Entrevista

"Gosto de me expor pelos meus personagens”

Homenageado do Festival Recife do Teatro Nacional, onde encenará "O Traidor", Marco Nanini fala sobre trajetória, sexualidade, revalorização do teatro e a relação com a cidade onde nasceu

TEXTO Bruno Albertim

18 de Novembro de 2024

Foto Carlos Cabéra/Divulgação

Filho de um imigrante italiano de quem herdou o sobrenome sonoro, Marco Nanini nasceu no Recife de 1948, onde viveu até os dez anos de idade, quando se mudou para o Rio. De sua infância mais remota pernambucana, guarda lembranças da praia do Pina onde morou e o gosto incontornável por pitombas que, diz ele, manterá como uma das lembranças mais bonitas da vida. "Conheci a fruta quando era muito garoto, no Recife. Até hoje, estou em casamento com as pitombas."

Desde que estreou, em 1968, numa montagem de Salomé, de Oscar Wilde, Marco Nanini jamais parou de ter a companhia de um personagem. Trabalhou com os principais diretores do Brasil, interpretou clássicos e contemporâneos, ganhou mais prêmios do que seria capaz de citar. Aos 76 anos, o pernambucano de nascença Marco Nanini segue com sede de palco. "O que motiva é voltar ao palco", diz ele.

Homenageado do Festival Recife do Teatro Nacional, que começa a partir do dia 21, ele leva à cidade a montagem de O Traidor, de Gerald Thomas, diretor sempre associado à uma certa vanguarda do teatro no Brasil, que traz em cena um bem-humorado delírio psicológico de um ator acreditando e vivendo a soma de todos os personagens da história do teatro.

Marco Nanini é um especialista em longevidades. O ator que ajudou a fazer do humor o roquenrrol brasileiro ao integrar o elenco do humorístico TV Pirata, nos anos 1980, ficou 11 anos viajando o Brasil ao lado do parceiro Ney Latorraca com a peça O Mistério de Irma Vap e, na pele do cordata e heteronormativo pai de família Lineu, mais 13 anos frequentando os lares brasileiros com sua presença no seriado A Grande Família.

Nesta entrevista, concedida em sua casa, numa encosta de Mata Atlântica na Zona Sul do Rio de Janeiro, o ator que, como poucos, dança tão bem sobre a navalha do mainstream ao menos provável, fala sobre o que ainda pretende fazer da carreira, do prazer de voltar a atuar em Pernambuco, de como resolveu assumir publicamente a bissexualidade quando vivia um típico provedor de família na TV e outros momentos de sua biografia; comenta a finitude da vida e conta porque, agora, resolveu usar ponto eletrônico para não esquecer os textos no palco. "Estou gostando da minha perda de memória recente. Esqueço com mais facilidade as bobagens que escuto no dia a dia", diz Marco Nanini, sempre afiado em sua capacidade de extrair comicidade das situações e coisas mais cotidianas.

CONTINENTE O que restou dessa memória pernambucana da infância na tua subjetividade mais íntima? Como isso se articula com o fato de ser homenageado no Festival de Teatro do Recife?
MARCO NANINI Eu considero uma sorte ter nascido no Recife, ter tido uma família pernambucana, meu pai era paulista, mas minha mãe era pernambucana. Todos morávamos lá, e a minha infância toda foi feita ali. Eu morei no Pina, lembro da praia. Meu pai foi maître do restaurante Leite, mas eu já não lembro dali, porque era muito pequeno. Fiquei pouco tempo no Recife, saí cedo. Mas absorvi muito da cidade nessa primeira infância. Uma cidade cheia de alegria, né? O Carnaval era uma beleza. A cidade em si tem uma imagem bonita, com aquelas pontes, aqueles rios. O povo é muito agradável, muito simpático, amoroso... E tem também a pitomba, né? Não é toda cidade que tem pitomba! (risos). Lembro muito de Janete Costa, minha amiga, que fez a decoração de uma casa minha. Com ela, me aproximei também muito da arte pernambucana, da pintura de Zé Cláudio, de Maurício Arraes, que é até hoje meu amigo, o Guel Arraes, que tem uma família muito extensa. Acho que tem uma ousadia nesses pintores pernambucanos. Pernambuco é muito presente na história do Brasil, nas artes, na música... Não tenho mais uma frequência de ir pra lá, não tenho mais ligação com família.

