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Uma questão de escolha

Jornalista e educadora sexual, Julieta Jacob reflete sobre as relações afetivas contemporâneas e adesão do poliamor como um dos sinais da busca atual por um ideal de amor menos romantizado

TEXTO Fábio Lucas

01 de Fevereiro de 2014

Julieta Jacob

Julieta Jacob

Foto Tuca Siqueira/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 158 | fevereiro 2014]

Editora do site Erosdita, a jornalista e educadora sexual
Julieta Jacob considera que alguns valores do romantismo estão perdendo força, embora ainda sejam percebidos hoje. Para Julieta, as pessoas estão se dando conta de que é possível alcançar a tão desejada satisfação amorosa e sexual optando por uma relação nada romantizada. Uma das opções que ganha adeptos a cada dia é o poliamor, em que a necessidade da monogamia é descartada, e o casal encara o desafio da maturidade e do desapego sem abrir mão da cumplicidade.

CONTINENTE Como a cultura romântica pode ser observada nas relações afetivas contemporâneas?
JULIETA JACOB Os ideais românticos são calcados na noção da fusão amorosa, como se nascêssemos incompletos e só alcançássemos a felicidade ao encontrarmos a nossa “cara metade”. Por isso, desde cedo, nós, ocidentais, somos levados a esperar por esse “grande amor” para, então, sermos felizes como nos contos de fadas. O amor romântico sustenta-se na idealização da pessoa amada e na expectativa de que ela vai suprir todo o nosso desamparo afetivo (o que não ocorre). Assim, a relação torna-se simbiótica e muitas vezes sufocante, pois à cultura romântica só interessa, por exemplo, a relação monogâmica, e a monogamia pressupõe a exclusividade sexual em todos os aspectos, o que significa dizer que o casal só sentirá desejo um pelo outro e por mais ninguém. O que está mudando nesse cenário é que muitas pessoas estão percebendo que o amor romântico não é uma regra nem deve ser uma imposição, embora ainda seja o ideal predominante na nossa sociedade. É possível se relacionar de outras maneiras, descartando a exclusividade afetivo-sexual e ampliando a possibilidade para se ter vários parceiros ao mesmo tempo. É apenas uma questão de escolha.

CONTINENTE Você acha que as novas gerações são tão românticas quanto seus pais e avós? Ou seriam até mais?
JULIETA JACOB Nossos pais e avós são em parte responsáveis por transmitirem os ideais românticos aos mais jovens. Nesse sentido, é possível e lógico que os filhos repliquem os valores que receberam das gerações mais velhas. No entanto, por mais hegemônico que seja o estilo “romantizado”, a sociedade contemporânea já apresenta novas formas de se relacionar que fogem ao modelo tradicional. Não me refiro, é claro, ao fato de dar e receber flores, de jantar à luz de velas e fazer gentilezas, pois isso nada tem de nocivo para um relacionamento e nunca deve sair de moda. Refiro-me à crescente busca por individualidade e ao fato de muitas pessoas se sentirem mais livres para escolher se a monogamia lhes interessa ou não. Antes, não havia escolha. Hoje os casais já encontram abertura para conversar e fazer acordos para se sentirem satisfeitos com sua escolha.

CONTINENTE O poliamor é uma tendência que se desprende da tradição romântica?
JULIETA JACOB Com certeza, pois o poliamor se diferencia do amor romântico em um aspecto crucial: ele recusa a monogamia como princípio ou necessidade. Nele, o casal faz um acordo no qual é permitido para ambos ter relações afetivas e sexuais com outras pessoas sem que isso signifique uma traição e nem abale a harmonia afetiva. É algo possível e sabe-se que no Brasil há diversas pessoas que optam por isso.

CONTINENTE Isso pode parecer um pouco difícil para a maioria das pessoas, acostumadas a vivências românticas no figurino tradicional. Além disso, não seria a vitória de uma visão que muitas vezes foi considerada machista e traduzida como pura traição?
JULIETA JACOB Sem dúvida. Considerando a influência romantizada que recebemos desde que nascemos, o poliamor pode soar como algo impensável e inviável para alguns. Caso esse grupo tenha apenas vivências monogâmicas, não há nada de errado. O importante é que elas saibam que a monogamia é uma escolha. Quanto ao poliamor, sua prática é desafiadora, pois exige maturidade e cumplicidade, além de certo desapego. Discordo que seria a vitória de uma visão machista. No machismo, só o homem tem o “direito” de se relacionar com outras pessoas. O objetivo do poliamor é tentar construir uma relação mais sincera e menos hipócrita. Não existe infidelidade porque não existe exclusividade sexual. E não existe uma vitória masculina porque o acordo é feito de forma igualitária. Sobre o poliamor, na década de 1980, Simone de Beauvoir escreveu, no livro O segundo sexo, que declarar que um homem e uma mulher devem bastar-se de todas as maneiras durante toda a vida é “uma monstruosidade que engendra necessariamente hipocrisia, mentira, hostilidade e infidelidade”.

CONTINENTE Como educadora sexual, até que ponto o romantismo se insere na prática educativa?
JULIETA JACOB É importante mostrar às crianças, desde cedo, que existem várias formas de amar e ser amado, e que não há hierarquização entre as opções, não há uma melhor e outra pior. A monogamia pode ser tão interessante para alguém quanto a poligamia para outra pessoa. E, para fazer uma escolha consciente, é importante estimular o autoconhecimento, a autonomia, o respeito à individualidade e a capacidade de ficar em paz e feliz mesmo que sozinho. Isso é vital para que as crianças cresçam com a autoestima saudável, pré-requisito para não buscarmos no outro, de forma desesperada, a cura de todos os nossos males. 

FÁBIO LUCAS, jornalista, mestre em Filosofia e editorialista do Jornal do Commercio.

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