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Mercado: Mais feiras, mais leitores?

Apesar do crescimento significativo dos eventos literários, as vendas de livros ainda estão abaixo da expectativa

TEXTO Fábio Lucas

01 de Janeiro de 2015

Bienal do Livro de SP

Bienal do Livro de SP

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Comportamento" | ed. 169 | jan 2015]

Nos últimos 15 anos, a quantidade de eventos literários
no Brasil apresentou aumento inegável. As festas literárias, com a presença de escritores renomados e plateias seletas, como a Flip, em Paraty, no Rio de Janeiro, e a Fliporto, que começou em Porto de Galinhas e hoje é realizada em Olinda, dividem espaço no calendário com as grandes cidades do livro, montadas em pavilhões enormes, as bienais, como as de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Pernambuco. As cidades do interior ganharam vez no circuito, descentralizando as concorridas palestras com os autores, valorizando a produção local e incrementando o mercado fora dos grandes centros.

A expansão do mercado editorial não se dá apenas com a abertura de novas livrarias – e várias abriram, incluindo as megalojas, notadamente em shopping centers, desde o ano 2000, no país. O impacto do consumo virtual também se vê na venda de livros, especialmente nas cidades de médio porte do interior, como Caruaru, Garanhuns, Petrolina, de acordo com o escritor e gestor público em cultura Wellington de Melo. “Levando-se em conta que, no interior, existem pouquíssimas livrarias, a internet se tornou o principal meio de adquirir títulos usados ou novos”, aponta Wellington.

Ainda no panorama do mercado virtual, o autor de Estrangeiro no labirinto acredita na tendência de maior consumo de livros digitais, que ainda representam uma parcela ínfima do mercado. “Isso depende da democratização e barateamento dos aparelhos leitores, da melhora das tecnologias e da ampliação dos acervos. Uma das barreiras, creio, também é o custo dos livros digitais. Embora sejam mais baratos que os de papel, o valor é muito alto para uma mídia que se reproduz infinitamente e cujos custos de produção e distribuição são irrisórios. As editoras precisam rever suas margens de lucros para que o e-book venha a deslanchar o mercado.”

Além disso, a chegada da Amazon, para vender livros de papel, também deve mudar o cenário no Brasil. “Mas não sei se para melhor. A forma predatória com que agem tende a sufocar as pequenas livrarias e mesmo as redes maiores. É uma tática usada por eles para esmagar a concorrência e poder garantir um monopólio posterior”, critica Wellington de Melo, que também é editor. “O consumidor pensa ganhar, mas, a médio prazo, pode se tornar refém da multinacional, que praticará seus preços sem concorrência, além da repercussão que isso trará para a geração de empregos locais”, pondera.

A pesquisa de Produção e Venda do Setor Editorial, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional de Editores (SNEL), revelou que o faturamento das editoras foi de R$ 5,36 bilhões em 2013, valor nominalmente 7,52% acima do obtido em 2012 – se considerada a inflação, o aumento real foi de 1,5%. O número total de exemplares comercializados foi de 479 milhões, com alta de 4,1%, levando em conta apenas o mercado, e mais de 20%, se computadas as aquisições de governo. O curioso é que a quantidade total de exemplares produzidos no país teve uma queda de 3,5%, de 485 milhões para 467 milhões de livros. Embora tenham sofrido uma variação positiva de 225% de um ano para o outro, as vendas de livros eletrônicos ainda são mínimas para os negócios do setor, com pouco mais de R$ 12 milhões de faturamento.

O aquecimento do mercado, no entanto, parece se reduzir a um limitado contingente de leitores. Segundo a pesquisa Públicos de Cultura, quase 60% dos entrevistados não haviam lido nenhum livro em seis meses. E, entre aqueles que leram, a média de leitura mal passou de um livro no período.

O consultor de políticas públicas para o livro e a leitura Felipe José Lindoso contesta o tom efusivo de editores e livreiros. “O crescimento da indústria editorial não acompanha o crescimento demográfico. O faturamento sequer nivela-se aos parcos índices de crescimento do PIB, descontada a inflação (sem falar que as medições são altamente duvidosas). Além disso, o peso das compras governamentais – que, sem dúvida é um fator positivo em si – também provoca distorções, pela dependência crescente disso para alguns segmentos editoriais”, afirma Lindoso. “Sempre critiquei a preguiça da indústria editorial na criação e ampliação do mercado. Além, e apesar das dificuldades de logística (você já se perguntou sobre o absurdo de serem necessárias frotas de caminhões para levar livros do Rio e São Paulo para o Recife, quando se poderia usar a tecnologia da impressão sob demanda?), tanto as editoras quanto as livrarias esperam os compradores. O marketing é voltado exclusivamente para os best-sellers. Pouquíssimo é feito para melhorar a distribuição por todas as áreas das capitais.”

O aumento na quantidade de livrarias também é refutado por Lindoso. “Isso de as livrarias estarem crescendo é pura balela: crescem algumas redes que se localizam nas grandes cidades, e a maioria dos quase seis mil municípios não tem nenhuma livraria, nenhuma sala de cinema e muito menos um teatro ou salas para espetáculos musicais. Novos formatos de livros e outros canais de distribuição não entram no radar das editoras como uma necessidade crucial para o desenvolvimento do mercado. Ainda assim, aumenta o número de leitores (não na proporção necessária), por força da inércia. E os editores e livreiros ficam felizes com isso. Não se dão conta do que falta para ser conquistado e pode ser conseguido. O aumento do número de estudantes conta, e medidas como o Vale-cultura podem se tornar progressivamente importantes. Mas, repito, é um crescimento inercial, não orgânico”, enfatiza, lamentando que o Brasil continua longe de estar no rumo de ser um país de leitores, como também de frequentadores de cinema e teatro.

A proliferação de feiras e festivais, entretanto, é uma fonte de otimismo, segundo Felipe José Lindoso, com as iniciativas de saraus e centros de produção de poesia e texto. Mas não é garantia de mais leitores, de acordo com Wellington de Melo, muito embora o fluxo de gente nesses eventos impressione. “Creio que os eventos literários, no geral, fortalecem a qualificação dos leitores existentes. A formação de leitores se dá muito antes, na escola, com os professores, mediadores de leitura, e em casa, com os pais. Quem vai para eventos literários, normalmente, já são leitores, com exceções. Naturalmente, há eventos que têm uma programação infantil, como a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, e, nesse sentido, colaboram com a formação de leitores. Mas eventos com perfil adulto têm outra proposta”, avalia. 

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