“O romantismo, acredito, acontece naturalmente na entrega ao amor, de uma forma ou de outra, expressando-se quando o conhecimento entre o casal atinge a maturidade. São pequenos gestos cotidianos que só quem conhece bem o outro pode oferecer. O que acontece na fase do namoro é uma caricatura do romantismo, que se populariza em canções melosas e em exacerbações grotescas em nome do amor.
A paixão fugaz, o encontro repentino com um encantamento capaz de questionar e provocar uma reflexão sobre o destino pode acontecer a qualquer momento. É um risco da exposição. Baudelaire fala sobre isso no poema A uma passante. Senti isso uma vez num vaporetto, a caminho de Veneza, tanto que, de quando em quando, me lembro daquele olhar que troquei com alguém que só vi naquele momento. Sucumbe mais facilmente quem não tem capacidade de entender o momento e ponderar sobre a vida construída. Gosto da ideia de me apaixonar diversas vezes pela mesma pessoa, porque na verdade não somos mais a mesma pessoa, tal qual a história de Heráclito que fala que um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, porque tanto ele quanto o rio não são mais os mesmos...
Acho romântico preparar a refeição, escrever um bilhete, trazer uma flor, lembrar as datas importantes, colocar uma música, ser todo ouvidos quando ela precisar falar, fazer uma massagem nos pés quando ela chegar cansada. Cuidar é super-romântico, preocupar-se com os desejos e com a felicidade do outro é um componente confortante na relação, sem falar da admiração. Também acho a surpresa uma coisa romântica. Mas considero o romântico aquele que se apaixona pelo que faz e sempre se lança sem medo. Gosto da imagem de Ícaro voando ao encontro do Sol, de Van Gogh cortando a orelha, de Cézanne oferecendo suas dramáticas maças e da joie de vivre de Matisse, da felicidade, sobretudo. Fui criado com muito jazz e bossa nova. Casamos ao som de Tom Jobim, porque era 8 de dezembro.
No início de nosso namoro, passávamos nossos finais de semana em uma palafita na praia. Era de um tio de Clarissa. Comparava sempre a palafita com a Maison du jouir, de Paul Gauguin. Essa palafita era o nosso Magic Bus, o lugar encantado. Depois veio Paris, quando nos casamos. Não dá pra não levar em consideração que nossa primeira casa, a Chez Câmara, foi montada justamente em Paris. É certo que os quatro anos da velha Lutèce significaram deveras.
Mas o romântico é, acima de tudo, um otimista. Alguém capaz de olhar sobre a miserabilidade da vida e enxergar as possibilidades, ver coisas boas. Além de ser um alguém que não contabiliza os obstáculos e o sacrifício para realizar as coisas que poderão dar prazer. Romantismo tem a ver com o prazer. Principalmente com o prazer do outro!
Minha relação com Clarissa sempre foi baseada no respeito e na admiração mútua. O amor é o que transforma as vidas e as torna indissociáveis, e a paixão não acaba com o tempo, mas na imagem da chama evocada por Vinicius sabemos que precisa ser alimentada, como todo fogo, para que não apague. Dizia Seu Rômulo Carneiro Leão, filósofo de Maria Farinha, que um homem tem que dar, pelo menos, três carinhos por dia na mulher. Acredito nisso e sigo à risca. Alimento o máximo que posso o meu amor.”
ALUÍSIO CÂMARA, museólogo e artista plástico.
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Uma questão de escolha