“Os sinais de cansaço pela nossa escolha cultural estão se multiplicando: um percentual significativo de pessoas descobre, no segundo ou no terceiro casamento, poder conviver com o outro como outro, em sua diferença, mesmo que ele ou ela não seja ‘a tampa da panela’”, pondera o professor da Universidade Católica de Salvador José Menezes. “A dinâmica da vida fica mais interessante, se tenho na minha intimidade a companhia de um sujeito (ou na pluriafetividade, de sujeitos) e não coisas que consumo, como se disponíveis estivessem no supermercado.”
Casado há 20 anos com Clarissa Duarte, o museólogo e artista plástico Aluizio Câmara não possui a receita do que para tantos soaria como felicidade. Mas seu depoimento (leia na próxima página) é sintomático de uma busca bem-sucedida, e do cansaço da overdose pseudorromântica. Para a psicóloga Bianca Dias, o que mais sintetiza o amor está numa frase de Jacques-Alain Miller, psicanalista francês, genro de Lacan: “Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão – Quem sou eu?”.
José Menezes, por sua vez, chama a atenção para as modalidades novas de composições familiares. “Recém-casados que cuidam com extremo zelo dos filhos do companheiro, a ponto de esses preferirem sua madrasta ou padrasto a seu genitor. Casais homossexuais que assumem o companheiro/companheira como possibilidade de realização e de cumplicidade extrema, a ponto de muitos serem a possibilidade de amparo dos pais velhos, dedicando um tempo de suas vidas aos cuidados dos mesmos. A variedade de possibilidades é infinita.”
A psicanálise e o testemunho dos que atravessam o turbilhão dos primeiros anos do século 21 apontam para a impressão de que o amor estereotipado dos mitos românticos pode ter surtido um efeito inverso ao que propõe: ampliando os contornos do modelo ideal, empobreceu a experiência do amor real, transformando a busca numa corrida maluca. Mal é reconhecida, a paixão é logo comparada a imagens caricatas que não permitem o melhor aproveitamento do fogo descoberto. Ocupando o primeiro plano, a fantasia mascara e atrapalha a vivência amorosa – estragando a graça e a própria aura romântica do caminho que se faz de mãos dadas... pois amar se aprende amando, mas não se aprende sozinho...
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