Curtas

Desse jeito

Maria Rita lança seu primeiro EP em comemoração aos 20 anos de carreira

TEXTO Márcio Bastos

05 de Outubro de 2022

A intérprete faz sua estreia como compositora, assinando duas faixas

A intérprete faz sua estreia como compositora, assinando duas faixas

Imagem Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 262 | outubro de 2022]

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Maria Rita comemora duas décadas de carreira em 2022, período no qual consolidou-se como uma das intérpretes mais celebradas do Brasil, tanto no país como no exterior. O reconhecimento da crítica e os números robustos – mais de 2 milhões de discos vendidos e DVDs, oito prêmios Grammy Latino, turnês bem-sucedidas – poderiam tê-la guiado por um caminho em linha reta. Mas a inquietude é uma característica de sua personalidade, como ela ressalta em entrevista à Continente, e por isso subverter o que se espera dela tem sido uma constante no seu projeto artístico, seja na forma ou no conteúdo. Desse jeito, seu trabalho mais recente, é mais um resultado dessa constante reinvenção.

Primeiro EP da carreira de Maria Rita, Desse jeito surgiu, também, como um desvio de rota. Inicialmente, a artista pretendia entrar em estúdio apenas para gravar poucas músicas e lançá-las de forma avulsa, como singles. Seu desejo era dialogar com as novas dinâmicas da indústria fonográfica e a divulgação nas plataformas de streaming, dominadas por playlists e o consumo muitas vezes aleatório das canções. Acostumada à dinâmica dos álbuns (o primeiro, que leva seu nome, foi lançado em 2003, e o mais recente, Amor e música, em 2018), ela também queria experimentar o despojamento de não pensar em um conceito, em identidade visual e todos os detalhes que esse tipo de formato pede.

“Quando a gravadora ouviu as seis faixas, sugeriu que fossem lançadas em um EP, porque achou que tinha uma força e que o público queria isso. Eu não trabalhei pensando assim e isso, para mim, como artista produtora, muda muita coisa. Tive que reavaliar para entender como faria aquelas seis faixas virarem uma história, que é como eu gosto de lançar os meus discos normalmente. Um dia, enquanto estava sofrendo porque mudou tudo, me deu um estalo. Estava ouvindo as músicas repetidamente e percebi que tinha uma história, sim. No final das contas, como intérprete, só gravo músicas que têm muito a ver comigo, em que posso colocar minha alma, seja ela política, romântica, faceira, gaiata, o que for. Eu pensei: ‘Cara, eu contei um pedaço da minha história aqui’”, explicou.

Para compartilhar mais esse capítulo da sua história, Maria Rita foi buscar novamente inspiração no samba, ritmo que marcou outro ponto de virada em sua discografia quando, em 2007, lançou Samba meu (que além do álbum, deu origem a um celebrado show) e que, desde então, tem sido uma sonoridade-guia para a sua voz.

Em Desse jeito, ela trabalha com compositores como Fred Camacho, Fabricio Fontes, Cassiano Andrade (em E eu?), Luiz Antonio Simas (na faixa-título) Xande de Pilares e Gilson Bernini (em De bem com a vida); Nego Álvaro e Elvis Marlon (Correria), mas também se arrisca, pela primeira vez na carreira, a assinar duas canções. São elas: Canção da erê dela, escrita por Maria Rita, Pretinho da Serrinha e Rachell Luz, e com participação de Teresa Cristina nos vocais, e Por vezes, em parceria com Magnu Sousá e Maurilio Oliveira, e cantada por ela e Thiaguinho.

“Nunca foi um desejo meu compor. Eu dizia que não sabia fazer esse negócio, que sabia cantar, produzir… Mas o que aconteceu foi muito instintivo. Eu acordei um dia com uma melodia tão forte, tão sólida, que tinha certeza que era de alguém. Mandei um áudio para o Pretinho perguntando de quem era aquela música e ele disse: ‘É sua’. Mandei também para Fred Camacho e ele disse a mesma coisa, mas eu simplesmente não conseguia acreditar (risos). Então começamos a trabalhar nela e virou Canção da erê dela. E aí parece que abriu a porteira, porque da mesma forma, no mesmo fluxo, veio a letra de Por vezes. Veio a letra inteira, eu só parei e digitei (no celular)”, contou.

Mesmo tendo gostado dessa nova experiência e que provavelmente ainda vá explorar mais essa faceta, Maria Rita diz não se considerar ainda uma compositora, pois não se dedica ao ofício. Ao mesmo tempo, a escrita fez parte da sua vida desde o tempo de menina, mas em forma de textos corridos. É um hábito que ela ainda mantém, mesmo que não compartilhe. No futuro, inclusive, a artista tem o desejo de lançar um livro. “O que for desafio, eu abraço. Como diria minha mãe: entre a cruz e a espada, me atiro contra a espada (risos)”, enfatizou.

O fato é que, como intérprete, produtora ou compositora, Maria Rita se apresenta no novo trabalho com a segurança de uma artista que sabe quem é, a jornada que trilhou e ainda com muito gás para experimentar. Sua relação com o samba não é passageira ou superficial, mas fruto de uma paixão e reverência a esse gênero que, se marginalizado em sua origem, posteriormente se tornou um dos grandes símbolos da brasilidade, da resistência de seu povo e da inventividade da nossa música, especialmente aquela criada nas periferias.

Com sua voz rica, ela traz uma luminosidade às faixas que evocam os sentimentos catárticos das rodas de samba, dos encontros, da coletividade. Convertida ao candomblé, ela imprime também nas músicas sua devoção e as transformações internas trazidas por suas crenças.

“Este é um momento de muita força. Acho que daqui a uns anos vou olhar para trás e perceber que este foi um período em que algo aconteceu, em que houve um marco, como no Samba meu. Estou muito segura dos meus sonhos, de mim enquanto mulher, artista, das minhas inquietações, que são positivas. Estou muito determinada e acho que isso tem muito a ver com o meu encontro com minha fé”, refletiu, enfatizando ainda que espera no futuro poder utilizar sua experiência e privilégios para abrir mais portas para outras pessoas, principalmente mulheres, na indústria musical. 

MÁRCIO BASTOS, jornalista cultural e mestrando em Comunicação pela UFPE.

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