Curtas

Motomami

Com novo álbum, Rosalía chega ao Brasil

TEXTO Antonio Lira

01 de Agosto de 2022

Com 'MOTOMAMI', cantora se coloca como uma das mais criativas artistas da atualidade

Com 'MOTOMAMI', cantora se coloca como uma das mais criativas artistas da atualidade

Foto Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 260 | agosto de 2022]

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O clipe de SAOKO – faixa que abre MOTOMAMI (2022), novo álbum da cantora catalã Rosalía – traz cortes rápidos e movimentos de câmera intensos que mostram a artista cercada de outras mulheres em um posto de gasolina, abastecendo suas motocicletas e se preparando para iniciar as performances que acompanham uma batida desconstruída de reggaeton. Enquanto Rosalía e suas amigas aparecem fazendo acrobacias com os veículos e tirando selfies, ela pergunta e responde: “Chica, ¿qué dices?/ Saoko, papi, saoko/ Saoko, papi, saoko”, num refrão que faz referência à canção Saoco, lançada em 2004, pelos artistas porto-riquenhos Daddy Yankee e Wisin. De acordo com a revista Billboard, a expressão saoco é uma gíria de Porto Rico, que significa ter “ritmo excepcional ou muito sabor”. Essa definição serviria muito bem à própria Rosalía, que – mesmo trabalhando a partir de sabores característicos que marcam gêneros tradicionais da música pop hispânica – tem procurado cada vez mais trazer uma certa estranheza na maneira de reinterpretar suas referências. Em meio às batidas do reggaeton, podemos ouvir samples de free jazz e timbres que remetem até mesmo ao nu metal de grupos como KoRn e Linkin Park.

A cantora faz este ano sua primeira turnê mundial. E já tem data confirmada para subir ao palco no Brasil, no dia 22 de agosto, no Tokio Marine Hall, em São Paulo. Desde que surgiu no cenário internacional com suas releituras do flamenco, Rosalía vem recebendo destaque tanto da crítica quanto do público. Aluna da concorridíssima Escola Superior de Música de Catalunya, ela estreou com Los Ángeles (2017), disco no qual se dedicou quase exclusivamente ao tradicional estilo musical que tem origens ancestrais ciganas.

De lá pra cá, seu leque de experimentações foi se ampliando. E Rosalía foi incorporando à sua obra referências a diversos gêneros modernos da música pop hispânica. El mal querer, seu segundo álbum, em 2018, se inspirava num romance anônimo do século XIII e serviu como projeto conclusão de curso, além de ser o estopim de seu sucesso internacional. A obra não só ganhou o prêmio de Álbum do Ano no Grammy Latino como foi incluída na reedição da lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone.

Com seu novo disco, porém, Rosalía está longe de se manter numa zona de conforto. Em MOTOMAMI, ela aprofunda as referências do reggaeton – que marcou o lançamento de Con altura (2019), single em parceria com J Balvin que foi hit em vários países da América Latina – e no pop experimental de artistas como Björk, David Bowie e Kate Bush.

Esses mergulhos estéticos se expressam não apenas nas canções, mas também em sua composição audiovisual. Mesmo que em CANDY, segunda faixa do álbum, a cantora pareça estar jogando num lugar seguro melodicamente, Rosalía traz, no clipe, referências à cultura pop japonesa e a filmes como Encontros e desencontros (2003), de Sofia Coppola. Já em LA FAMA, faixa em parceria com o cantor canadense The Weeknd, ao invés de partir para cantar em inglês, o que muitos fariam ao dividir uma canção com um artista pop anglófono de projeção internacional, Rosalía faz o caminho inverso e coloca o norte-americano para cantar em espanhol, em uma bachata – importante gênero pop da República Dominicana – que mesmo se encaixando no que se espera desse tipo de música, traz uma certa “estranheza” no timbre da guitarra que acompanha a batida.

Mesmo em BULERÍAS, na qual a cantora traz mais fortemente a referência do canto flamenco, cheio de melismas, o cajón que a acompanha está imerso numa camada de efeitos e vai se transformando em um bater de palmas enquanto a voz dela chega até mesmo, no fim da canção, a passar por um filtro de autotune – à la Daft Punk em One more time (2000) – num movimento que, com certeza, irritaria bastante seus professores da Catalunha.

Na música CHICKEN TERIYAKI, ela se volta para o reggaeton, num clipe dirigido por ela mesma que parece feito sob medida para viralizar no Tiktok, ao ponto de mostrar uma tela vertical no refrão, já instigando seus fãs a participarem de um challenge com a coreografia da canção. E se, em HENTAI, ela parece indicar que o álbum poderia retomar a melancolia melódica e introspectiva que marcou seus primeiros lançamentos, nas faixas seguintes, DIABLO e BIZCOCHITO, os timbres voltam a trazer camadas de efeitos e distorções. E mesmo quando ela regressa às referências clássicas, como no bolero DELIRIO DE GRANDEZA, a produção faz parecer que há algo de desafinado ou mesmo fora do tom, ainda que a cantora entregue a melhor e mais afinada performance vocal do disco.


O inventivo MOTOMAMI é o terceiro disco da cantora catalã. Imagem: Divulgação

Gravado no lendário Electric Lady Studios, criado sob medida pelo guitarrista Jimi Hendrix para dar vazão a suas experimentações com distorções e feedbacks, MOTOMAMI traz uma artista bastante amadurecida e com uma segurança sobre seu próprio repertório e referências que surpreendem, se considerarmos que ela tem apenas 28 anos. E que vem com muita vontade de se transformar.

“Se você olhar de perto, as letras giram em torno do mesmo conceito: transformação. Cada uma das frases nas letras das músicas são imagens de transformação. Celebrando a mudança, celebrando o fato de sempre sermos nós mesmos, mesmo estando em constante transformação. Ou até o fato de que somos nós mesmos, mais que nunca, no exato momento em que tudo está mudando”, ela afirmou na divulgação de SAOKO. Com um talento incontestável e uma carreira pop que foge do óbvio, Rosalía é uma das atrações internacionais mais aguardadas para este ano no Brasil e promete surpreender seus fãs latino-americanos com seus visuais e referências sonoras provocativas.

ANTONIO LIRA, músico, pesquisador e mestre em Comunicação pela UFPE.

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