Nos últimos anos, a forma como nos relacionamos com a cidade tem sido uma discussão constante e urgente, colocando questões como o abandono e a negação do espaço público em evidência. Quem passa pela caótica Avenida Dantas Barreto e suas adjacências, no centro do Recife, pouco imagina que, para além do grande fluxo de pessoas, veículos e movimentações comerciais, existe ali uma outra paisagem. Na área, por exemplo, estão expostos a céu aberto murais de Abelardo da Hora e Francisco Brennand. No sentido de auxiliar a vivência desse patrimônio urbano, o projeto Recife Arte Pública localizou murais, esculturas e vitrais distribuídos pela cidade que podem visitados gratuitamente.
A documentação registra muitas obras muralísticas produzidas nas décadas de 1940 e 60, assinadas por artistas como Lula Cardoso Ayres – autor do famoso mural do Cinema São Luiz –, Cícero Dias e Corbiniano Lins. No acervo de esculturas, foram mapeados mais de 100 pontos de localização e cerca de 300 esculturas públicas espalhadas por 32 bairros do Grande Recife, enquanto na categoria de vitrais documentou-se sua existência de década de 1930 até o final do século XX.
Vitral compõe as artes decorativas da Basílica do Carmo, de Heinrich Moser. Foto: Hassan Santos/Divulgação
“O projeto vem da vontade de lançar um olhar carinhoso para a cidade. A vivência das cidades e de seus espaços tem ficado cada vez mais restrita”, explica a arquiteta Lúcia Padilha, idealizadora do projeto, cujo mapeamento de obras públicas está disponível no endereço digital www.recifeartepública.com.br, com fotos e informações sobre os artistas. Compreendendo a arte pública como recurso educativo, a iniciativa conta ainda com a distribuição de livretos em escolas. “A arte pública estabelece um diálogo com o entorno, com o contexto urbano da cidade, e pode ser facilmente utilizada como recurso educativo multidisciplinar, proporcionando uma intersecção entre os diferentes campos de estudo”, diz Lucia. Incentivado pelo Funcultura, o projeto tem fotografias de Nando Chiapetta, Hassan Santos e Breno Laprovitera. O assinantes da Continente recebem a versão impressa do mapa junto com a revista deste mês.
O contato com a arte pública é dificultado por impasses como a precária infraestrutura urbana da cidade - como poucas linhas de ônibus ligadas às localizações. Outro fator que dificulta o interesse do público para com as obras é a ausência de identificação e má conservação. Apesar disso, há de se enxergar no acervo de arte pública um potencial de estabelecer uma relação afetiva com seu patrimônio cultural e histórico. “Esse tipo de arte não é acessível apenas por estar em lugares públicos, mas porque permitem interação e contato com o volume e a textura das obras”, enfatiza Lucia.