Marco Nanini, no espetáculo "O Traidor", de Gerald Thomas
Foto: Matheus José Maria/Divulgação

CONTINENTE Recentemente, você deu uma declaração afirmando que agora, finalmente, estava aprendendo a atuar. Você, um dos maiores atores do Brasil da segunda metade do século 20 para cá - algo que nem você mesmo poderia contestar. O que quis dizer com esta frase de efeito?
MARCO NANINI  Eu tenho a sorte de uma carreira longeva, uma base, uma história. Conforme você vai avançando, vai atribuindo mais novidades à sua carreira. Então, eu cheguei nessa fase, onde estou agora, muito mais seletivo e muito mais aproveitador dessas oportunidades que aparecem, com mais propriedade de poder falar sobre uma peça, criticar uma peça, escolher outro texto, ou coisas assim. Isso, eu acho, é uma espécie de maturidade. É isso que quero dizer, eu faço só para aprender e melhorar no meu trabalho essas coisas. Neste sentido, estou aprendendo a atuar.

CONTINENTE Você já trabalhou com todos os grandes diretores do Brasil, montou grandes textos, recebeu todos os prêmios. O que falta fazer? O que ainda te move?
MARCO NANINI 
Falta sempre voltar ao palco, o que gosto é de estar no palco. Por causa da minha profissão, do exercício da minha profissão, porque a gente absorve muita coisa dos espectadores, das reações, e do público em geral. Você fica como figura pública, e todo mundo comenta, todo mundo dá opinião, isso é interessante para o ator. A televisão dá muita visibilidade, mas o teatro traz proximidade.

CONTINENTE Gostaria de conversar um pouco com você sobre como a televisão contribui  para o atual momento do teatro brasileiro. A principal empresa de cultura e entretenimento do país, a Rede Globo, mudou de maneira radical sua forma de contratação, em que quase não há mais funcionários fixos, mas contratos por obra. Isso interfere no teatro?
MARCO NANINI  Esse ponto de vista seu é importante porque os atores mais conhecidos da TV ficam mais livres para poder trabalhar no teatro, porque não estão toda hora na televisão. Então, isso faz parte de uma boa renovação da televisão, porque aí também fica maior a diversidade de atores nas novelas, papéis diferentes, caras novas. A televisão não fica apenas com os mesmos ícones. A prova é que, no momento, a quantidade de peças em cartaz é muito grande, e de todo tipo: das melhores, às mais ou menos, às piores e tal. Mas o fato é que tem muita oferta de teatro, que é uma coisa muito boa de ver, muito boa de assistir. Com teatros sempre cheios.

CONTINENTE Numa novela das nove, hoje, 80 % do elenco é desconhecido do grande público usual da TV...
MARCO NANINI Eu acho saudável essa renovação, nesse aspecto, mas acho também que tem que se dar mais visibilidade aos atores novos que chegaram, visibilidade de mais duração. Tem muita gente que é vista e logo você já não sabe mais quem é. Os atores têm que ter um vínculo com o espectador também, não é só o personagem que precisa ter um vínculo, é a partir do ator que vai nascer o personagem. Então, esse exercício de poder levar mais atores para a televisão, ao mesmo tempo em que eles possam continuar trabalhando em seus teatros, acho tudo isso muito saudável.

CONTINENTE Há algum diretor com quem você gostaria ainda de trabalhar no teatro?
MARCO NANINI Eu gosto de vários diretores, muitos. Mas o próximo com quem trabalharei será o Amir Haddad (ator, diretor e professor de teatro que, em 1958, com Zé Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi, fundou, em São Paulo, o Teatro Oficina e há décadas atua no Rio). Nunca tive oportunidade de trabalhar com ele, as agendas não batiam. Sou fã do Amir desde que eu era estudante de teatro. Ele é muito irreverente, muito inteligente. Eu tinha essa lacuna e agora nós vamos tentar. Vamos ver se vai dar tempo, se estaremos vivos até lá (risos), se terá algo ou não, mas vamos tentar fazer o trabalho juntos.

