Lutar é crime
As poesias em tom de combate e afeto de Bell Puã
TEXTO Samanta Lira
05 de Junho de 2019
A poetisa recifense Bell Puã
Foto Divulgação
[conteúdo na íntegra | ed. 222 | junho de 2019]
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"Vadias, vagabundas, bruxas, queimadas na fogueira da inquisição. Sem direito a voto, divórcio, assediadas pelo patrão, por amigos, desconhecidos e até líder de religião", reverberava no Slam BR 2017 – disputado em São Paulo –, a poesia performática Poder das minas, da recifense Bell Puã. Vencedora da primeira edição do Slam das Minas de Pernambuco, nesse mesmo ano, Bell dedicava a poesia às “manas” que resistem e que ensinam a resistir, abraçando-a na luta diária contra o machismo. Agora, atrelado ao viés de resistência que sempre integrou os seus versos, a poetisa lança Lutar é crime (editado pela Letramento, com ilustração de Heitor Dutra), livro que segue alinhado a esse processo construído no Slam.
A obra reúne poesias em tom de combate e afeto, incorporando as vozes-mulheres que estremecem as estruturas do patriarcado e do racismo, entre tantas outras formas de subjugação enraizadas nas bases da sociedade brasileira. A fúria acumulada de quem resiste em meio a esse sistema mescla-se à leveza necessária para cultivar uma existência de afeto, apesar das feridas abertas. Inspirado no escritor pernambucano Marcelino Freire, o título da obra traduz o entendimento de que o amor e a luta são complementares, principalmente se nos depararmos com o atual contexto do país, que parece, cada vez mais, punir quem luta pelo direito de resistência às desigualdades, vide Marielle Franco.
A fase de pré-venda de Lutar é crime, inclusive, foi anunciada poucos dias depois do simbólico 14 de Março, em que se completavam 365 dias do assassinato da vereadora carioca.
Em entrevista à Continente, Bell Puã comentou acerca do processo criativo da obra, que está entrelaçado à sua própria construção pessoal: “Lutar é crime veio de um sentimento de intimidação com várias questões que vivenciei ao longo de minha trajetória, desde preconceitos que eu mesma sofri até coisas que testemunhei. São histórias minhas e de pessoas próximas a mim. Além disso, ele também parte de algumas reflexões que dizem respeito a um processo de autoconhecimento, a partir de minha experiência na universidade, como bacharel em História, de coisas que abriram meus horizontes para novas visões de mundo”.
De fato, ao nos aventurarmos pelas páginas de Lutar é crime, que traz como prefácio o texto Vamos à luta, escrito por Marcelino Freire, é clara uma visão – como a artista faz questão de pontuar – descolonizada, não eurocêntrica, fazendo uso de uma ótica crítica sobre o mundo, mas que também expõe a si mesma, na forma de se relacionar com o outro. “O livro têm o tom de poesia falada, que a gente espera ouvir e não ler, sem aquela linguagem formal. Linguagem à qual fiz uma certa crítica no formulário da editora, para responder qual era o público do meu livro. Eu tive muito orgulho de colocar ‘basta saber ler’. E é isso que ele tem para trazer, essa é a proposta principal, ser acessível”, explica a poetisa.
Ainda neste ano, Bell participou de três antologias: No entanto: dissonâncias, organizada por Fred Caju e editado pela Castanha Mecânica; Ninguém solta a mão de ninguém, organizada por Tainã Bispo, pela editora Claraboia, que conta com nomes como Leo Sakamoto, Renato Janine, Anielle Franco, Yaguarê Yamã e Juca Kfouri; e Querem nos calar - Poemas para serem lidos em voz alta, uma antologia com 15 mulheres do Slam, de todas as regiões do Brasil, organizada por Mel Duarte, pela editora Planeta.
Os primeiros exemplares de Lutar é crime já estão disponíveis e podem ser adquiridos através do site da Editora Letramento (www.grupoeditorialletramento.com).
SAMANTA LIRA é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.