexistindo porque nunca me senti um bom desenhista - só sei fazer esse boneco. Cheguei a arriscar fazer tirinhas, charges, mas não dava - porque só sei fazer esse boneco. Em 2018, me deparei com Mr. Bingo, um artista plástico de Londres, e vi que ele não se cobrava tanto também. As ideias era maiores que a sua qualidade artística. Foi aí que comecei a acreditar que, talvez, as palavras pudessem ter maior alcance se acompanhadas de ilustrações. E aí o Rente - que já existia como desenho - passou a ganhar texto também.
CONTINENTE Você vê a vida em preto & branco?
RAFAEL CAMPELLO Não pra dizer que vejo a vida em preto e branco, mas tenho uma predileção por essas cores. Minha avó era pintora de muitas cores, mas são os nanquins que ela pintava de vez em quando que mais chamavam minha atenção. Sinto que sempre que estou em uma galeria ou até folheando uma revista de ilustrações é no P&B que eu me prendo.
CONTINENTE Que influências você traz do Movimento Armorial para o seu trabalho?
RAFAEL CAMPELLO Acho que, acima de tudo, ser um traço com pouca influência do exterior. Acredito que meu traço é muito nordestino. E acho muito massa o tanto que Pernambuco bebe de Pernambuco nas coisas que faz. Moro fora há 15 anos. Em Buenos Aires e, depois, em São Paulo. Mas é quando eu escrevo feito eu falo que me sinto mais original. E a mesma coisa no traço. Sinto que não tinha como ser diferente. E que ainda tem muito mais de Pernambuco para se beber.
CONTINENTE Que influências você traz do cordel para o seu trabalho?
RAFAEL CAMPELLO É aquela coisa. Nunca foi pensado. Eu não escolhi. Quando eu vi, estava desenhando desse jeito. Analisando à distância, sinto que as linhas tortas, pouco precisas, lembram um pouco o trabalho da xilogravura. Assim como o traçado que faço no boneco. O riscado.
CONTINENTE Outros escritores-desenhistas, como Clarice Freire fizeram ou fazem esse casamento entre imagem e texto, como há no cartum. Indo um pouco mais longe, Millôr Fernandes foi um mestre nesta abordagem. Onde está a origem do interesse por essa forma de expressão e o quanto a publicidade tem a ver com isso?
RAFAEL CAMPELLO Acho que a publicidade me ensinou a escrever curto. A gente aprende a fazer uma frase com oito, doze palavras. Ou seja, a gente aprende a ser frasista - e estuda os bons frasistas também. Millôr Fernandes é um mestre, assim como Nelson Rodrigues. Na publicidade, trabalhamos sempre em dupla: um redator e um diretor de arte. Ou seja, o texto sempre precisa de imagem. E aí acabei juntando as duas funções. Muitos escritores gostavam de desenhar também, como é o caso de Millôr. E de Neruda. E do próprio Ariano Suassuna. Acho que a influência vem de todos eles.
CONTINENTE Você se considera um poeta ou um livro pensador?
RAFAEL CAMPELLO Me considero um escritor porque, além do Rente, sigo escrevendo contos e crônicas e músicas e outros formatos menos padronizados. Junto com a exposição, também estou lançando um livro homônimo, com textos incidentais que acompanham alguns dos quadros. Por exemplo, pro Rente que diz "Sábado a gente esquece, domingo a gente lembra", fiz um diálogo entre um Sábado que pede pra sair e um Domingo que insiste pra que ele se poupe. No Rente que diz "A posição mais confortável que existe é a posição de vítima", escrevi um manual que ensina o leitor a se portar como vítima para vencer todas as discussões. Em 2018, lancei o livro de contos Não sei se Cortazar tem acento. Em 2026, lanço meu próximo livro Baile desajeitado, que mistura vários gêneros. Inclusive, ilustração.
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SERVIÇO
Exposição e lançamento do livro Rente
Onde: Casa Capitão - Rua Capitão Lima, 124, Santo Amaro
Quando: Abertura, quinta-feira (7), das 18h às 22h