Artes Visuais

Celebração à cultura popular em livros e exposição

Nova edição do projeto Várias mãos, uma cultura: retratos da arte popular pernambucana aborda a obra de oito artesãos pernambucanos e tem lançamento nesta quinta-feira (18), na Tidelli, em Boa Viagem

18 de Setembro de 2025

Foto Divulgação

A nova edição do projeto Várias mãos, uma cultura: retratos da arte popular pernambucana faz uma celebração à obra de oito artesãos pernambucanos, Nicola, J.Borges, Cida Lima, Marcos de Sertânia, Maria da Cruz, Marcos de Nuca, Marliete e Nena. O lançamento acontece nesta quinta-feira (18), das 18h às 21h, na loja Tidelli, em Boa Viagem, onde o público poderá conferir a exposição, projetada pela arquiteta Roberta Borsoi, com a obra dos artistas envolvidos.

Na ocasião, vai estar à venda a coleção completa de livros sobre a obra e a trajetória dos artistas abordados nesta etapa do projeto: o barroco brasileiro de Nicola, a xilografia magistral de J.Borges, o figurativismo cerâmico de Cida Lima, a crônica da vida sertaneja nas esculturas de madeira de Marcos de Sertânia, as carrancas ribeirinhas de Maria da Cruz, os imponentes leões de barro de Marcos de Nuca, o preciosismo das figuras em miniatura de Marliete e a cerâmica contemporânea de Mestre Nena.

Durante meses, a equipe percorreu estradas, casas e ateliês para escutas e investigações que resultam nas publicações, com design editorial da Zolu Design. “Essa construção foi feita de encontros e trocas, iniciando com a produção de Camila Bandeira e, aos poucos, outros se uniram, formando uma rede movida pela empatia e pelo desejo de honrar nossos mestres que mantém viva a cultura popular”, afirma a curadora e idealizadora do projeto Marly Queiroz. “Em cada visita, fomos acolhidos pelos artesãos e envolvidos por seus afetos. São narrativas bordadas de emoção e respeito”.

Com produção executiva da Proa Cultural por Camila Bandeira, Julia Almeida e Camila Almeida, os livros contam com fotografia de Isabela Cunha e textos de Bruno Albertim. “Mais que peças de grande aporte estético, esses artistas produzem, na verdade, pedras de assento do imaginário e da personalidade coletiva não apenas de Pernambuco, mas de um Brasil basilar”, diz o antropólogo.

Nicola
Era 18 de janeiro de 1959, quando Jaime Nicola de Oliveira nasceu em Quipapá, na fronteira com Alagoas. Aos 12 anos, já morando no Recife, fixou os olhos no trabalho de um vizinho: talhas de homens subindo em coqueiros, marisqueiros, vaquejadas, pescadores. Os temas regionalistas predominavam até que, confiança adquirida na prática, o artista resolve fazer seu primeiro trabalho religioso. Saíam os temas regionais, entravam figuras arquetípicas do catolicismo brasileiro. Um dos mestres santeiros do Brasil, Nicola buscava nos rostos da população os traços que acaba por imprimir em figuras de santas ceias, cabeças de Cristo e santos.

Nicola. Foto: Divulgação


J.Borges
Aos 12 anos, quando aprendeu a ler, J. Borges nunca mais voltou à escola. Começou a criar xilogravuras para ilustrar os próprios cordéis. Adulto, tinha já obras no acervo da Biblioteca Nacional de Washington, participou de importantes exposições no Brasil e fora dele. Montou um centro para sua arte em Bezerros. Ilustrou livros de referências de nomes da literatura ocidental, como o uruguaio Eduardo Galeano e o português Saramago. Morreu, em 26 de julho de 2024, aos 88 anos, de causas naturais. Estava lúcido e produtivo até pouco tempo antes. Ariano Suassuna dizia: José Francisco Borges – ou, simplesmente, J. Borges – é o maior xilogravurista do Brasil.

J.Borges. Foto: Divulgação


Cida Lima
Nascida no ano de 1968 no sítio de nome Rodrigues, em Belo Jardim, com sete ou oito anos de idade, Cida Lima era já louceira. Hoje, é reconhecida uma das mestras do barro brasileiro. Suas cabeças, à imagem de ex-votos, às vezes agigantadas e usadas até como bancos ou vasos, fazem sucesso em coleções importantes do país. “A gente só sabe o valor que a gente tem quando vai pro mundo” diz.

