“Eu mesmo sou dono da minha voz”
Aos 80 anos, Geraldo Azevedo, artista independente por opção, remonta, em entrevista, sua trajetória: de, em Petrolina, passando pelo Recife, até chegar ao Rio, de onde alcançou sucesso nacional
TEXTO Débora Nascimento
27 de Março de 2025
Foto Leo Martins/Divulgação
“Esta canção aqui que eu vou cantar, eu faço questão de cantar muitas vezes agora, porque elaficou muito tempo assim, engasgada na garganta. É uma canção que eu fiz com Vandré em 1968. Ela ficou censurada muito tempo, esse tempo todo. (...) Agora eu vou conseguir gravar com vocês”, diz Geraldo Azevedo, segundos antes de começar a dedilhar no violão a melodia que leva à frase inicial de “Canção da Despedida”: “Já vou embora / Mas sei que vou voltar / Amor, não chora / Se eu volto, é pra ficar”.
Quando o artista gravou a composição em seu primeiro disco ao vivo, Geraldo Azevedo (no projeto A Luz do Solo), lançado em 1985, o Brasil estava saindo da ditadura militar, cuja censura às artes, ao entretenimento e ao jornalismo era apenas a ponta do iceberg da opressão. “Canção da Despedida”, uma das obras atingidas pelo cerceamento, é uma música de protesto, mas repleta, sobretudo, pelo amor, não por acaso, a matéria-prima que origina e mantém vivo o cancioneiro do pernambucano que completa 80 anos neste 2025.
O ato dessa gravação, feito 40 anos atrás, era bastante simbólico. Afinal, o cantor, assim como Geraldo Vandré, havia sido vítima da repressão, ao ser preso e torturado em dois momentos distintos do período ditatorial, 1969 e 1974. Na primeira vez, o pernambucano já morava no Rio de Janeiro, onde havia desembarcado em 1967, a convite da cantora Eliana Pittman, que, em passagem pelo Recife, conheceu o talento do jovem artista. A ida era para acompanhá-la em seus shows como violonista, mas o instrumentista acabou sendo atraído e fisgado pela irresistível atmosfera musical e por maiores oportunidades no mercado fonográfico do Rio.
Anos antes de partir para o Sudeste, Geraldo Azevedo trabalhou na capital pernambucana como projetista, tocou em bares, universidades, participou do grupo Construção, com Naná Vasconcelos, Teca Calazans e Paulo Guimarães. Em 1965, fundou o grupo Raiz, baseado em música, teatro e literatura. Dois anos depois, ainda hesitante ao convite de Eliana, foi praticamente empurrado para dentro do avião por amigos, como o professor de Filosofia Jomard Muniz de Britto, que o incentivaram a conhecer um outro ambiente musical.
O violonista queria continuar em seu estado, onde ainda pensava em cursar Arquitetura e viver de um outro dom, o de desenhar. Porém, uma vez no Rio, passaria a viver de música até que a perseguição aos artistas o alcançasse. Ele havia integrado a banda que acompanhava Geraldo Vandré, alvo número um dos militares, por ter feito o hino da resistência, “Pra não dizer que não falei das flores”. Com o cenário artístico quase desmantelado pela censura, prisão e exílio de expoentes da música popular brasileira, Geraldo voltou-se ao desenho. No entanto, tudo mudou quando um fã cabeludo e despudoradamente extrovertido, também pernambucano, bateu em sua porta no Rio. A amizade e a parceria com o então novato Alceu Valença lhe devolveu a vontade de fazer e de viver de música novamente.
Essa vocação artística havia despontado cedo no menino Geraldo Azevedo Amorim, quarto dos cinco filhos do agricultor e carpinteiro José Amorim e Almira Azevedo Amorim, professora de alfabetização, que gostava de cantar e incentivava os filhos a também soltarem a voz. Nascido em Jatobá, distrito (hoje bairro) da área rural de Petrolina, o tímido Geraldinho, aos quatro anos, já se apresentava nos eventos festivos promovidos por sua mãe na escola que funcionava na residência de sua família.
Aos cinco anos, ganhou o primeiro violão, confeccionado pelo pai. Na juventude, trabalhou na rádio difusora da cidade, em um programa de rock com Reinaldo Belo e, em seguida, apresentou o radiofônico Por falar em bossa nova, n’A voz do São Francisco, primeira emissora do município que fica a 713 quilômetros do Recife. Do outro lado do Rio São Francisco, que banhava Petrolina, estava Juazeiro, a cidade natal do ídolo baiano João Gilberto, cujo estilo inovador no violão fez Geraldinho começar a caçar as notas dissonantes em seu instrumento.
Nesta entrevista à Continente, concedida no intervalo da gravação de seu próximo disco, Geraldo Azevedo fala, com sua voz terna, sobre a nova música e videoclipe (“Estou em paz”); a influência de João Gilberto; a pluralidade de talentos (trabalhou em rádio, TV, teatro, cinema, antes de enveredar na música); o ofício de artista independente; a relação com antigas gravadoras; os vitoriosos projetos Cantoria e O Grande Encontro; a amizade com a “danada” Elba Ramalho, que estimulou a então atriz iniciante a se tornar uma das maiores cantoras do país; o incentivo para Carlos Fernando compor, se transformando em um de seus parceiros, em músicas como “Aquela Rosa” (a primeira composição completa de Geraldo Azevedo), “Menina do Lido” e “Canta Coração”. Ao todo, são 220 músicas cadastradas no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), das quais participou como autor da melodia e/ou da letra, 17 discos de estúdio, 8 ao vivo, milhares de shows e ainda cantando.

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