Além dos três roteiros, o livro traz uma introdução assinada pelo próprio Kleber. O diretor e roteirista reconhece que algumas ideias funcionam muito bem no papel, mas não têm o mesmo efeito no filme, o que obriga algumas cenas a serem cortadas ou mesmo modificadas para a versão final lançada. De acordo com o cineasta, a aceitação do livro tem sido bastante positiva justamente por permitir essa leitura comparativa entre o filme escrito e o filme feito. “Os comentários que tenho recebido, principalmente pelas minhas redes sociais, destacam o prazer das pessoas já conhecerem os filmes e agora poderem ver a escrita original dos títulos”, comenta Kleber.
Kleber Mendonça Filho, diretor dos longas que viraram livro. Foto: Breno Laprovitera
Na introdução, o cineasta detalha sequências roteirizadas e filmadas, mas não incluídas na edição final dos filmes, como também compartilha ideias escritas e não filmadas. Algumas dessas alterações representam mudanças simples e discretas, no entanto, outras trazem grande impacto na narrativa. Uma das principais diferenças destacadas por Kleber é a conclusão do roteiro de Aquarius, diferente da versão filmada e lançada.
“Muita gente tem reagido de forma impactada com o final do roteiro de Aquarius. É uma descoberta em cima de uma história que as pessoas já conhecem. É como voltar ao filme e encontrar uma nova versão da obra”, justifica. Para ele, isso mostra a forma livre de se trabalhar e como as ideias são fortalecidas pelo próprio momento da realização da obra. “Existem várias questões que ajudam nesse processo. Os atores, as locações, o modo de olhar uma cena de forma diferente. Ao meu ver, as cenas são versões melhoradas do que estava escrito no roteiro”, completa o cineasta.
REFERÊNCIAS
Não é novidade que o cinema trabalha, muitas vezes de forma simbólico-alegórica, com alerta de que livros que ensinam a como escrever roteiros podem parecer apenas conjuntos de fórmulas.
“Esses manuais e guias são interessantes, mas muitas vezes não falam de algo que é essencial para qualquer escritor, independentemente do gênero, que é a capacidade de expressar ideias.” Para ele, algo bastante essencial para o autor é ter um ponto de vista em relação ao mundo, a vida e as pessoas. “Esse ponto de vista vem da experiência humana e, se você encontrar temas que lhe interessam ou incomodam ou considera relevantes, você consegue desenvolver um bom trabalho de escrita.”
Cenas de Bacurau (2019) e Aquarius (2016). Imagens: Divulgação
Para Kleber, as suas ideias surgem de lembranças e traços autobiográficos, mas também por meio de leituras alegóricas de um Brasil dividido por questões políticas como um reflexo da ascensão da extrema direita vista nos últimos anos. Parte dessa realidade vivida no país reverbera nas leituras alegóricas e simbólicas, e até em alguns casos explícitas, encontradas nos filmes, o que justifica a subida de tom existente nos três roteiros escritos durante o período de 10 anos, entre 2008 e 2018. Essa realidade aparece discreta e sugestiva em O som ao redor, ganha força em Aquarius e se torna explícita em Bacurau.
Ao adquirir o livro Três roteiros, um caminho bastante prazeroso para o leitor será ler os textos para depois assistir aos filmes O som ao redor, Aquarius e Bacurau. No entanto, já tê-los visto não diminui em nada a experiência positiva da leitura dos roteiros. Aqui, a ordem não modifica o prazer de conhecer mais sobre o processo criativo de construção audiovisual de alguns dos mais importantes títulos do cinema pernambucano.
FILIPE FALCÃO, jornalista, professor universitário, doutor em Comunicação e pesquisador do audiovisual.