Artes Visuais

Livro de arte explora os caminhos poéticos da memória

Entre silêncio, palavra e delírio, de Natalie Salazar, possui tiragem limitada de 500 cópias numeradas

18 de Julho de 2025

Livro de arte revela camadas de memórias da família da artista carioca Natalie Salazar

Livro de arte revela camadas de memórias da família da artista carioca Natalie Salazar

Foto Divulgação

A artista plástica carioca Natalie Salazar passou dez anos pesquisando as memórias da própria família, principalmente dos avós, nascidos em Dabrowa, na Polônia. O resultado é o livro de arte Entre silêncio, palavra e delírio (R$ 152,94), um mix de questões históricas e pessoais em imagens e palavras. Publicado pela Editora & Galeria Degustar, a obra conta com uma tiragem limitada de 500 cópias numeradas e 384 páginas.

Concebido a partir de uma residência artística na Casa do Povo, em São Paulo, o trabalho é formado por páginas que mesclam trechos de um diário escrito pela artista durante essa experiência, com outros pensamentos projetuais que foram pensados em diálogo com objetos, vestígios e histórias deixadas por seus avós. A memória desses parentes, marcados pelo preconceito contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial, é um dos pilares da obra.

Durante a imersão na instituição, Salazar optou por realizar sua pesquisa na biblioteca da instituição, onde teve acesso a livros antigos e desgastados na língua iídiche, idioma falado por seus avós. Embora não dominasse a língua, o contato com os textos permitiu que a artista se relacionasse com o idioma de forma poética e subjetiva, criando uma nova narrativa compartilhada na publicação.

O livro de artista apresenta uma sequência de imagens e anotações, que se entrelaçam sem seguir uma ordem cronológica, e são perpassadas por inúmeras páginas vazias que convidam a um tempo de leitura em que o silêncio ou o devaneio se fazem presentes. O trabalho sugere uma sobreposição entre o presente e o passado, entre projetos, encontros e experiências vividas e acumuladas.

Entre os trabalhos apresentados no livro, estão registros de livros da biblioteca da Casa do Povo, registros de performances realizadas nesse espaço, e ainda, obras anteriores, como Inventário, que envolve a aquisição dos 14 romances escritos por Michael Bruckner, avô de Salazar. Esses livros foram mantidos envelopados, exatamente como chegaram pelo correio.

O título em relevo baixo quase desaparece na capa branca, criando uma sensação de silêncio tátil; a ausência de lombada faz referência aos livros manuseados pela artista durante sua residência, enquanto o cinza quase branco das páginas, na fonte e na costura, remete à ausência.

A publicação conta ainda com dois encartes que têm como intenção propor uma coreografia de manuseio para além da página tradicional. O primeiro, feito de papel vegetal, traz a frase “a pele e suas dobras: ali guardam segredos afônicos” com a fonte em uma cor da mesma tonalidade da página onde se encontra, tornando-se visível apenas quando o papel é retirado. O manuseio do papel vegetal cria marcas ao longo do tempo, e, assim, emulam o modo como a pele vai envelhecendo. O outro encarte é fechado com uma serrilha, que, ao ser aberto, revela uma fotografia de livros mofados que foram encontrados durante a residência na Casa do Povo.

O livro reflete sobre a arte como ferramenta de reconstrução e transformação. Ao combinar textos, imagens e experimentos gráficos e táteis, Natalie Salazar propõe uma experiência sensorial que transcende o tempo, abordando questões profundas de identidade, herança e o silenciamento de vozes. O lançamento oferece uma chance única de vivenciar uma obra que vai além do livro, tornando-se um objeto artístico e reflexivo.

AUTORA
Natalie Salazar trabalha a partir do resgate de memórias, livros e fotografias do arquivo de sua família, reutilizando-os para criar novas conexões, estranhamentos ou deslocamentos. Desenvolve textos literários vinculados à sua pesquisa visual. Utiliza-se de diversas formas de mídia, como instalações, cartazes, instruções, videoclipes, livros, entre outras possibilidades de tensionar e dar a ver as palavras. Dentre as exposições que participou, destacam-se o Prêmio Brasil de Fotografia em 2012, apresentando a série de fotografias "Série". Suas exposições individuais foram realizadas: em 2022 na plataforma online Arte que Acontece com o projeto de videoclipes "Roda Pé" e no ano de 2023 no MASSAPÊ. Em 2017, expôs na Pinacoteca da UFV "Toda Palavra é uma Paisagem", e em 2016 apresentou no GAIA - UNICAMP "Palavra – Paisagem". Nessas exposições, a artista buscou tensionar o limite da representação.

veja também

Tropical Freak: o brega punk de Xinga Xow encontra os vulcões de Isabela Stampanoni

Paulo Oliveira e a poética insular em esculturas

Clara Moreira e o desenho como forma de conhecimento