Capas dos discos anteriores de Adele. Imagens: Divulgação
Na segunda faixa, Easy on me, escolhida para ser o primeiro single do álbum, ela pede para que seu interlocutor “pegue leve” com ela. “I was still a child/ Didn’t get the chance to/ Feel the world around me.” Ela poderia estar falando sobre a sua mais recente separação, mas também podemos entender como um apelo à crítica e ao público que, com tanto afinco e durante tanto tempo, escrutinaram todos os aspectos de sua vida. Assim como acontecia com a brasileira Marília Mendonça, várias pessoas se sentiram, e ainda se sentem, autorizadas a comentar sua aparência. Ainda em 2021, em entrevista à revista Vogue, a compositora chegou a afirmar que seu corpo vem sendo objetificado ao longo de toda sua carreira.
Dona de um timbre e execução impecáveis e cheios de personalidade – é bem provável que quem já tenha ouvindo a artista entoando os versos de Rolling in the deep (2011) nunca tenha esquecido sua voz – Adele segue, em 30, a tradição de nomear seus álbuns com a idade que ela tinha enquanto estava escrevendo as canções. As capas dos discos, caso fossem colocadas lado a lado, poderiam, inclusive, ser interpretadas como parte de um álbum de fotografias da cantora.
Em 19, a jovem Adele, então artista iniciante, aparece de olhos fechados e o pouco que vemos do seu rosto ainda está encoberto pelas sombras. Nos discos 21 e 25 ela se despe da timidez e aparece de frente para a câmera, encarando as lentes do fotógrafo, o público e quem mais se dispuser a mergulhar em sua música.
Na última década, suas canções correram o mundo. Ela ganhou um Oscar com Skyfall (2012), que fez parte da trilha sonora do filme de mesmo título da franquia 007, ganhou 15 prêmios Grammy e foi vítima de julgamentos e críticas que são direcionados com muito mais afinco a artistas mulheres, em especial àquelas que ganham o destaque que ela recebeu. Desta vez, porém, a cantora, compositora e multi-instrumentista aparece na capa de seu novo lançamento com uma foto de perfil.
A terceira faixa de 30, My little love, talvez nos ajude a responder essa pergunta. A canção conta com um dos arranjos mais ousados da carreira de Adele e, em determinados momentos, lembra os beats de artistas como Kendrick Lamar e Frank Ocean. Apesar de trazer um clima mais intimista, e mesmo sensual, e letra que fala de uma relação intensa, em que a cantora se coloca em uma posição bastante vulnerável, não se trata de uma canção sobre seus amantes, mas, sim, sobre seu filho. Há trechos de conversas entre mãe e filho ao longo da canção e, neles, é possível ouvir Adele tentando explicar ao pequeno Angelo, hoje aos 9 anos de idade, os motivos de ter se separado do seu pai. Sempre muito discreta em relação ao filho, esta é a primeira vez que os fãs da cantora escutam a voz da criança.
Para Adele, o desafio agora é falar sobre a dificuldade em compartilhar com seu filho as dificuldades do fim do relacionamento que o gerou, justamente no momento em que ele começa a entender o tamanho da fama da mãe. Diante do perfil da artista em 30, nossos olhares a observam enquanto o olhar dela mira à frente, possivelmente vislumbrando como será sua história após o fim do seu retorno de Saturno.
ANTONIO LIRA é jornalista, músico, pesquisador em comunicação e mestrando pelo PPGCOM/UFPE.