Artes Visuais

Outras rotas da arte contemporânea

Feira produzida pela SP – Arte em São Paulo propõe novas perspectivas para o cenário artístico. A produção pernambucana marca presença com galerias e artistas

TEXTO Carlos Costa

02 de Setembro de 2024

Foto Divulgação

Há uma dívida ancestral sendo paga. De brancos com pretos e indígenas. De homens com mulheres. Do centro com as bordas. E nesse movimento, pouco se movem os montantes financeiros, ainda, mas as riquezas culturais, artísticas, afetivas, em ação contrária, cada vez mais nutrem o “mainstream”; são temas de feiras, exposições, obras, etc. Vem nessa toada a feira Rotas Brasileiras, que ocorreu de 28 de agosto a 1 de setembro, em São Paulo.

Organizada pela produtora cultural SP – Arte, reuniu 66 participantes de 15 estados brasileiros, compondo um retrato da produção contemporânea, que parte do centro, mas busca a expansão em arredores distantes do país. Composta por nomes consagrados e iluminada por artistas que não ocupam esses lugares nem valores – ao todo, na feira eram 250 –, propôs outras rotas para olhar e entender a produção artística brasileira.

Em sua terceira edição, Rotas Brasileiras este ano convidou o curador mineiro Rodrigo Moura para uma direção artística que incluiu uma conversa e aconselhamento a cada um dos galeristas presentes e a curadoria de um espaço central no evento, chamado Mirante, composto por obras de grande dimensão de 16 artistas, entre eles Adriana Varejão, Mira Schendel, Tunga, Jota Mombaça e Montez Magno.

Espaço Mirante. Foto: Divulgação

“A feira é fruto de uma pesquisa que estamos aprimorando a cada edição. A curadoria das galerias está cada vez mais atenta e, este ano, a presença de Rodrigo Moura, subiu ainda a mais a régua”, comemora Fernanda Feitosa, diretora executiva da SP – Arte.

De Pernambuco para a feira – Duas galerias (Amparo 60 e Marco Zero) do Recife e uma representação da Oficina Francisco Brennand estavam presentes, além de obras de artistas pernambucanos variados nos acervos de galerias, a exemplo de Tunga (Palmares) e Montez Magno (Timbaúba) na seleção do espaço Mirante, ou os ceramistas de Caruaru Manoel Eudócio e Ratinho.

No estande da Amparo 60, seis artistas compunham a mostra Tremor das Línguas, com curadoria de Ariana Nuala. A proposta era refletir “como a palavra, a imagem e o sonho criam caminhos para uma tradução entre brechas e temores”. Esculturas de Diogum e um desenho em carvão de Clara Moreira chamavam a atenção no espaço.

Posicionada estrategicamente na entrada da feira, a galeria Marco Zero apresentou 28 artistas reunidos pela curadoria de Bitu Cassundé sob o título Territórios Desviantes. A ideia foi investigar “o desvio como estratégia de relação com o Nordeste brasileiro”. Nesse contexto, Cícero Dias, José Claudio, Gilvan Samico dividiam a atenção do espaço com o Véio, Ianah, Leonilson e outros.

No espaço da Cerâmica Brennand, a atração era a venda de peças produzidas pelo coletivo de oleiros e pintores da Oficina Francisco Brennand. Originais do artista, havia três pequenas esculturas. Outra obra de Brennand podia ser vista no estande da Marco Zero.

No estande da Galeria Andrea Rehder, a iconografia pernambucana ocupava uma parede com quadros de dois artistas recifenses da nova geração: Jota Zeroff e Getúlio Maurício traziam maracatus, a rural de Roger, cores e personagens da tradição contemporânea local. Andrea Rehder, proprietária da galeria, contou que conheceu ambos em uma recente viagem de pesquisa ao Recife.

Cerrado e sertões - Do Centro-oeste surgiram outros dois destaques da feira, que ganharam a preferência de muitos participantes e visitantes. Os estandes da Cerrado Galeria e do Sertão Negro.

Desenhos de Moacir Soares de Faria. Foto: Divulgação

De Goiânia, a Cerrado convidou Divino Sobral para fazer a curadoria de uma mostra individual do artista Moacir Soares de Faria, mais conhecido como Moacir, figura mítica da Chapada dos Veadeiros, retratada em documentário por Walter Carvalho – Moacir – Arte Bruta (2006) – e há anos presente em seleções de artistas promissores em curadorias de nomes como Paulo Herkenhoff.

Eram 44 desenhos de Moacir, com suas figuras ímpares, que misturam natureza, sexualidade e violência em cores vibrantes. Para a obra, o curador não poupou adjetivos: “complexa, enigmática, desconcertante, fascinante, singular e bela”. Com diversas limitações físicas, Moacir nasceu, na década de 1960, e vive em São Jorge, povoado de Alto Paraíso (GO). Há alguns anos deixou de pintar e desenhar por questões de saúde.

Em seu estande, o coletivo Sertão Negro representava o projeto Sertão Negro Ateliê e Escola de Artes que o artista brasiliense Dalton Paula criou em Goiânia. Com as paredes cobertas por serrapilheira, o espaço reunia o trabalho de diversos artistas do ateliê. Um dos destaques eram duas pequenas esculturas em um suporte de madeira, Iaiá e Ioiô.

A instalação, de autoria da artista Lucélia Maciel, é uma homenagem a seus avôs, Josefa e Feliciano, naturais de Morro do Chapéu (BA) e cujo acervo fotográfico inspirou e nutre sua pesquisa artística. Lucélia é nome de destaque na produção contemporânea, residente e assistente no projeto Sertão Negro.

OUTROS CAMINHOS
Seguindo a rota pelo Nordeste, destaques e surpresas surgem no estande da Lima Galeria, de São Luís (MA), como a obra escultórica do maranhense Luís Carlos Lima, que trabalha argila e outros elementos, alcançando texturas e cores inusitadas, explorando formas orgânicas. Ou o piauiense Gabriel Archanjo, que usou grafite aquarelado sobre lenços de tecido para desenhar rostos de mães, avós, tias, primas, parentes e amigas de sua família, em busca do rosto da mãe que não conheceu.

Obra de Gabriel Archanjo. Foto: Divulgação

Já a galeria baiana Paulo Darzé conquistou o público com uma curadoria em homenagem a Exu, intitulada O Mensageiro. Reuniu obras de 19 artistas, todas em torno do orixá, propondo “refletir sobre como nossa concepção de mundo eurocêntrica nos afastou dos saberes e da profunda dimensão cultural que herdamos das Áfricas pré-coloniais”.

Outras rotas possíveis, transitando mais ao centro do cenário artístico paulistano, nos levavam a estandes como o da Caravana Farkas, mostrando a trajetória do fotógrafo Thomaz Farkas e sua contribuição para o documentário brasileiro; ou a galeria Gomide&Co com a “Rotas de Afeto”, com curadoria de Leonora de Barros, que olhou para sua própria produção em diálogo íntimo com a produção de seu pai, Geraldo de Barros.

CARLOS COSTA, jornalista, graduado pela UFPE, começou sua carreira no Diario de Pernambuco

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