Curtas

Jimi Hendrix: Uma sala cheia de espelhos

Através de mais de 300 entrevistas, Charles R. Cross nos leva a conhecer, em seu livro, Buster, a versão menos conhecida do maior guitarrista de todos os tempos

TEXTO Mayara Moreira Melo

05 de Janeiro de 2023

Jimi Hendrix no dia 10 de maio de 1968

Jimi Hendrix no dia 10 de maio de 1968

Foto Steve Banks/Wikimedia Commons

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Eu costumava viver em um quarto cheio de espelhos
Tudo o que eu conseguia ver era eu
Eu peguei minha essência e quebrei meus espelhos
Agora o mundo inteiro está aqui para eu ver

Room full of mirrors (1968)

Inspirado nestes versos, o autor Charles R. Cross se dedicou, por quatro anos, a mergulhar e investigar a vida do maior guitarrista de todos os tempos, Jimi Hendrix (1942-1970). Em homenagem aos 80 anos do astro, celebrados no dia 27 de novembro de 2022, a biografia Jimi Hendrix: Uma sala cheia de espelhos conta com 325 entrevistas que acendem a narração envolvente de Charles, entre elas declarações de parentes, amigos e ex-amores que testemunharam a jornada de um homem autêntico e predestinado a revolucionar o mundo da música.

Hendrix é, sem dúvidas, um milagre em meio a tantas adversidades em sua vida, como a conflituosa relação de seus pais. O artista conseguiu expandir os horizontes da sua arte e mudar a forma de se tocar guitarra. Através de palavras que transmitem intimidade com o leitor e o músico, o autor nos leva a conhecer Buster, a versão menos conhecida de Hendrix, exclusiva de amigos e familiares. A obra nos revela um Jimi, conhecido pelo seu tom misterioso, com o sorriso que amolecia até o mais duro coração, mas também um rapaz melancólico e introvertido.

Imagem: Editora Pensamento-Cultrix/Divulgação

Por circular em diversas casas, devido à instabilidade em seu núcleo familiar, ele foi conduzido a conviver com diferentes pessoas e absorver múltiplas referências. O cabelo afro-punk, o casaco com franjas e os lenços no pescoço tornaram-se marcas registradas de Buster, através da mistura de influências dos bordados de sua avó e do estilo de ídolos como Mike Quashie. Além disso, sua criação em Seattle lhe permitiu viver em meio a uma efervescência artística, como na famosa Rua Jackson que sediava o multiculturalismo afro-estadunidense.

Entre as influências e inspirações, Lucille Jeter foi, sem dúvidas, sua primeira guia no mundo das artes. Apesar de conviver por pouco tempo com sua mãe, Jimi foi desde cedo apresentado a associar cheiro, cor e textura a memórias e sentidos, e muito jovem exposto à amarga sensação de saudade. Sua relação com Lucille foi, em grande parte, nutrida por fantasias e poesias, mas que impulsionou Jimi a se tornar um astro e o conduziu a compor uma das suas mais belas canções, Little wing.


Jimi e a mãe.
Imagem: Editora Pensamento-Cultrix/Reprodução

Quanto à música, sempre esteve presente, mas nunca de forma passiva. Mesmo sem instrumentos e recursos mais elaborados, o músico costumava performar suas canções favoritas. A princípio, com a vassoura e, quando ouvia blues, sua guitarra imaginária tomava vida junto à sua eletricidade. O blues chegou para Hendrix através de Ernestine Benson, pensionista que dividia a casa com a família de Jimi. Através dela, Buster foi exposto a um novo mundo com grandes nomes da música, como Muddy Waters e Lightnin' Hopkins.

Ao longo da leitura do livro de Charles R. Cross, é evidente o afinco e a dedicação de Jimi à música. Por não saber ler as canções, ele focava em imitar os músicos de seu bairro, e seus ídolos como B.B. King e Little Richard, com quem tocou no início da sua carreira. Apesar disso, as pessoas nem sempre desejam ver cópias, então Buster aprendeu, na prática, que a autenticidade é capaz de envolver qualquer público.

Jimi foi constantemente nomeado como o Elvis negro pela mídia e foi, desde o início de sua carreira, desafiado frente às noções de raça, principalmente porque sua aposta na música o levou a conhecer lugares do sul dos Estados Unidos, região conhecida pela intensa segregação racial. O autor nos oferece exemplos muito explícitos de como funcionava esse sistema, como a divisão dos discos em lojas de música em seções como “country, hillbilly” e “música negra”.

Imagem: Divulgação

Apesar de não ter sido ativista nem mesmo separatista negro, apenas mantendo seu foco única e exclusivamente na música, Jimi sentiu e presenciou diversas condições e situações que colocaram sua carreira, sanidade e vida em pleno risco. Se formos mais a fundo, o preconceito racial limitou e definiu boa parte da sua árvore genealógica, submetida à violência escravocrata e colonial norte-americana. Mesmo assim, Hendrix deve ser lido não como alguém que simplesmente superou as barreiras de raça e classe, mas como alguém digno de respeito e admiração por quem foi e pela sua dedicação e devoção a música.

MAYARA MOREIRA MELO, jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.

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