Curtas

Entre Mulheres

Indicado ao Oscar 2023 nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, o filme é uma resposta a uma série de abusos sofridos por mulheres em uma colônia

TEXTO Laura Machado

08 de Março de 2023

Cena do longa 'Entre mulheres'

Cena do longa 'Entre mulheres'

Foto Michael Gibson/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

“O que se segue é um ato da imaginação feminina”

Escondida entre as cidades da Bolívia, há uma pequena colônia habitada por uma comunidade menonita, vertente religiosa do cristianismo evangélico que prega vivência baseada na Bíblia, através de uma vida regrada, sem acessos à tecnologia atual e pautada na disciplina do trabalho. A colônia de Manitoba, em particular, foi o local onde, por anos, meninas e mulheres foram drogadas e estrupadas dentro de suas casas. 

Sobre os chamados estupros fantasmas de Manitoba, a escritora canadense Miriam Toews escreveu o livro Women talking, no qual se inspira nos eventos ocorridos na colônia boliviana até 2009, para criar uma narrativa de resposta às violências sofridas. Em sua obra, a autora se utiliza da frase que abre essa resenha como um prelúdio triste da história que vem a seguir. Com o sucesso da obra literária, o livro foi adaptado para o cinema em 2022, pela atriz e diretora Sarah Polley, e está em cartaz nas salas do país desde a última quinta-feira (3/3). 

Indicado ao Oscar 2023 nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, a trama de Entre mulheres (Women talking, 2022) questiona justamente o que aconteceria se as mulheres violentadas se unissem para escolherem o próprio destino e o de suas crianças. Assim, a narrativa se desenrola no ambiente central de um celeiro, utilizado como uma ala de reunião onde todas as presentes podem ter voz e opinar sobre o futuro das mulheres da comunidade.

O longa-metragem, como um todo, se passa em cerca de 48h – tempo em que todos os homens da colônia estão na cidade acompanhando o grupo de agressores e, paralelamente, buscando fundos para a quitação das fianças dos atacantes – e volta-se para os diálogos entre mães, filhas e amigas, que foram agredidas. A decisão entre ficar na comunidade e perdoar os agressores, permanecer para lutar contra os homens ou ir embora em unidade é a grande questão debatida pelas personagens. 

Como um produto cinematográfico realizado a partir de uma obra literária, Entre mulheres carrega o desafio desta transmutação, mas, além do óbvio, também apresenta a dificuldade em criar um filme que possua o diálogo como artifício central sem torná-lo mecânico e entediante. Com maestria nesta adaptação, a direção de Polley instiga o espectador desde o início da trama e as falas dos personagens são bem-encaixadas, criando uma atmosfera intimista e capaz de passar um turbilhão de emoções e sentimentos através das palavras e expressão das atrizes. 


O ator Ben Whishaw e as atrizes Rooney Mara e Claire Foy estão no elenco.
Imagem: Michael Gibson/Divulgação

Com Claire Foy (The Crown, A very British scandal) no papel de Salome, Rooney Mara (Carol, A rede social) interpretando Ona e contando ainda com a veterana do cinema Frances McDormand, as encenações das atrizes são um dos pontos de destaque no longa. Através de entregas honestas e poderosas, as personagens femininas soam e se expressam como mulheres reais que foram ensinadas a aceitar, a calar e a não questionar os líderes da colônia. 

Além de um time de grandes atrizes, Ben Whishaw foi o ator escolhido para interpretar o professor August, filho de uma mulher cuja família foi expulsa da comunidade e que, depois de se formar na universidade, volta para suas origens com o intuito de ensinar os meninos. Diante das mulheres que não sabem ler ou escrever, ele é convocado a participar do conselho como uma espécie de escrivão, responsável por documentar todas as discussões e relatos feitos pelas mulheres presentes. 

Durante a narrativa do do filme, as mulheres choram e gargalham juntas, gritam de raiva e se calam completamente, possuem vontade de matar e, em outros momentos, de morrer. Entre mulheres é afetivo, ao mesmo tempo em que se desenvolve como uma obra dolorosa sobre abuso, poder e suas relações interconectadas, além de levar para as telas uma roda de diálogos honestos e vulneráveis que, talvez, meninas e mulheres ao redor do globo sentissem vontade de falar ou ouvir umas das outras. 

LAURA MACHADO é estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.

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