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"Parem de se preocupar com o público médio"

Professor da Escola de Comunicação da UFRJ, Paulo Roberto Pires aposta no alto nível de produção para contrabalançar a enxurrada de coisas que nos chegam através do virtual

TEXTO Fábio Lucas

01 de Janeiro de 2015

Paulo Roberto Pires

Paulo Roberto Pires

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Comportamento" | ed. 169 | jan 2015]

Com a cultura virtual se expandindo em ritmo acelerado
no país e a produção tradicional em processo de descentralização, a massificação sofre, cada vez mais, com a baixa qualidade. A saída é apostar no mais alto nível da produção. É o que enxerga o professor da Escola de Comunicação da UFRJ Paulo Roberto Pires, que é jornalista, escritor e editor da Serrote, revista quadrimestral de ensaios do Instituto Moreira Salles. “No mainstream do consumo, as classes emergentes são tratadas com condescendência como público”, avalia Pires. Para ele, no entanto, isso começa a mudar, graças à ampliação de opções possibilitada pela internet. Agora, o desafio é elevar o padrão do que se consome. “Parem de se preocupar com um público médio”, sugere em entrevista para a Continente, na qual também fala sobre o mercado editorial nacional e a tendência segundo a qual o jornalismo cultural está finalmente deixando a subordinação à agenda de eventos de lado, para se voltar a discussões mais profundas, especialmente na mídia digital e nas publicações alternativas.

CONTINENTE O que pode ser apontado como principal mudança no consumo cultural dos brasileiros nos últimos 15 anos, na sua visão?
PAULO ROBERTO PIRES A mudança fundamental é a disseminação da internet. Com tudo o que ela tem de bom e ruim. O número de produtores culturais aumentou e descentralizou-se; ampliou-se o acesso a livros, discos e filmes – muitas vezes através da pirataria, o que não deixa de ser um problema para os autores. Isso tudo acontece ao mesmo tempo, dentro e fora do mainstream, porque o consumo de massa, tradicional, virou mesmo um desastre de mediocridade, o que não é um fenômeno brasileiro, diga-se.

CONTINENTE Do ponto de vista do acesso à cultura, os avanços seguem a trilha da ampliação do mercado, de modo geral, às classes chamadas emergentes?
PAULO ROBERTO PIRES No mainstream do consumo, as classes emergentes são tratadas com condescendência como público e muitas vezes folclorizadas como personagens. Mas acho que, quando o cara tem uma conexão na mão, ligada no telefone ou na lan house, tudo já começou a mudar. E cada vez é maior o número de pessoas plugadas que, não necessariamente, têm o Zorra Total ou o Esquenta como campeões de audiência. E nem acham Romero Brito um Picasso (como, aliás, muitos das chamadas classes altas).

CONTINENTE Em que sentido a formação de público precisa melhorar, para a democratização efetiva dos bens culturais?
PAULO ROBERTO PIRES O primeiro e mais difícil passo é acabar com a associação de “popular” à “porcaria”, uma pauta perversa que vem norteando boa parte da produção de massa. É claro que a base de tudo, como infelizmente estamos cansados de saber, é a educação formal. Mas, se ela falha, e falha muito, que os produtores de cultura parem de se preocupar com um público médio e ofereçam, generosamente, os tais biscoitos finos para a massa. Se dá certo ou não, é outra história.

CONTINENTE Estamos a caminho de um país de leitores? E que leitores são esses, hoje?
PAULO ROBERTO PIRES Estamos longe de um país de leitores. Nesses 15 anos, aconteceu algo curioso, que sempre destaco. Criou-se um público para a literatura, que não é necessariamente leitor. São mais de 200 eventos literários, dezenas de trocadilhos com “Flip”, plateias imensas. Mas só uma parte ínfima delas, a mesma parte, aliás, consome os livros – se o autor for brasileiro, de ficção, complicou mais ainda. Mas há, como em todo o mundo, uma imensa massa de leitores jovens que têm movimentado e até sustentado o mercado. Foram criados na geração Harry Potter, mas não sei se deixaram as séries de fantasia, para ler Machado de Assis. Acho que continuam lendo a mesma coisa. Mas os tais young adults, como se diz no jargão do mercado, são a força do mercado. Força careta, acho eu, mas, ainda assim, força.

CONTINENTE A impressão que se tem, pelo menos nos jornais e revistas, é de que o jornalismo cultural vem perdendo espaço na pauta, resumindo-se muitas vezes à cobertura da agenda, de maneira protocolar. Como o jornalismo cultural evoluiu no Brasil, nesses 15 primeiros anos do século 21?
PAULO ROBERTO PIRES Desconfio do discurso permanente da decadência. O tempo passado nunca pode ser o melhor tempo, simplesmente porque não temos acesso a ele. Do que temos na mão, piorou a mídia tradicional e melhoraram a digital e as publicações alternativas. Depois de um saturamento do agendismo, da sonolenta cobertura do mercado, começa-se, uma vez mais, a discutir as questões da cultura com mais profundidade. É claro que tem o blog do moleque que só faz considerações superficiais sobre o que lê, mas há boa crítica literária e de cultura na rede. E o caminho é aproveitar a diversidade e investir no nível mais alto. O Millôr Fernandes dizia que o leitor ideal é o de mais alto nível: quem não entendeu que corra atrás. Ou não. Mas o jornalista tem que fazer sua parte. 

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