CONTINENTE E se pode adiantar do que trata o projeto?
MARCO NANINI  Houve uma época recente em que nós fomos assistir a um espetáculo chamado A Alma Brasileira (em 1987), com a Camila Amado. Eu e ele vimos, e adoramos o espetáculo. Achamos excelente, Camila é muito inteligente e tudo, ela fez esse espetáculo. E aquilo tocou muito a gente emocionalmente. Depois, durante a pandemia, nos encontramos, eu e a Camila, para fazer As Cadeiras (um texto do Teatro do Absurdo, de Ionesco, sobre um casal de idosos isolados, com lembranças e frustrações, num farol, que a dupla de atores ensaiou, à distância, durante a pandemia e que, depois, foi transformado em "teatro filmado" para cinema pelo produtor e diretor Fernando Libonatti). Logo depois que fizemos, Camila adoeceu e morreu em 2021. Ela, aliás, já estava doente (de câncer) durante as filmagens. Vamos fazer de novo A Alma Brasileira, agora no palco, como uma grande homenagem a ela. É muito bonito o espetáculo. Vou ter a oportunidade de dizer crônicas e cantar no palco canções. Já cantei em musicais, mas vai ser diferente e bonito.

CONTINENTE Seu conterrâneo, o também pernambucano Armando Babaioff, está há sete anos viajando com o espetáculo Tom na Fazenda...Um caso raro e recente de longevidade de uma peça. Você acha possível que, no Brasil, haja um fenômeno como o Irma Vap, em que você e Ney Latorraca ficaram 11 anos seguidos em cartaz pelo país?
MARCO NANINI Esse aí, nem deve ser computado, porque realmente é muito raro, né? É um eclipse que acontece uma vez no século. E nós só paramos porque quisemos. A gente terminou Irma Vap numa casa de shows na Barra da Tijuca. Porque eu virei e falei: tô me sentindo um chope (risos). Eu estava numa casa de shows para quatro mil pessoas, servido ali como coisa qualquer. Achei que era a hora de parar. Não sei se houve outra coisa parecida com o teatro no Brasil. Acho que só na montagem de Roda Viva, com Zé Celso, houve algo assim.

CONTINENTE Ter publicado sua biografia, aberto episódios antes pouco conhecidos, mudou sua vida?
MARCO NANINI Eu fiquei surpreso pra melhor. Porque tive a sorte de ter uma biógrafa muito talentosa, muito boa escritora. Ela foi muito aplicada, ficou horas debruçada nessa biografia, ficamos amigos. O editor veio aqui em casa e perguntou se eu queria fazer, eu já tinha tentado uma vez e não deu certo, uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo que tava fazendo uma série de biografias de artistas, mas eu não gostei do resultado e não segui com o projeto.

CONTINENTE Ruy Castro, o mais reconhecido autor de biografias no Brasil, diz que a primeira regra para se escrever uma boa biografia é esperar o biografado morrer. Mas você deu entrevistas longas à autora Mariana Filgueiras e estava vivíssimo (risos), quando ela escreveu. O que tiraria ou acrescentaria se agora relançasse sua biografia?
MARCO NANINI Eu não tenho nada assim a esconder, não tenho uma intimidade absoluta que se preserva. Não vou sair abrindo minha intimidade pra todo mundo, mas eu não tenho nada grave a esconder, não tenho ficha criminal, não tenho nenhum processo (risos). E, também, eu sou muito palatável (risos), quando vejo, já estou falando tudo pras pessoas. Eu estou mais maduro, tendo mais liberdade, mais noção de até onde posso ir nos meus limites. Podem me perguntar qualquer coisa, mas se o assunto não me interessa, eu corto (risos).

CONTINENTE  Você estava no auge de sua popularidade televisiva no papel de Lineu, um pai de família classicamente heteronormativo, de A Grande Família, quando, numa entrevista prosaica, informou ser bissexual. Qual foi a motivação da declaração? Houve mudança na recepção a seu trabalho depois disso?
MARCO NANINI Na época, houve um atentado em São Paulo, um grupo de rapazes atacou um outro grupo de homossexuais, com lâmpadas. Isso me chocou tanto. Algo tão violento que, de alguma forma, me motivou a reagir. Veio um jornalista (da revista Bravo) me entrevistar e, no meio da conversa, vi que era a oportunidade de falar. Mas eu não tinha planejado abrir essa chave, para não ficar também prisioneiro dela. Antes, eu não tinha tido ainda essa oportunidade, entendeu? Porque eu não queria que fosse uma coisa de fama, de popularidade, de chamar a atenção. Eu queria que fosse uma coisa sutil. E foi o que aconteceu.

