Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil desde 2018, a literatura de cordel é uma das principais expressões culturais e populares do país. Herdado das praticadas poéticas dos trovadores portugueses e espanhóis do século XVI, o cordel tornou-se veículo de comunicação, ofício e meio de sobrevivência para inúmeros cidadãos brasileiros e nordestinos, reinventando-se até hoje neste ambiente literário cada vez mais high-tech e informatizado.
Essa complexa reinvenção do cordel, tanto na sua produção textual e tipográfica – que agora combina a linguagem oral, impressa e digital –, quanto nas novas disputas e interações entre cordelistas, foi acompanhada de perto pela jornalista e escritora pernambucana Maria Alice Amorim. Pesquisadora assídua da cultura popular e da literatura de cordel, a autora acaba de lançar Pelejas em rede: vamos ver quem pode mais (Zanzar Edições, 2019), livro sobre o tema – que resulta da sua tese de doutoramento em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, em 2012.
Maria Alice sempre se interessou pelos antigos e novos cordelistas e seus folhetos: foi durante as aulas de literatura, na adolescência, que ela conheceu e se encantou pela literatura de cordel e, desde então, passou a pesquisá-la, atenta às suas mudanças e inovações. Em entrevista à Continente, ela relembra uma das transformações que o gênero passou na época da criação de O marco cibernético construído em Timbaúba, do seu amigo e poeta José Honório. Naquele momento, em meados dos anos 1990, o mercado editorial já não oferecia as mesmas vantagens de publicação e divulgação dos folhetos de cordel que o recente acesso à tecnologia digital possibilitava.
“Quando Honório escreveu esse folheto, havia uma retração do mercado editorial, por questões econômicas. Assim, a internet, e também computadores e impressoras de uso pessoal, surgem como possibilidade de redução de custos na difusão dos folhetos”, lembra Alice. “O contexto social também havia se modificado, a presença dos poetas nas feiras e mercados, para divulgar e vender os poemas, não tinha mais a mesma repercussão de décadas antes, ou seja, até os anos 1970 e entrando um pouco nos anos 1980. Com a possibilidade, então, de se comunicarem pela web, os encontros virtuais passam a substituir os presenciais, funcionando como emulação entre poetas, estimulando-se mutuamente a criar, a conhecer e a divulgar a própria obra e a dos companheiros de poesia”.
Assim, seu livro reflete sobre os diversos aspectos que envolvem a produção e a difusão desse cordel virtual, em que os poetas se aproveitam das ferramentas digitais e das redes sociais para ampliar suas temáticas, difundir informações, inovar na formatação dos versos, valendo-se de uma maior liberdade criativa. Nesse sentido, as disputas virtuais de cordel apenas fortalecem essa conexão em redes, tornando-as mais dinâmicas e acessíveis.
E, para quem acha que as pelejas virtuais podem acabar com a tradição cordelista, Alice reitera: “Aí estão, nas plataformas digitais, autores surgindo, obras se multiplicando e a cibercultura contribuindo em sua vitalidade. As redes sociais implicam numa dinâmica ágil, movediça. Como os processos culturais. E é nessa dinâmica que o cordel, poesia secular tão contemporânea nossa, continua vivo e bulindo, no Brasil”. Pelejas em rede pode ser adquirido através do e-mail: vozdadeusa@gmail.com.
PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo pela UFPE e estagiária da Continente.