Curtas

Cia. Devir em novo espetáculo

Em temporada de 7 a 18 de junho, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife, 'Nove tentativas de não sucumbir' reflete sobre as pressões sociais

TEXTO Revista Continente

01 de Junho de 2023

'Nove tentativas de não sucumbir'

'Nove tentativas de não sucumbir'

Foto THAIS LIMA /DIVULGAÇÃO

[conteúdo na íntegra | ed. 270 | junho de 2023]

Assine a Continente

Dois corpos que se encontram, se atraem, mas também se repelem, se chocam. Movimentos que expressam uma busca por seu lugar, ao mesmo tempo em que revelam o entendimento de uma inadequação. Através de uma dramaturgia corporal baseada em uma investigação das possibilidades do circo contemporâneo, a Companhia Devir estreia o espetáculo Nove tentativas de não sucumbir, dia 7 de junho, com temporada até o dia 18, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife. A obra conta com direção do francês Jean-Michel Guy, uma das principais referências da arte circense mundial.

Nascido do interesse dos pernambucanos João Lucas Cavalcanti e Vitor Lima em se debruçar sobre como as pressões sociais podem criar ambientes inóspitos para aqueles que não se submetem a elas, o espetáculo é atravessado por temáticas como inadequação e liberdade artística. Para discorrer sobre elas, os artistas utilizaram repertório poético, técnica e metalinguagem, evidenciando a pluralidade do circo contemporâneo.

Em cena, eles trabalham com o trapézio de um ponto, de forma pouco usual: realizando a portagem, ou seja, uma pessoa pendurando-se na outra, em interação com o aparelho. Em Nove tentativas de não sucumbir, os artistas subvertem a tradição da portagem no circo, na qual um assume a posição de portô (quem dá suporte) e o outro do volante (quem salta, é suspenso ou amparado pelo companheiro). Neste trabalho, os dois trocam de funções com frequência. A dramaturgia se constrói, assim, a partir do que essa alternância de funções promove. Carregar o outro, sustentar o outro, ser carregado, derrubá-lo, manipulá-lo, convidá-lo ao afeto, dentre outras possibilidades dramáticas, são desenvolvidas pelos potenciais expressivos do circo.

“Além dos nossos corpos, que estão em cena o tempo inteiro, o trapézio acaba se tornando um terceiro personagem. Esses dois homens interagindo o tempo todo, seja pela fala ou pelo corpo, são quase como massas de modelar, tentando se adequar no encontro, ora harmônico ora brutal. Partimos de um sentimento de inadequação que nos acompanha, muito relacionado à ideia de não se sentir parte”, explica Vitor Lima.

As diversas alturas exploradas pela dupla são pouco convencionadas no circo e colocam em evidência uma tentativa de discutir como a técnica do trapézio pode ser repensada e reinventada.

“O espetáculo discorre sobre como essa inadequação nos afeta e repercute nas nossas ações. Mostra também que há um outro lado, uma possível consequência desse processo, que é a revolta e a tentativa de se libertar, assumindo esse estranhamento. Cada cena aparece como uma diferente tentativa de negociar com a morte e experimentar as potências de estar vivo”, reforça João Lucas Cavalcanti.

O trabalho resulta das pesquisas que a Cia Devir vem desenvolvendo desde sua fundação, em 2014. Vitor e João Lucas enxergam o circo contemporâneo como um meio potente de investigar temáticas íntimas e coletivas, através do diálogo com outras linguagens, como o teatro e a dança, presentes neste novo trabalho. O processo de criação de Nove tentativas de não sucumbir foi incentivado pelo Funcultura Geral 2018 e o projeto contou também com a parceria da Embaixada Francesa no Brasil, do Consulado Francês em Recife e da Aliança Francesa em Recife.

Esse suporte viabilizou a participação do francês Jean-Michel Guy, que trabalhou na direção da obra com os pernambucanos tanto remotamente quanto de forma presencial, durante uma temporada na capital pernambucana. Como parte da iniciativa, o diretor europeu capitaneia uma palestra e uma oficina na cidade. Esse caráter formativo é essencial para a Devir, que vem investindo em levar processos formativos para o Recife.

As dificuldades de aprender, se aperfeiçoar e criar com circo contemporâneo são bem conhecidas pelos dois artistas. Além de cursos locais, eles fizeram formação em outros locais, com cursos técnicos na Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha (Rio de Janeiro), além de participações em projetos internacionais, como o Circus Incubator – um programa de intercâmbio entre França, Brasil, Suécia e Canadá –, e residências no La Grainerie (França) e no La Central del Circ (Espanha). Em 2022, a Devir inaugurou sua sede no Bairro da Encruzilhada (Recife), onde realiza cursos e oficinas, além de apresentações artísticas.

Com Nove tentativas de não sucumbir, a Cia Devir apresenta outras características inerentes de sua poética, como o humor, a aproximação da arte circense com um caráter menos espectacular, e a metalinguagem, brincando com os limites entre o circo clássico e o contemporâneo. Assim, o espetáculo é apresentado a partir de um conjunto de cenas que são diferentes maneiras de pensar a morte, de tentar ser outro, de se equilibrar, cair, se suspender e, assim, continuar vivendo.

Publicidade

veja também

A mágica de iludir e encantar

Gráfica Lenta no Vale do Catimbau

Adeus a Riva