Instantâneos da fotografia contemporânea levanta ainda outro tema de maneira delicadamente crítica: as intencionalidades sociais da fotografia ao longo de sua história. A respeito disso, o fotógrafo compartilha sua análise sobre O retrato e o tempo: Coleção Francisco Rodrigues, livro editado pela Fundação Joaquim Nabuco e ganhador do Prêmio Abeu 2015, pelo projeto gráfico da Zoludesign.
Uma lupa sobre o conjunto de imagens de 1840 a 1920 de famílias nordestinas expressa uma cultura visual e os valores de uma época, mas também desnuda essas mesmas imagens com os fantasmas das relações sociais em um sistema ainda de escravidão, como a invisibilidade das pessoas negras ou a presença subserviente das amas de leite com seus patrões, as crianças brancas, nos retratos. Assim como essas amostras, todos os capítulos que orbitam este tema escancaram a correspondência direta entre exclusão social e visual e nos instigam a enxergar “as bordas” das imagens.
Por último, vale destacar as interessantes colocações sobre a fotografia vernacular, aquela caseira, da prática do dia a dia. Na visão do autor, essa prática foi injustamente subjugada e relegada a um lugar de banalidade na história da fotografia, hierarquicamente abaixo das fotos profissionais e de autor, mesmo tendo sido o que sustentou o mercado da fotografia comercial.
Afonso chama atenção para a riqueza estética, cultural e histórica dos álbuns de família e suas narrativas, que só vieram a ser valorizados em trabalhos de artistas contemporâneos – a exemplo de Rosângela Rennó, que baseou a criação das suas primeiras obras, no final da década de 1980, no anonimato das fotos familiares, e do coletivo Cia de Foto, com o fotolivro Caixa de sapato (2015), que reúne imagens produzidas nas cenas do cotidiano e das vidas íntimas dos seus integrantes.
No encalço dessa produção amadora, doméstica e espontânea, Afonso não deixa de fazer menção à Polaroid e ao Instagram. A primeira como pioneira na inovação da instantaneidade e o segundo como espelho de uma nova relação tempo x fotografia. Assim, ele mostra como se iniciou, há 70 anos, a aceleração da vivência do tempo que presenciamos hoje. Aliás, a relação das práticas visuais com o fenômeno do instante, representada pelo ato do clique, é a metáfora visual escolhida para costurar os textos: “O instantâneo fotográfico aciona uma ação pedagógica por meio da qual a sociedade pode ‘ver’ a vida e o mundo inserido na fragmentação do tempo”.
Quem diria que um dia o instante decisivo de Cartier Bresson perderia o sentido? Como a vida, a fotografia nada tem de estanque.
MARIA CHAVES é fotógrafa, produtora cultural e coordenadora do Pequeno Encontro da Fotografia. Atuou como repórter fotográfica no Jornal do Commercio e Diario de Pernambuco.