A faceta de agente político do autor de Três mulheres de três PPPês também é apresentada no livro, com a inclusão do Manifesto da União Democrática Socialista (UDS), de 1945, assinado por ele e contando inclusive com programa político-social e reivindicações imediatas. Assim como a entrevista concedida em 1977 à socióloga Maria Victoria Benevides, que preparava uma tese sobre a UDN e queria entender o papel da esquerda nas origens da sigla.
Em O intelectual e a política na redemocratização de 1945, ele resgata as divergências com liberais e comunistas e aponta ilusões do período, chamando a conversa com Maria Victoria de “desabafo”. A frustração o levou a escapar da política partidária como do presídio do Paraíso. Episódio marcante em sua vida, tal fuga aparece em Renoir e a Frente Popular, de 1958, texto sobre Jean Renoir (1894-1979) em que mostra todo seu amor à A regra do jogo (1939), obra mais famosa do cineasta francês. E Paulo Emílio se declara apaixonado mais vezes em Cinema e política ao escrever, por exemplo, a respeito de A chinesa (1967), de Jean-Luc Godard, ou sobre O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1927), os clássicos de Serguei Eisenstein (1898-1948). Sempre observando uma linha cara a ele: a de se manter longe de uma apreciação de filmes limitada ao campo cinematográfico, algo “pobre e nada estimulante”.
Sua escrita direta brilha nos textos escolhidos para o livro. Pode-se assim aprender que o czar russo Nicolau II (1868-1918) era fã de filmes, ou abrir um sorriso com a conclusão de Paulo Emílio ao ver o anarquista ucraniano Nestor Makhno (1889-1934) ser ridicularizado numa comédia soviética (“Não perdoo os realizadores de Os pequenos diabos vermelhos” [produção de 1923]). O seu estilo até desconcerta. Isso acontece quando, ao comentar uma afirmação do diretor e historiador norte-americano Jay Leyda (1910-1988) de que o russo Leon Trótski (1879-1940) era representado em cenas de Outubro, o crítico se sai com a sentença: “Eu ainda não consegui identificá-lo no meio de tantos russos com pincenê e barbicha”.
O que lhe parece interessante na produção nacional não ficou de fora. No ensaio Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, de 1973, o crítico constrói um panorama das tentativas de implantação de uma indústria brasileira, utilizando-se de conceitos de colônia e metrópole, de quem eram os ocupantes e os ocupados. Ele vai da chanchada ao Cinema Novo, sem se esquecer do incipiente cinema erótico surgido na década de 1970.
Outro ponto alto na leitura da obra é a polêmica do autor com Oswald de Andrade (1890-1954), iniciada com um texto de setembro de 1935, O moleque Ricardo e a Aliança Nacional Libertadora. Nele, elogiava o romance de José Lins do Rego (1901-1957) e dizia que O homem e o cavalo, de Oswald, era obsceno, repleto de um “entusiasmo oratório romântico”.
Foi a senha para que o modernista respondesse com Bilhetinho a Paulo Emílio, acusando-o de não ter lido os livros. Uma das frases era “Você está simplesmente fazendo o jogo de certo tipo de desagregador que eu chamo de piolho da Revolução”.
Na tréplica publicada em 1964, com o título de Um discípulo de Oswald em 1935, havia o saudosismo da amizade entre os dois (“Oswald me adotou imediatamente, e guardo a impressão de que o via o tempo todo”) e uma honesta confissão. A de que realmente não entendera O homem e o cavalo, explicando o que lhe escapara à época. Esse era Paulo Emílio.
FERNANDO SILVA, jornalista.