Rabecas de duas ou três cordas, eletrificadas, de cocho ou de cabaça. O instrumento pode ser encontrado em diversas formas: variam no modo de construção, afinação e na qualidade do timbre. Uma das razões possíveis para explicar essa flexibilidade é a conexão da rabeca com as manifestações da cultura popular, como a brincadeira do cavalo-marinho, folguedo da Zona da Mata Norte de Pernambuco. E foi nessa festa, em uma apresentação conduzida pelo som dos rabequeiros, que o Mestre Luiz Paixão tocou pela primeira vez, aos 15 anos de idade. Carregando essa tradição na qual os ritmos do coco, ciranda e maracatu se misturam, a pluralidade de sons é característica do álbum lançado pelo músico em junho deste ano, Forró de rabeca.
O adolescente vinha de uma família de rabequeiros. Seus avós e tios tocavam, despertando o interesse do jovem que, nascido no município de Aliança, começou a trabalhar aos 8 anos em plantações de cana-de-açúcar. Enquanto criança, chegava a completar dois expedientes seguidos no corte e limpeza das lavouras, enquanto, aos poucos, chamava a atenção dos familiares mais velhos pela escuta atenta e capacidade de reproduzir melodias. Assim, ele começou a se apresentar nas celebrações do cavalo-marinho em todos os finais de semana. Engenhos, batizados, aniversários e festas de forró também foram seus palcos, e os cachês das festividades tornaram possível deixar para trás o trabalho pesado.
Seu primeiro registro fonográfico foi a público em 2002, quando participou do álbum Zunido da mata, da compositora e também rabequeira Renata Rosa. Em seguida, ela produziu o primeiro álbum do mestre, Pimenta com Pitú, seguido de A arte da rabeca (2012). Agora, ele lança este álbum pelo Selo Sesc. Na faixa Forró do cambiteiro, relembra a sua história: “cortando cana e cambitando; agora anda pelo mundo e é mestre rabequeiro”. Em entrevista por telefone, Luiz conta ter misturado composições novas a canções de domínio público, e que, mesmo sendo chamado de mestre, continua estudando o instrumento: “Ninguém nunca aprende a tocar. Quanto mais a gente faz, mais tem coisas difíceis para fazer”. E não deixa de completar: “Sou feliz na minha vida. Não tenho nada, mas graças a Deus tenho o conhecimento do povo”.
O local de gravação do disco foi escolhido por oferecer um ambiente de familiaridade: os músicos ficaram hospedados no Estúdio Gargolândia, localizado em uma fazenda na região de Sorocaba, em São Paulo. Segundo o diretor artístico João Selva, o local possibilitou contato visual entre os membros da banda nas salas de gravação, detalhe que se torna importante na busca pela preservação da musicalidade originalmente guiada pela dança, com arranjos criados em improviso.
Renovar não contradiz a história: pelo contrário, é parte da própria tradição do Cavalo-Marinho Boi Brasileiro, herdado por Luiz Paixão do Mestre Batista. A sua voz aproxima seus antigos parceiros às novas gerações, construindo seu repertório sonoro a partir da inspiração de todos os lugares onde passou – e vai passar, porque ainda pretende continuar a jornada. Nas suas próprias palavras: “Estou com 72 anos e ainda vou passar mais 72, para morrer com 144 anos. E aí?”. E ri: “Olha aí, que mentira”.
MARINA PINHEIRO é jornalista em formação pela UFPE e estagiária da Continente.