Curtas

A quinta temporada de ‘The Crown’

Os antigos valores da família real britânica e o crescente movimento antimonarquista estampam os novos episódios do seriado

TEXTO Mayara Moreira Melo

27 de Dezembro de 2022

Imelda Statuton faz a rainha Elizabeth II

Imelda Statuton faz a rainha Elizabeth II

Foto Netflix/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online] 

A quinta temporada de The Crown se tornou, com razão, uma das mais aguardadas e debatidas da série. Lançada apenas dois meses após a morte da rainha Elizabeth II, figura central do seriado e bastante presente na cultura pop e midiática. Entre o dia do falecimento da monarca, no dia 8 de setembro, até a estreia da nova temporada de uma das séries mais caras da Netflix, foram longas semanas de expectativas do público. A espera estava não apenas em assistir à nova interpretação da rainha, por Imelda Statuton, mas como o príncipe Charles, agora rei, seria apresentado em um dos períodos mais polêmicos e difíceis de sua vida. 

Situada nos anos 1990, a nova temporada de The Crown acompanha o declínio do relacionamento entre Charles e Diana, além das divergências entre Charles e a rainha Elizabeth, sua mãe, a respeito do futuro da monarquia. Pontos sensíveis, principalmente após a morte da rainha e a posse de Charles III, depois de décadas de espera (a rainha da Inglaterra reinou por 70 anos). Com isso, narrativas como a defasagem da monarquia inglesa começam a ser cada vez mais frequentes. Além disso, pela primeira vez, vemos o arco de William ser apresentado, exibindo sua adolescência e sua integração ao colégio Eton, o que permite um gancho a ser desenvolvido na sexta e última temporada. 

A velhice de personagens como Margaret, irmã da rainha, e principalmente da própria Elizabeth II é constantemente destacada como uma estratégia para humanizar e sensibilizar quem assiste ao arco central, o enfraquecimento da monarquia britânica. Sinais físicos do envelhecimento dos membros da família real, assim como rememorar as velhas relações e tradições, nos resgatam constantemente a sensação de que o sistema monárquico começa a se apresentar cada vez mais obsoleto e ultrapassado. 

A temporada se inicia e se encerra com o iate real Britannia, apresentado como uma expressão flutuante da rainha. De forma metafórica, o iate apresenta seus pontos gastos e a necessidade de reparos, acabando por ser desativado. Além desta, outras analogias reforçam esse discurso, como as transformações da TV, que se popularizou durante o trono de Elizabeth II e, com a chegada das novas tecnologias, a televisão no palácio tornou-se desatualizada, pela ausência de canal a cabo, tendência da época, e a restrita fidelidade à BBC, canal britânico. 

O desgaste da monarquia e o crescente movimento antimonárquico são observados ainda, na série, por meio de personagens emblemáticos como Diana, com excelente interpretação de Elizabeth Debicki. Um exemplo é sua famosa entrevista ao jornalista Martin Bashir, da BBC, na qual a princesa detalha problemas como sua bulimia, sua depressão pós-parto e seu desamparo, por parte tanto do príncipe de Gales quanto da família real, diante dessas dificuldades. Soma-se a isso o caso extraconjugal de Charles com Camilla Parker. As declarações de Diana foram apresentadas não apenas como uma traição da então futura rainha, mas também da emissora que, desde a sua concepção, vinha mantendo forte laço e devoção à família real. 

Imagem: Keith Bernstein/Divulgação 

Em recente minissérie da Netflix, Harry e Meghan (2022), o filho caçula de Diana e Charles fala abertamente sobre como a sua mãe foi enganada pelo jornalista para conceder a entrevista, ponto bem presente em The Crown, após a investigação realizada em 2020 concluir que foram utilizados métodos ilegais e antiéticos para isso. O príncipe aborda como Diana e outras mulheres da família real foram expostas e exploradas, mas que, diferente das demais, sua mãe precisou lidar sozinha com a situação, principalmente após o divórcio. 

Apesar de apresentar, com cuidado, os pontos que envolvem Diana, boa parte da narrativa dessa temporada da série é dirigida a Charles, ao apresentar pontos vulneráveis, como o caso do Camillagate. Um ano após o divórcio com Diana, é exposta, pela mídia, uma conversa íntima entre o príncipe de Gales e Camilla Parker que revela o relacionamento entre os dois. Os bastidores da história, diferente da temporada passada, narram com precisão a forma como o príncipe Charles lidou com a separação, os escândalos com seu nome e os constantes conflitos de ideias com sua mãe. 

Também neste período, fim da década de 1990, Hong Kong deixou de ser colônia britânica, alimentando a sensação de vulnerabilidade do império. Fatores esses que urgiam uma necessidade de estratégia para a sobrevivência da monarquia britânica e intensificavam a frágil relação entre Elizabeth II e Charles. A rainha levava consigo os princípios do reinado da rainha Victoria, um império inanimado e anglicano, em cujos valores o príncipe de Gales não convinha. A crença em uma reforma constitucional e em um estado laico, somada à ambição por assumir o trono, levou Charles a, por vezes, se opor à sua soberana e a levar esses confrontos à mídia, como a pesquisa divulgada pelo Sunday Times, que mostrou o público preferindo o afastamento da rainha e sendo a favor de seu filho. 

Os anos 1990 também foram marcados pela fragilização dos casamentos, com três divórcios de três filhos da rainha: Anne, princesa real; André, duque de Iorque; e o mais complexo e midiático, o príncipe Charles. Diante dessas circunstâncias, nos é apresentada a criação do Conselho de Guerra Informal, um grupo destinado a gerenciar exclusivamente os conflitos na família, uma espécie de força-tarefa para assessorar a realeza inglesa em casos de envolvimento em escândalos e polêmicas, como uma forma de garantir a sobrevivência da monarquia. A ação evidencia a fragilidade e a insegurança que a família real se encontrava, com dilemas morais, ideológicos e religiosos quanto a questões como as contraditórias relações extraconjugais e os comportamentos da família mediante a imprensa e o público. 

Em Harry e Meghan (2022), o príncipe apresenta ainda as semelhanças dele com sua mãe, por se guiar pelo coração e lutar por causas sociais e humanas. Aspectos que possivelmente serão desenvolvidos, assim como o enredo do seu irmão William, na sexta temporada de The Crown, que se passa nos início dos anos 2000. Segundo o diretor, Peter Morgan, a série não se aproximará dos dias atuais, preferindo detalhar mais o contexto exibido na quinta temporada. 

Por fim, a penúltima temporada de The Crown retrata, com uma riqueza de detalhes, a instabilidade da família real frente à modernidade dos novos tempos, de modo que os jovens e mais velhos da realeza passam a lidar e encarar esses desafios de maneiras distintas. A expectativa para a sexta temporada é, com certeza, alta, mesmo que a série não se aproxime dos tempos atuais, possivelmente estará situada entre o final dos anos 90 e os primeiros anos do novo século, permitindo uma identificação mais intensa dos espectadores ao recordarem os acontecimentos abordados. 

MAYARA MOREIRA MELO, jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.

Publicidade

veja também

A mágica de iludir e encantar

Gráfica Lenta no Vale do Catimbau

Adeus a Riva