CONTINENTE A TV ainda guarda resquícios da época em que precisava construir uma certa imagem para os atores para construir a credibilidade dos personagens. Muitos atores veteranos e mesmo mais novos precisaram ocultar suas sexualidades sob o risco de perderem papeis…
MARCO NANINI Não, não houve mesmo qualquer reação negativa... O Lineu é um personagem, eu já tive outros, né? Eu mesmo sou um personagem... Aliás, às vezes eu já nem sei quem é o personagem, quem sou eu (risos). Veio o Lineu, vieram outros. Claro, tive um cuidado na forma como falei da minha vida. O Lineu era o provedor da família, mas estava ali num contexto claramente ficcional.

CONTINENTE  Você surgiu numa geração libertária em que, curiosamente, muitos artistas se recusavam a assumir de maneira mais pública ou engajada suas sexualidades. Posso citar, por exemplo, Gal Costa, que, após a morte, teve sua intimidade tão preservada em vida completamente devassada. Como você vê, então, a mudança geral de postura, o fato de as novas gerações de artistas atrelarem de maneira muito enfática a afirmação de suas identidades sexuais e raciais a seus projetos artísticos?
MARCO NANINI  Sim, hoje há uma variedade muito grande, né? Antes, acho a exposição que o Ney Matogrosso fez e faz muito interessante, ele é um grande artista. Eu, do ponto de vista muito pessoal, não me exporia tanto, não tenho esse espírito de exposição pessoal midiática, de expor a mim nesse ou em qualquer outro sentido. Estou muito satisfeito com minha vida sexual, mas prefiro me expor por meio dos personagens. Tenho uma série de espetáculos ao longo da vida que falam sobre (diversidade sexual). Fiz os Filhos de Kennedy, Doce Deleite, Beije Minha Lápide, sobre Oscar Wilde. Recentemente, fiz Greta, um filme sobre o envelhecimento de um enfermeiro bissexual e suas questões. Quero, contudo, que cada um seja quem é e se expresse como for. Posso citar várias pessoas da minha admiração: as deputadas Erika Hilton, Duda Salabert, a atriz Renata Carvalho, o ator Clayton Nascimento, que faz a peça Macacos, maravilhosa. Como produtor, dei o palco a vários artistas trans para fazerem seus espetáculos. Admiro essas pessoas, que agora estão ficando mais famosas. Pessoas maravilhosas, na época delas, aproveitando uma certa evolução do mundo. Agora, eu, pessoalmente, tenho um temperamento mais diferente dos artistas que se expõem demais. Gosto, como disse, de me expor pelos meus personagens. Cada um tem que ter sua liberdade, essa é a verdade.

CONTINENTE Renato Russo te ajudou a parar de beber?
MARCO NANINI
O Renato Russo foi uma criatura muito interessante na minha vida. Um dia, uma amiga minha trouxe ele aqui em casa e comecei a conversar com ele. Eu nem sabia quem era o Renato Russo (risos). Não sabia nem quem ele era, não sabia qual era o nome da banda, que fazia o maior sucesso (risos). Não sabia nem que ele tinha uma banda, eu era completamente por fora. E foi assim que comecei a ficar amigo, sem saber quem ele era direito. Sabia que era o Renato, mas que era o cantor, não... Então, ele começou a vir aqui e eu comecei a sair com ele, e eu andava bebendo demais... Estávamos um dia na churrascaria Plataforma, eu, ele e a Denise Bandeira, essa amiga que foi quem trouxe ele aqui. Ai, eu falei para ele que queria parar, que tava chato as ressacas, vivia de mau humor, mas que eu não queria ir pro AA, porque não queria ter que fazer uma social, ter amigos lá. Ai, ele falou: "Te dou hoje todos os livros do AA. Fui deixá-lo na casa dele, ele me trouxe os livros. Li a primeira parte do livro e parei de beber! Era algo sobre os impulsos da bebida. Li e, no outro dia, já deixei de beber.

