Room full of mirrors (1968)
Inspirado nestes versos, o autor Charles R. Cross se dedicou, por quatro anos, a mergulhar e investigar a vida do maior guitarrista de todos os tempos, Jimi Hendrix (1942-1970). Em homenagem aos 80 anos do astro, celebrados no dia 27 de novembro de 2022, a biografia Jimi Hendrix: Uma sala cheia de espelhos conta com 325 entrevistas que acendem a narração envolvente de Charles, entre elas declarações de parentes, amigos e ex-amores que testemunharam a jornada de um homem autêntico e predestinado a revolucionar o mundo da música.
Hendrix é, sem dúvidas, um milagre em meio a tantas adversidades em sua vida, como a conflituosa relação de seus pais. O artista conseguiu expandir os horizontes da sua arte e mudar a forma de se tocar guitarra. Através de palavras que transmitem intimidade com o leitor e o músico, o autor nos leva a conhecer Buster, a versão menos conhecida de Hendrix, exclusiva de amigos e familiares. A obra nos revela um Jimi, conhecido pelo seu tom misterioso, com o sorriso que amolecia até o mais duro coração, mas também um rapaz melancólico e introvertido.
Imagem: Editora Pensamento-Cultrix/Divulgação
Por circular em diversas casas, devido à instabilidade em seu núcleo familiar, ele foi conduzido a conviver com diferentes pessoas e absorver múltiplas referências. O cabelo afro-punk, o casaco com franjas e os lenços no pescoço tornaram-se marcas registradas de Buster, através da mistura de influências dos bordados de sua avó e do estilo de ídolos como Mike Quashie. Além disso, sua criação em Seattle lhe permitiu viver em meio a uma efervescência artística, como na famosa Rua Jackson que sediava o multiculturalismo afro-estadunidense.
Entre as influências e inspirações, Lucille Jeter foi, sem dúvidas, sua primeira guia no mundo das artes. Apesar de conviver por pouco tempo com sua mãe, Jimi foi desde cedo apresentado a associar cheiro, cor e textura a memórias e sentidos, e muito jovem exposto à amarga sensação de saudade. Sua relação com Lucille foi, em grande parte, nutrida por fantasias e poesias, mas que impulsionou Jimi a se tornar um astro e o conduziu a compor uma das suas mais belas canções, Little wing.
Jimi e a mãe.
Imagem: Editora Pensamento-Cultrix/Reprodução
Quanto à música, sempre esteve presente, mas nunca de forma passiva. Mesmo sem instrumentos e recursos mais elaborados, o músico costumava performar suas canções favoritas. A princípio, com a vassoura e, quando ouvia blues, sua guitarra imaginária tomava vida junto à sua eletricidade. O blues chegou para Hendrix através de Ernestine Benson, pensionista que dividia a casa com a família de Jimi. Através dela, Buster foi exposto a um novo mundo com grandes nomes da música, como Muddy Waters e Lightnin' Hopkins.
Ao longo da leitura do livro de Charles R. Cross, é evidente o afinco e a dedicação de Jimi à música. Por não saber ler as canções, ele focava em imitar os músicos de seu bairro, e seus ídolos como B.B. King e Little Richard, com quem tocou no início da sua carreira. Apesar disso, as pessoas nem sempre desejam ver cópias, então Buster aprendeu, na prática, que a autenticidade é capaz de envolver qualquer público.
Jimi foi constantemente nomeado como o Elvis negro pela mídia e foi, desde o início de sua carreira, desafiado frente às noções de raça, principalmente porque sua aposta na música o levou a conhecer lugares do sul dos Estados Unidos, região conhecida pela intensa segregação racial. O autor nos oferece exemplos muito explícitos de como funcionava esse sistema, como a divisão dos discos em lojas de música em seções como “country, hillbilly” e “música negra”.
Imagem: Divulgação
Apesar de não ter sido ativista nem mesmo separatista negro, apenas mantendo seu foco única e exclusivamente na música, Jimi sentiu e presenciou diversas condições e situações que colocaram sua carreira, sanidade e vida em pleno risco. Se formos mais a fundo, o preconceito racial limitou e definiu boa parte da sua árvore genealógica, submetida à violência escravocrata e colonial norte-americana. Mesmo assim, Hendrix deve ser lido não como alguém que simplesmente superou as barreiras de raça e classe, mas como alguém digno de respeito e admiração por quem foi e pela sua dedicação e devoção a música.
MAYARA MOREIRA MELO, jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.