Cida Lima. Foto: Divulgação


Marcos de Sertânia

Filho de seu Severino com dona Maria José Lau, Marcos de Sertânia teve em casa os primeiros contatos com a prática escultórica. Além de utensílios para uso doméstico, a família imprimia na madeira pequenas figuras de bois e animais de pastoreio. Aos 12 anos, vendia esculturas na feira. De tom crítico e observador, ele passaria a dramatizar as agruras do semiárido em figuras humanas longilíneas, alongadas.
Expressionistas nos gestos, conjuntos e personagens de famílias de retirantes.

Marcos de Sertânia. Foto: Divulgação


Maria da Cruz
Ana das Carrancas (1923-2008) teve uma trajetória de mais de cinquenta anos celebrada por suas carrancas moldadas no barro extraído do São Francisco. A filha Maria de Ana (de alguma forma, também, Maria das Carrancas) cria cabeças com furos que não chegam a atravessar a argila. Na verdade, cavidades arredondadas. “Faço o que é meu, mas tenho a história da minha mãe para preservar”.

Maria Cruz. Foto: Divulgação


Marcos de Nuca

Seu pai foi um dos ícones da cultura popular pernambucana. Manoel Borges da Silva, conhecido como Mestre Nuca, havia quebrado a tradição em Tracunhaém de “fazer o barro virar apenas santo ou panela”. E fundado sua estética original com a série de leões longilíneos de tamanhos variados e volumetria intrigante. Desde que sofreu um AVC em 2005 até sua morte em 2014, Nuca não mais trabalhava. Os filhos Marcos, Guilherme e Maria Lúcia assumiam precocemente o peso da herança. Em vez de Marcos Borges da Silva, o filho passou a ser conhecido apenas, como era de se esperar, Marcos de Nuca. Nada mais justo.

Marcos Nuca. Foto: Divulgação


Marliete Rodrigues
Sobrinha de Manoel Eudócio, vizinha de Vitalino, uma entre os onze rebentos de Zé Caboclo com dona Celestina, Marliete Rodrigues abriu os olhos num Alto do Moura já em reconhecimento como um dos principais centros de arte figurativa das Américas. Quando viu o mundo, a menina o viu cercado de barro. De um barro já de colorido vivíssimo. Quando começou, fazia em grandes dimensões as figuras clássicas, como os personagens do maracatu, criadas pelo pai Zé Caboclo. Nos anos 1980, Socorro, a irmã mais velha, tinha começado a fazer peças em miniatura. Curiosa, Marliete revelou uma habilidade incomum nas dimensões diminutas - cenas inteiras que cabem no meio da palma de uma mão. Cronista do afeto e da vida familiar, Marliete se notabilizou pela perícia com que faz cenas do cotidiano.

Marliete Rodrigues. Foto: Divulgação


Nena
Quando menino, Nena morava com os avós no bairro do Mauriti, então um proeminente centro oleiro no centro do Cabo. Ajudava na produção dos mais velhos, raspando tijolos. Aos onze, começou a moldar suas quartinhas. Na época, ele tinha o afamado Mestre Celé como referência. “E se Celé foi meu pai no barro, meu padrinho foi o projeto Imaginário Pernambucano, da Universidade Federal de Pernambuco”, ele diz. “Nos anos 1990, a cerâmica estava quase morrendo. Celé engajou todo mundo nesse projeto. Foi ele quem convenceu a ouvir os professores para modernizar nossa cerâmica”. As inovações técnicas da universidade trouxeram não apenas aportes estéticos, mas pragmatismo na produção. A queima passou a ter precisão. As peças passaram a ser vitrificadas com esmalte cerâmico. Sua imaginação se soltou.

Nena. Foto: Divulgação

SERVIÇO
Lançamento de Várias mãos, uma cultura: retratos da arte popular pernambucana
Onde: Tidelli (Av. Eng. Domingos Ferreira, 4236 - Boa Viagem, Recife)
Quando: Quinta-feira (18), das 18h às 21h
Quanto: Durante o lançamento, o público poderá adquirir a caixa com o conjunto de oito livros ao preço de R$ 150

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