Janela Internacional de Cinema 2019
Após ser atingido pela onda de desmonte das políticas culturais no país, e enfrentar problemas de financiamento, festival recifense realiza sua 12ª edição até o dia 10 de novembro
TEXTO Augusto Tenório
05 de Novembro de 2019
Histórica exibição de 'Central do Brasil' no festival, em 2018
Foto Victor Jucá/Divulgação
Uma janela em forma de tela que não mostra apenas uma paisagem do que está lá fora, mas também um retrato do que se fomenta internamente, tornando-se um meio de troca de olhares. Assim se apresenta o Janela Internacional de Cinema, que ocupa, desta quarta a domingo (6 a 10/11), os cinemas São Luiz, da Fundação (Derby) e da UFPE, no Recife. O festival chega à sua 12ª edição após enfrentar problemas de financiamento, solucionados após uma campanha de financiamento coletivo na internet e patrocínios alavancados de última hora.
“O Janela Internacional de Cinema representa uma cadeia de produções internacionais que poderiam não chegar, ou chegar de maneira limitada, no Brasil. Dessa forma, o evento se tornou um dos espaços mais importantes do país para a dinâmica de uma rede cinema. Idealizadores e realizadores se encontram no festival, que funciona como um ambiente de troca de conversas e referências. Ele se tornou uma espécie de fórum, assim como os grandes festivais, assumindo o papel de não só fazer um panorama ou retrato da produção contemporânea, mas também de agregar as pessoas que fazem parte da produção do cinema, desde quem realiza o produto ou quem faz crítica”, comenta Luís Fernando Moura, organizador do festival.
Nesse sentido, o festival traz ao Recife sessões comentadas de Bacurau (2019), com Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, e Divino amor (2019), com Gabriel Mascaro. Além disso, estarão presentes nas exibições dos seus respectivos filmes realizadores como Edgard Navarro (SuperOutro, 1989), Samuel Paiva (Passagens, 2019) e Maya Da-Rin (A febre, 2019).
O farol (The lightghouse) está no primeiro dia da 12ª edição, em sessão especial.
Foto: Divulgação
A programação dos clássicos contempla filmes como Loosing ground (1982), da primeira diretora negra de um longa dos EUA desde os anos 1920, Kathleen Collins, e Easy rider (1968), de Dennis Hopper, que tem relação com a formação da contracultura norte-americana. Como diz o organizador, “são filmes que traduzem um pouco do que estamos sentindo coletivamente. Não diretamente, mas a curadoria incorporou um certo calor do nosso tempo, sendo contaminada pelo que vivemos e compartilhamos fora dos filmes”.
No seu 12º ano de realização, o Janela Internacional de Cinema se firma como um recorte temporal de atenção à ocupação dos cinemas de rua. A frente política do festival é a defesa da experiência coletiva do cinema fazendo parte da vivência e construção da ideia de cidade, coletividade e comunidade também presentes nos filmes. Neste ano, o evento ocupa o recém-inaugurado Cinema da UFPE, visto pelo organizador como “mais um filho dessa possibilidade de expansão do cinema”. Trata-se da primeira sala da zona oeste do Recife e que será ocupada com uma programação feita “em diálogo com a gestão do equipamento e a comunidade acadêmica, num momento em que as ciências e as universidades são questionadas”.
O longa português Vitalina Varela tem estreia no Brasil pelo festival.
Foto: Divulgação
A realização do Janela e, consequentemente, da defesa do cinema como espaço físico e instituição ocorre no momento do dito “paradoxo do cinema brasileiro”, sendo o próprio festival parte dele. Enquanto vivenciamos a ótima fase da produção do país, com a repercussão internacional de filmes como Bacurau (2019), temos um contexto político contrastante de desmonte das conquistas públicas culturais e cerceamento da liberdade criativa. Como afirmou Luís Fernando Moura, o fato é “curioso, pois vimos um fortalecimento muito forte da indústria cinematográfica. É toda uma cadeia, na qual se inclui o Janela, que se fortaleceu através de vários mecanismos de incentivos de diversos âmbitos, seja municipal, estadual ou federal. Houve uma orquestração dessas políticas públicas a partir dos resultados que se viam progressivamente, sejam simbólicos, com as pessoas entendendo e descobrindo o cinema nacional, ou monetários, que tornaram a área expressiva para os gestores públicos. Dessa forma, os investimentos se tornaram mais sistematizados e maduros, com um fluxo de investimento maior”.
O organizador afirma que a produção cinematográfica nacional chegou a um nível de maturidade que nunca fora atingido antes. Foi nesse contexto que passamos a ultrapassar fronteiras, seja no circuito comercial, ou nos festivais. Isso fez com que aumentasse a procura de outros países pela realização de coproduções, criando-se uma cadeia que movimenta a economia desde a esfera micro, com cineclubes, à macro, com a grande indústria.
“Então, no momento em que acontece esse desmonte da cadeia, quando os investimentos são diluídos e se tornam desprezados publicamente, o paradoxo se torna visível para quem está vendo de fora do país. Os festivais, assim como o Janela, estão tendo dificuldades de serem realizados. Estamos vendo o desmonte acontecer em vários lugares. Em diálogo com pessoas fora do Brasil, era notável a percepção de que havia algo acontecendo com o país e com o cinema nacional. Agora, eu creio que existe uma dupla visibilidade do cinema brasileiro, na qual o olhar estrangeiro tem se interessado em entender esse paradoxo e criar alianças para que os filmes continuem acontecendo e a cadeia não se desmonte”, opina Luís Fernando.
Nesse sentido, o Vienna International Film Festival (Viennale) deste ano, que termina quando o Janela começa (nesta quarta, dia 6), realiza uma mostra chamada Brazil Burning (Brasil em Chamas, em português). Nela, o festival faz uma retrospectiva do cinema brasileiro, com exibições que vão desde Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002) a Chão (Camila Freitas, 2019).
Confira a lista de filmes do Janela e a programação do festival.