Estado da razão geocultural (I)
As complexas relações da geocultura com a geopolítica sob uma perspectiva crítica de enfoque antropológico
TEXTO José Antonio González Alcantud
27 de Março de 2025
Foto Domínio Público
Nestes tempos aziagos, quando os imperialismos voltam a atuar com total desenvoltura e descaramento (Estados Unidos sobre a Groenlândia e o Panamá; Rússia sobre a Ucrânia; Israel sobre a Palestina, o Líbano e a Síria; Marrocos sobre o Saara etc., etc.), falar de geocultura é um ato de pacificação, para afastar intencionalmente a atenção da desmesura do diktat geopolítico.
O termo geocultura foi empregado por Immanuel Wallerstein para designar o que significava o Sul dos Estados Unidos, um espaço imaginário impossível de definir, mas, ao mesmo tempo, recorrente como ideia atraente ou repudiável entre os americanos do Norte1. A geocultura não é um projeto devedor da geopolítica ou da geoestratégia, consiste em pensar a cartografia imaginária como áreas de irradiação linguístico-cultural, sem pretensão alguma de erguer novas fronteiras, mas destacando as similitudes acima das diferenças para lograr cumplicidades em áreas de influência discursiva. Nem sequer se trata de um imperialismo cultural, mas de uma interzona (termo tomado de empréstimo da contracultura), onde manter ativo o diálogo sobre fundamentos de diversidade e pluralidade. Trata-se de uma cartografia cultural, na qual, como queriam Gilles Deleuze e Felix Guattari, sejam traçadas novas “dobras”, mais complicadas e mais interessantes, portanto, diante do pretendido cartesianismo dominante do capitalismo2.
Nesse caminho, bom será olhar para trás, recuando quase um século, quando a Humanidade estava mergulhada em processos imperialistas. Olhando para aquele tempo, eu encontrei, em 1995, um ideólogo interessante, cujo repentino descobrimento me provocou curiosidade. Passeando pela rua dos livreiros da velha (velha?) Madri, a chamada cuesta de Moyano, encontrei um livro sem data nem edição, mas que facilmente se podia coligir que era dos anos 20 ou 30. Nem Oriente, nem Ocidente. O universo visto desde o Albayzín. O autor: Rodolfo Gil Benumeya (1901-1975) (figs.1,2). A editora: Compañía Iberoamericana de Publicaciones. Movido pela curiosidade, me pus em contato com o filho do autor, Rodolfo Gil Grimau (1931-2008), que era então diretor do Instituto Cervantes em Lisboa. Com ele pus em prática uma reedição da obra de seu pai, que se fez no ano 1996, com dois estudos preliminares, um seu, outro meu3. Não sem certos escrúpulos, pela condição de franquista de primeira hora do autor, segundo descobri. O que, longe de afugentar-me, incrementou minha curiosidade.

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