Curtas

Semente da terra

Milton Nascimento roda o Brasil (e vem ao Recife) com novo show, cujo título se refere ao nome que o artista recebeu de 37 lideranças Guarani Kaiowá

TEXTO Débora Nascimento

22 de Agosto de 2017

Milton Nascimento no show

Milton Nascimento no show "Semente da Terra"

Foto João Couto/Divulgação

“O grande milagre da história da cultura brasileira.” Desta forma, Caetano Veloso anunciou a chegada de Milton Nascimento ao palco da campanha pelas Diretas Já. Não em 1984, mas em 28 de maio deste ano, na Praia de Copacabana. Nesse dia, um domingo, 150 mil pessoas participaram do ato musical que reuniu diversos artistas para exigir uma nova eleição presidencial como possível solução para reverter a tragédia política que acomete o país. Nesse dia, Milton cantou Coração de estudante, que se tornou o hino pelas Diretas Já, parte 1, e da presidência não concretizada de Tancredo Neves, que marcaria a transição da ditadura para a democracia. Com a morte do político, José Sarney, do PMDB (coincidência...), assumiu o cargo, e o país só voltaria a votar em 1989.

Agora, Coração de estudante é uma das canções presentes no repertório de Semente da Terra, espetáculo em que Milton Nascimento constrói uma narrativa de sua trajetória a partir de composições com temáticas sociais, abrangendo diversas lutas como: a indígena (A terceira margem do rio), a feminista (Maria, Maria), a negra (Lágrimas do sul) e a ecológica (O cio da terra). Canções de protesto sem serem panfletárias. “É o momento de passarmos uma mensagem de esperança. Não somente o Brasil, mas o mundo todo precisa disso. Então, a nossa intenção é passar exatamente isso neste show. As coisas estão cada vez mais complicadas. E do jeito que vai indo, sinceramente não sei te falar o que pode acontecer”, disse o artista em entrevista para a Continente Online.

Essa esperança que tanto falta ao Brasil hoje sempre esteve presente nas canções interpretadas pelo cantor, como comprova o final de Canção da América, “qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar”. O próprio Milton é a prova dessa esperança e desse milagre que Caetano apontou. Carioca, filho de uma empregada doméstica, ainda criança ficou órfão e foi adotado por uma família amorosa que apreciava música e que o defendeu ferrenhamente do racismo. Os pais moravam em Minas. Lá teve contato com os músicos que o incentivaram não somente a cantar, mas a compor também. Esses amigos se tornaram parceiros musicais de toda uma vida.

Ao mudar-se de Três Pontas para Belo Horizonte, onde cantava na banda W’s Boys, do pianista Wagner Tiso, Bituca passou a morar numa pensão no centro da cidade, onde conheceu os 12 irmãos Borges. Um dia, Márcio, irmão mais velho de Lô, chamou Milton para ir ao cinema. Ficaram na sala de exibição das 14h às 22h. O filme Jules & Jim, de François Truffaut. Ao sair da sessão, Milton, inspirado, decidiu compor. Com Márcio, fez suas três primeiras canções. Mas somente em 1967 lançou aquela que o projetaria nacionalmente, Travessia (com Fernando Brant), que, neste 2017, completa 50 anos. A canção abre o setlist desse show, que traz mais de 20 canções executadas pelos músicos Wilson Lopes (direção musical e cordas), Beto Lopes (violões), Lincoln Cheib (bateria), Alexandre Ito (baixo), Widor Santiago (sopros), Barbara Barcellos (vocal) e Kiko Continentino (piano).

Percorrer o país com esses instrumentistas é uma das motivações de Milton para novamente ingressar numa turnê. “Viajar o Brasil fazendo este show ao lado de grandes amigos é outra alegria. Chegar a Recife com a trupe Semente da Terra, rever a cidade, rever meus amigos, isso é outra alegria maior ainda. A amizade é a coisa principal que me torna capaz de fazer tudo, não somente compor. Se tiver amizade, tenho tudo.”

O show, cujo título é uma referência ao nome que o artista recebeu de 37 lideranças Guarani Kaiowá em 2010 (Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi, que, em português, quer dizer “A semente ancestral que germina na terra”, ou simplesmente, “Semente da terra”), será apresentado nesta quinta-feira (24/8), no Teatro Guararapes, às 21h. Os ingressos têm preços variados: Balcão, R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia); Plateia A, R$ 180 (inteira) e R$ 90 (meia), e Plateia B, R$ 160 (inteira) e R$ 80 (meia).

Repertório:
1. Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant)
2. Terceira margem do rio (Milton Nascimento e Caetano Veloso)
3. Credo (Milton Nascimento e Fernando Brant)
4. Idolatrada (Milton Nascimento e Fernando Brant)
5. O cio da Terra (Milton Nascimento e Chico Buarque)
6. Me deixa em paz (Monsueto e Aírton Amorim)
7. San Vicente (Milton Nascimento e Fernando Brant)
8. Milagre dos peixes (Milton Nascimento e Fernando Brant)
9. Coração de estudante (Milton Nascimento e Fernando Brant)
10. Sentinela (Milton Nascimento e Fernando Brant)
11. Canoa canoa (Nelson Ângelo e Fernando Brant)
12. Caçador de mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá)
13. Sueño com serpientes (Silvio Rodríguez)
14. Lágrimas do sul (Marco Antônio Guimarães e Milton Nascimento)
15. Nos bailes da vida (Milton Nascimento e Fernando Brant)
16. Clube da esquina 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges)
17. Canção do sal (Milton Nascimento)
18. Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant)

BIS
A lua girou (tema folclórico adaptado por Milton Nascimento)
Nada será como antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant)

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