CONTINENTE Você passou a atuar com ponto. Isso muda tua relação com o palco?
MARCO NANINI
Soube muito recentemente que perdi a memória recente. Mas isso não me atrapalha em nada, porque tenho meus HDs particulares, faço meus exercícios. Eu até gosto dessa coisa de perder a memória recente. Vou esquecendo todas as bobagens que escuto no dia a dia (risos), besteiras que não devem ser guardadas. Quando eu estava fazendo o espetáculo A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir aumento, um texto maravilhoso, houve momentos em que eu tive pequenos lapsos, uma agonia no palco, sem saber se deveria dizer que iria para casa de Ju ou de Alberto. Na hora do palco, você perde um tempo enorme, só pra lembrar. Dali, eu botei um ponto eletrônico, treinei um rapaz para ser meu ponto, para dar as pausas, ele acabou fazendo escola de teatro, hoje é ator. Foi uma maravilha, se eu soubesse, eu já tinha nascido com esse ponto eletrônico (risos). Muita gente hoje está fazendo com ponto. Na televisão, a gente já trabalhava com ponto. Me arrependo de não ter começado antes. Eu tinha uma memória muito boa, mas agora estou um senhor, um matusalém (risos) e não gosto de mudar o texto do autor. Gosto de absorver o que está escrito.

CONTINENTE  Você fez o TV Pirata, programa que ajudou a transformar o humor no novo roquenrol do Brasil. Na internet, podemos hoje rever o primeiro capítulo em que os atores fazem uma paródia do Rock in Rio chamada Rock in Obra. Na esquete, há vários clichês e preconceitos xenofóbicos, associando peões de obra à cultura nordestina, ao informar, por exemplo, que na praça de alimentação do evento os roqueiros poderiam comer calango assado. Cito o exemplo para perguntar: já aprendemos a fazer humor com respeito às diferenças ou o politicamente correto inviabilizou o fluxo mais solto do riso?
MARCO NANINI  Claro que não. O humor é uma coisa tão explosiva, tão natural, pra quem tem. E o humor está sendo feito agora como algo não tão pesado. Todo mundo está crescendo. Não cabem mais velhos preconceitos, isso até já perdeu a "graça". Não funciona. Acho que todo mundo pode rir de todo mundo. Não pode ofender. Tem um limite que é frágil, mas tem. Antes, era um humor muito agressivo focado na pobreza, depois, nas questões sexuais. Isso já não cabe. Não podemos nos omitir, tem que fazer um humor ostensivo para ofender.

CONTINENTE Você ainda vai muito ao teatro?
MARCO NANINI  Fui ver o Tom na Fazenda, com o Babaioff, o texto de um canadense, muito bonito. Há pouco tempo, fui ver o Othon Bastos. Vou sempre ver a Fernanda Montenegro, ela, eu vejo sempre, é minha ídola. Mas tenho ido cada vez menos ao teatro. Agora, vejo mais pelo YouTube, porque aí posso comentar, criticar. Na verdade, o que gosto mesmo é do Instagram, porque fico vendo vídeos dos bichinhos, dos animais. Gosto muito de bichos. Convivo com eles aqui em casa. Acho uma criação belíssima da natureza – de Deus, que seja, o animal. E eles têm um sentimento tão forte, tão sutil, mas forte. Eu me apaixonei e o Instagram mostra muito isso. Aí eu falei, mas não vou mais comer isso. Parei de comer carne por causa dos vídeos do Instagram.

CONTINENTE A finitude é algo que o preocupa?
MARCO NANINI É claro que estou me cuidando, fazendo o que posso para não abreviá-la. Mas a finitude não é um problema. Porque não tem jeito, não é? Eu acho normal a finitude. É algo que não me atormenta nem me deixa ansioso. Nem quero saber o que acontece. É algo sobre o qual eu não tenho interferência.

CONTINENTE Vários atores afirmam sentir diferença entre as plateias do Brasil. Qual a expectativa para voltar a se apresentar no Recife?
MARCO NANINI
Essas coisas vêm sempre da característica do próprio povo. O povo do Recife, como o povo do Rio de Janeiro, é um povo mais expansivo, mais amoroso, assim. Demonstra, manifesta mais o que sente. Então, essas plateias são mais quentes. O que não impede que, de vez em quando, venha uma plateia mais fria. Embora, com os grandes espetáculos, as plateias estejam se tornando cada vez mais iguais.

BRUNO ALBERTIM, jornalista e autor dos livros Tereza Costa Rêgo, uma mulher em três tempos (2018) e Pernambuco Modernista (2022), ambos lançados pela Cepe Editora.

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