Curtas

Sempre em frente

Responsável por filmes como 'Toda forma de amor' e 'Mulheres do século 20', Mike Mills traz abordagem intimista e cheia de afeto em novo longa

TEXTO Danilo Lima

10 de Maio de 2022

O ator Joaquin Phoenix compõe uma personalidade afável e apaixonante junto ao pequeno Woody Norman

O ator Joaquin Phoenix compõe uma personalidade afável e apaixonante junto ao pequeno Woody Norman

Foto Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online] 

“Quando você pensa no futuro, como imagina que ele será?” Esse é o principal questionamento feito pelo protagonista de Sempre em frente (C’mon c’mon, 2021) aos seus entrevistados, assim como o princípio filosófico por trás do novo longa escrito e dirigido por Mike Mills. Sob o selo da produtora A24, o filme fez sua estreia mundial na 48ª edição do Festival de Cinema de Telluride (EUA) e chamou a atenção do circuito de filmes independentes.           

Na trama, Johnny (Joaquin Phoenix) é um jornalista de rádio que está realizando uma série de entrevistas, com jovens de diferentes idades e regiões dos Estados Unidos, sobre suas visões de mundo e perspectivas futuras. Quando sua irmã (Gaby Hoffmann) precisa viajar para cuidar do marido, ele fica responsável por tomar conta do sobrinho Jesse (Woody Norman), enquanto continua sua jornada pelo país. Ao mesmo tempo em que a relação dos dois é construída e suas rotinas modificadas, Johnny passa a lidar com as mesmas dúvidas que são levantadas em seu trabalho. Com uma história simples e contida, é o aprofundamento das relações humanas, sem excessos ou artificialidades, o responsável pelo envolvimento com a obra.           

A perspectiva dos jovens acerca do mundo não é um objeto de interesse novo, porém tem se tornado cada dia mais relevante (ver a reportagem da Continente). No longa, esse debate contribui para adicionar um caráter documental à história, não apenas pela abordagem estética de documentário nas cenas em questão, como também porque, segundo o diretor, todas as entrevistas foram genuínas, conduzidas pelo próprio Joaquin Phoenix com crianças e adolescentes de colégios próximos aos locais de gravação.           

Sendo uma linha narrativa que se entrelaça com a história principal, os trechos de entrevistas servem tanto para levantar e enriquecer as reflexões sobre temas universais, como felicidades e medos, quanto para formar um retrato da categoria social da juventude norte-americana. Há ainda uma forte relação espacial nesse panorama, visto que um dos principais grupos abordados são as crianças e adolescentes de Detroit, cidade que nasceu com grandes expectativas para o futuro, mas se tornou um centro fantasma, falido e sem perspectivas até alguns anos atrás.           

Se durante o trabalho o protagonista pode se manter na confortável posição de observador, ao cuidar do sobrinho ele se vê pela primeira vez em um lugar ativo e de responsabilidade com uma figura jovem, cheia de sonhos, angústias e perguntas, assim como seus entrevistados. Felizmente, essa interação não é representada de maneira hierárquica e unilateral. Imerso em questões do passado, Johnny também aprende a revisitar suas escolhas de vida, através de um olhar condescendente e respeitoso que o filme tem com o fluxo de pensamentos e sentimentos infantis. Investigar os conflitos e as possibilidades que surgem do encontro de gerações não é, porém, novidade na filmografia do diretor.           

Responsável por longas como Toda forma de amor (2010) e Mulheres do século 20 (2016), Mike Mills é um dos realizadores contemporâneos mais sensíveis de Hollywood. Apesar da falta de recortes sociais diferenciados, seus filmes sempre carregam um forte aspecto existencialista, que procura investigar as razões da vida, os princípios das coisas e seus conceitos ao longo do tempo, por mais abstratos que sejam, como o amor e a beleza, sem nunca assumir uma posição de arrogância e certeza sobre tais perguntas. 

O estilo também aparece nos seus trabalhos com videoclipe, como quando colaborou com a banda The National para criar o álbum visual I am easy to find (2019), que resume uma vida humana em 164 momentos. Para aprofundar esses debates, ele se utiliza ainda de uma rica bagagem literária, trazendo excertos de obras que são mencionados ipsis litteris ao longo do filme sobre os mais diversos temas: infância, maternidade ou mesmo sobre o fazer jornalístico.           

A verdade é que, acima de tudo, Mills é um diretor essencialmente humanista. O olhar de empatia com os personagens e a abordagem realista deles, mesmo que “higienizada”, faz com que seus problemas de vida soem verossímeis e relacionáveis para os espectadores – que também descobrem algo sobre si mesmos. Grande parte desse envolvimento é mérito das atuações, e o filme sabe dar o tempo e o espaço suficientes para que elas cresçam e se revelem. Em um papel diametralmente oposto ao que garantiu seu Oscar em Coringa (2019), Joaquin Phoenix compõe uma personalidade afável e apaixonante, enquanto o pequeno Woody Norman, ora hiperativo, ora recluso, entrega uma pureza autêntica e complexa, contracenando em uma dinâmica crível com o ator veterano.     


Imagem: Divulgação      

A aura introspectiva é corroborada também pela estética adotada. Com uma fotografia preta e branca intimista, paisagens urbanas – muitas vezes noturnas – e uma trilha de músicas clássicas como Clair de lune, o clima etéreo perpassa a obra como se fosse uma crise existencial em plena madrugada. O filme então parece tomar a forma de um road movie, em que os momentos mais importantes são nos quartos de hotéis, ao colocar a criança para dormir e ser ocasionalmente surpreendido por uma pergunta infinitamente ingênua para a qual o adulto não sabe a resposta. É intimista e sereno, mas não entediante, e se a crise existencial atinge o espectador, ela se dissipa em lágrimas de acalanto, não de tristeza.           

Ao mesmo tempo em que o diretor propõe uma visão macro no levantamento de múltiplas perspectivas ao redor do país, ele faz isso a partir do micro, olhando e parando para ouvir de fato indivíduos comuns, independente de sua idade. Como toda sua filmografia, Mills monta mais uma bela investigação do que é universal no ser humano a partir do individual, ora em tom melancólico, ora positivamente conformado, mas com a única lição de que está tudo bem aceitar nossos sentimentos negativos e que devemos seguir em frente, atrás das respostas que não sabemos ou nunca havíamos parado para nos perguntar.

O filme ainda não está disponível nas plataformas de streaming. 

DANILO LIMA é jornalista em formação pela UFPE.

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