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Roupa de cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano

Livro reúne depoimentos de figurinistas e textos teóricos que ressaltam a importância da área

TEXTO João Rêgo

26 de Maio de 2021

Curta 'Os últimos românticos do mundo', com figurino assinado por Maria Esther de Albuquerque

Curta 'Os últimos românticos do mundo', com figurino assinado por Maria Esther de Albuquerque

Imagem Bárbara Hostin

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Se críticos se reunissem para montar uma cartilha com tópicos necessários para escrever sobre filmes, fotografia, trilha sonora, atuação e mise-en-scène, ocupariam as posições de prioridades. É raro de ver, a menos que sejam destacados por peculiaridades externas às obras, outros elementos ganharem mais do que um ou dois períodos em textos analíticos. 

Menos “injusto”, há também os momentos em que o Oscar cumpre o seu papel democrático de jogar luz em todas as fases da feitura de um filme. São as categorias que os apostadores mais têm chance de acertar, esquecidas entre as mais imprevisíveis, consideradas as principais. Ressalte-se, mais por causa do marasmo dos avaliadores que pela falta de variedade dos concorrentes.

Uma dessas categorias, tão fundamental quanto as outras, é o figurino. Foi justamente com o objetivo de destacar esta área que a figurinista Ana Cecília Drumond assumiu o desafio de pensar a sétima arte a partir da atuação da sua profissão. Lançado na metade do mês de maio, o livro Roupa de cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano é fruto do esforço da artista em reunir entrevistas com colegas de trabalho e ampliar as discussões em textos teóricos. Com 234 páginas, a obra é dividida nesses dois eixos: depoimentos de figurinistas e três artigos assinados por pesquisadores do assunto. O e-book está disponível para download gratuito no site da editora Vacatussa.

“As figurinistas, de um modo geral, não tem tanto espaço para falar dos seus trabalhos, processos criativos, repertório artístico e técnicos e metodologias. Design de figurino não se faz da noite para o dia. Exige estudo e imersão dos profissionais. Então, é fundamental dar voz a esses profissionais e mostrar o que tem de pensamento e reflexão por trás, não é simplesmente chegar com uma arara cheia de roupa no set e vestir o personagem”, conta a autora. 

Para os relatos, Ana Cecília e o jornalista Júlio Cavani realizaram entrevistas com dez figurinistas que trabalharam em produções locais. Entre eles, estão nomes mais experientes como Beto Normal, Andrea Monteiro e Paulo Ricardo, até nomes emergentes, como as figurinistas Babi Jácome e Libra. A lista ainda conta com Rita Azevedo, Chris Garrido, Sosha, Maria Esther de Albuquerque e Joana Gatis.


Curta Gif, com figurino assinado por Sosha. Imagem: Divulgação

A diversidade aponta para a multiplicidade de abordagens e vivências dentro da área, cada qual resultando em percepções e criações particulares. Há também os problemas comuns, como ter que lidar com a falta de orçamento através da inventividade. O livro propõe um mergulho nos processos criativos e metodologias de trabalho destes profissionais, colocando como central a percepção visual e narrativa que os figurinos compõem em obras audiovisuais.

“O figurino comunica. O figurino traz uma contribuição importante para a construção do personagem. Antes mesmo do personagem falar ou realizar alguma ação na cena, o figurino já está transmitindo algo sobre este personagem. Pode transmitir informações como faixa etária, classe social, vaidade, estado psicológico, visão de mundo, profissão, período histórico ou deslocamento de espaço-tempo se o roteiro assim exigir”, explica Ana Cecília.

Já a segunda parte do livro é composta por três artigos que tratam sobre o papel do figurino no cinema pernambucano. A pesquisadora e diretora de arte Iomana Rocha, por exemplo, estuda a área a partir do conceito “brodagem”, usado para definir a produção de alguns cineastas locais. O professor universitário André Antônio analisa o traje de cena dentro de uma perspectiva queer, fazendo relações entre a obra de realizadores como Kenneth Anger e Teo Hernandez, com a do pernambucano Sosha. E o pesquisador Álamo Bandeira apresenta um guia explicativo sobre termos e setores de um set de filmagem para o trabalho do figurino.

Aliar a visão de quem trabalha na área à uma fundamentação teórica, explica Ana Cecília, mostra que "o design de figurino é feito através de processos, reflexão e pesquisa". É justamente a partir dessa busca formal que o livro alça os figurinistas a um papel fundamental para a história do cinema pernambucano. Roupa de cinema monta um panorama múltiplo dos profissionais que vestiram personagens memoráveis nas últimas três décadas de produção local. São 30 filmes, entre longas e curtas, analisados de forma mais aprofundada pelos figurinistas, revelando conceitos, bastidores e metodologias. 


Curta Tempestade, com figurino assinado por Libra. Imagem: Maira Iabrudi/Divulgação

Marcam presença obras premiadas como Bacurau, Tatuagem e Amarelo Manga, mas também são contemplados produções menos conhecidas, mas igualmente importantes para a construção de uma linha do tempo. Este recorte heterogêneo permite tanto um olhar sobre a transformação do cinema pernambucano, partindo de um maior acesso a recursos de editais de incentivo, como sobre a força transgressora que atiçou um cinema mais representativo.

Ana Cecília Drumond assina o figurino dos longas-metragens Amores de chumbo (2017), de Tuca Siqueira e Passou (2020), de Felipe André Silva, além dos curtas-metragens Décimo segundo (2007), de Leonardo Lacca, Nº 27 (2008), de Marcelo Lordello, Mens sana in corpore sano (2011), de Juliano Dornelles, Sob a pele (2013) de Daniel Bandeira e Pedro Sotero, História natural (2014), de Julio Cavani, e  Muro (2008), de Tião, vencedor do prêmio Regard Neuf da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes.

JOÃO RÊGO, jornalista em formação pela UNICAP e estagiário da Continente.

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