Entremez

Compre livros brasileiros, muitos, leia todos e salve o mercado nacional

TEXTO Ronaldo Correia de Brito

08 de Fevereiro de 2019

Foto Reprodução

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Quem lembra as lições
de biologia? Há um período chamado de interfase em que as células criam condições para se dividir e originar células filhas. Parece que nada acontece, tudo se encontra em inércia, mas é nessa fase que a energia se acumula para o evento. Igual ao estado que precede a explosão criadora, carregado de mistério e simbolismo. 

Os escritores também apresentam interfases, o tempo imensurável entre uma criação e outra. Geralmente, enquanto dão acabamento num romance, as ideias para o livro seguinte se armazenam em cadernetas, em arquivos e na imaginação. 

Está na natureza das células dividir-se em outras células, por mitose ou meiose. Uma lei biológica determina isso. O artista cria fora da lei, em dúvida. Seu impulso criador é desafiado a cada obra. Alguns desistem cedo, como Juan Rulfo e Raduan Nassar. Outros se esgotam como se nada mais pudesse eclodir do seu gênio. Shakespeare seria o maior exemplo de todos. “Persistiu vinte anos nessa alucinação dirigida, mas uma manhã surpreenderam-no o fastio e o horror de ser tantos reis que morrem pela espada e tantos desditados amantes que convergem, divergem e melodiosamente agonizam”.

Talvez a pergunta mais obsessiva seja: para quem escrevo?

Ou por que escrevo? 

No Brasil, a dúvida se tornou lancinante. Os editores proclamaram a crise na leitura, embora acreditem que a literatura continuará sempre existindo. A venda de livros caiu, os jornais impressos entraram em falência. Quem lê? Se comparamos à performance do romancista Jorge Amado, mesmo nas décadas de 1950 e 1960 ele vendia incomparavelmente mais do que os bons romancistas de agora. Até as biografias e os livros para jovens, o grande filão que sustentava o mercado, permitindo o investimento em escritores de vendas modestas, despencaram. Jorge Amado supunha abrir um caminho para o romance nacional, que atrás dele viriam outros romancistas de igual ou maior sucesso, mas isso não aconteceu. Continuou isolado com as maiores tiragens, a menos que se considere o fenômeno Paulo Coelho.

Permanece o analfabetismo de quando o poeta Augusto Frederico Schmidt dava os primeiros passos na criação de um mercado editorial. Ler continua um privilégio de poucos. A esse problema se somou outro, não menos grave, o da censura à livre leitura, feito pelas religiões pentecostais e para-pentecostais, um público leitor de cerca de 50 milhões, que se autoriza um único livro, a Bíblia. Parecemos retornados aos primórdios de Lutero e aos cinco sola, ao Sola Scriptura, somente a Escritura. 

A Bíblia, na reforma protestante, tem absoluta primazia diante da Tradição legada pelo magistério da Igreja Cristã. Se houver divergências entre Bíblia e Tradição, a Bíblia terá primazia. Nos movimentos radicais como os anabatistas e puritanos, considera-se que a Escritura interpreta a própria escritura, sendo a única fonte de doutrina e prática cristãs, em todos os aspectos. O que nos lembra o radicalismo de algumas religiões islâmicas. 

Sobram que leitores para a ficção e a poesia? Somados os analfabetos funcionais, os censurados religiosos, os que consideram os livros supérfluos, os que não têm dinheiro nem motivação para entrar numa livraria ou num site de vendas, os que se limitam aos textos do WhatsApp e do Facebook, restam bem poucos. Esse tempo iluminado e de falsas portas abertas começa a se assemelhar com a Idade Média, quando o conhecimento era preservado e escondido nas bibliotecas dos conventos.

A comparação é pertinente. O acesso à informação e ao saber nunca pareceu tão fácil, tão verdadeiro. Mas o maniqueísmo e a mentira em que o conhecimento moderno vem embalado é o mesmo dos tempos obscuros. Já não é mais a Igreja Católica quem manipula a informação e as promessas de salvação. São outras igrejas, outros poderes políticos e econômicos. A orgia de informações, o banquete de conhecimento servido de graça tem o objetivo perverso de confundir, enganar, manter na ignorância, impedir o discernimento e o livre pensar. Bem pior do que fazia o Vaticano vendendo indulgências plenas, porque agora se cria a arrogância do saber. Só que esse saber cheio de soberba é falso.

Não há interfase nem descanso na mitose e meiose da ignorância. A cegueira falsificada em visão 3d acomete em epidemia. A vacina é usada por bem poucos. Nem vou revelar qual seria. Pensem.

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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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