Curtas

'Cha Cha Real Smooth' e o amadurecer

TEXTO Danilo Lima

01 de Novembro de 2022

Andrew, personagem vivido por Cooper Raiff (ao fundo), é um jovem de 22 anos que ainda pega carona com os pais

Andrew, personagem vivido por Cooper Raiff (ao fundo), é um jovem de 22 anos que ainda pega carona com os pais

Foto Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 263 | novembro de 2022]

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Entrar na vida adulta, por mais inevitável que seja, é uma transição muito mais difícil e nebulosa do que parece. As expectativas e inseguranças que permeiam nossas ações durante o amadurecimento são a base das questões exploradas em Cha Cha Real Smooth – O próximo passo, segundo longa do novato Cooper Raiff, de apenas 25 anos. O filme, uma agradável dramédia com romance, fez sua estreia no Festival de Sundance deste ano, onde recebeu o Prêmio do Público, e já está disponível mundialmente na Apple TV+.

Na trama, Andrew (Cooper Raiff) é um rapaz de 22 anos que volta a morar com os pais após se ver formado na faculdade, mas sem o emprego dos sonhos ou perspectiva de futuro. Ao acompanhar seu irmão mais novo em cerimônias de Bar Mitzvá, o jovem descobre seu talento como animador de festas e torna isso um trabalho temporário. Nesses eventos, Andrew também conhece a jovem mãe Domino (Dakota Johnson) e sua filha autista Lola (Vanessa Burghardt), o que o faz desenvolver uma paixão pela primeira e forte amizade pela segunda. A relação dos três vai se estreitando a cada novo encontro e Andrew começa a ser confrontado pela diferença de idade e visões de vida.

Com um tom leve e esperançoso, o longa independente é um exemplo perfeito do típico filme premiado em Sundance. O último destaque do festival foi Coda – No ritmo do coração, que posteriormente ganharia o Oscar de Melhor Filme, entre críticas decepcionadas e comemorações. O estilo “água com açúcar” e facilmente agradável pode ser a chave para conquistar uma unanimidade dos jurados e por isso a Apple TV+, que detém a distribuição de ambos os filmes, deve tentar replicar com Cha Cha Real Smooth o sucesso anterior. Porém, mesmo sem um grande destaque nas premiações, o longa pode despretensiosamente conquistar a afeição do público em uma sessão casual.

É difícil, ou quase impossível, odiar Cha Cha Real Smooth. Além de atuar e dirigir, Cooper Raiff também é produtor e roteirista, o que o torna a alma por trás da obra, e é evidente a generosidade e empatia com que ele cria e apresenta essa história. Todos os personagens são amáveis ou relacionáveis em algum nível. O realismo deles é alcançado não só pela sensibilidade já apurada do autor, mas também pela construção colaborativa dos intérpretes, em um esquema semelhante ao do diretor David Linklater (trilogia Before; Boyhood). As dinâmicas familiares são convincentes e o cuidado do roteirista parece sincero, especialmente no afeto pela figura da mãe. Tudo ajuda a construir um comfort movie no qual não há espaço para atitudes cruéis e artificiais típicas do cinema.

Por outro lado, esse olhar caridoso da obra tem seus prejuízos. Assim como o protagonista, o filme parece querer agradar ao máximo, tentando evitar o desconforto ou sofrimento. Mesmo sem antagonista, a trama apresenta conflitos, mas os resolve ocasionalmente fora da tela. Algumas questões – especialmente atreladas a relacionamentos externos – são implícitas demais ao ponto de não aprofundar cargas dramáticas em potencial ou de serem solucionadas sozinhas na mente do espectador ou por suposições do protagonista. É, portanto, nos intervalos e nos momentos cruciais das relações dentro do núcleo protagonista que a trama se desenrola.

A suavidade da história também não impede o filme de abordar temas sérios. A estreia da atriz Vanessa Burghardt, que é de fato uma pessoa com autismo, é um grande acerto da escalação. Ainda assim, o diretor não se propõe a passar grandes ensinamentos ou lição de moral que não seja apenas uma humanização natural das pessoas no espectro autista – diferente de produções que reforçam a única imagem do autista superdotado –, e reconhecer que cada indivíduo tem a sua forma de socializar, sentir e se comunicar. Já a personagem da Dakota Johnson, a princípio rasa, revela-se aos poucos como uma figura angustiada por ter sua vida determinada pelo tempo e necessidade dos outros, mas com uma vontade própria de se consolidar no mundo dos adultos.

A partir de um breve prólogo de infância, é apresentada a ideia de que o protagonista já se frustrou pela atração com uma figura mais velha. Esse interesse, porém, não parece atrelado a uma sexualização do corpo amadurecido de uma mulher como em A primeira noite de um homem (1967), mas do local social de “adulto” que ela ocupa, mesmo que esta revele estar tão incerta quanto ele. Enquanto ele busca na mulher adulta o caminho para um reconhecimento de seriedade, na direção contrária, ela vê nele uma esperança de liberdade e vivacidade de juventude que já não mais desfruta. É sobre esse impreciso local de maturidade e pertencimento etário que o filme carrega o seu maior diferencial em relação a outras histórias de coming of age. Diferente da convencional separação dos arquétipos de adolescente fútil de séries da Netflix ou adultos responsáveis e bem-resolvidos das comédias românticas tradicionais, o longa retrata uma zona intermediária, cinzenta, mas muito familiar.

E essa percepção fortemente contemporânea de idade talvez só tenha sido possível graças à autoria de um diretor da geração Z como Raiff. Em geral, filmes de amadurecimento exigem que diretores recuperem na memória momentos marcantes de suas juventudes para romantizar ou alterar coisas, portanto são memórias que já estão impregnadas de afetos. Aqui, o diretor, que há poucos anos estava entregando comida por aplicativo, ainda está passando pelos conflitos da idade, e portanto traz uma veracidade emocional, bem como uma representação saudável e incomum de masculinidade no cinema. O protagonista é um otimista incurável e extremamente carismático, mas também não contém a impulsividade de exprimir seus sentimentos quando eles o perturbam.

Parece simbólico que eu esteja escrevendo este texto justamente na última semana dos meus 22 anos. As contradições do personagem presentes no filme falam tão diretamente comigo, que é impossível me manter impassível diante dos detalhes singelos. Andrew trabalha, mas não tem muita ideia do que fazer da vida. Ele dirige, mas também anda no banco de trás ao lado das crianças ou pede carona pros pais. Ele é capaz de se relacionar e vislumbrar casamento, mas ainda dorme no chão do quarto do irmão. Ele impõe suas ideias em uma discussão, mas depois desaba no choro no carro ou no colo da mãe. Ele ainda não corresponde ao que a sociedade espera dele e vive em um jogo de expectativas e inseguranças sobre a vida, o que é totalmente normal, afinal, ele só tem 22 anos. 

DANILO LIMA, jornalista em formação pela UFPE.

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