CONTINENTE O que pode ser apontado como principal mudança no consumo cultural dos brasileiros nos últimos 15 anos, na sua visão?
PAULO ROBERTO PIRES A mudança fundamental é a disseminação da internet. Com tudo o que ela tem de bom e ruim. O número de produtores culturais aumentou e descentralizou-se; ampliou-se o acesso a livros, discos e filmes – muitas vezes através da pirataria, o que não deixa de ser um problema para os autores. Isso tudo acontece ao mesmo tempo, dentro e fora do mainstream, porque o consumo de massa, tradicional, virou mesmo um desastre de mediocridade, o que não é um fenômeno brasileiro, diga-se.
CONTINENTE Do ponto de vista do acesso à cultura, os avanços seguem a trilha da ampliação do mercado, de modo geral, às classes chamadas emergentes?
PAULO ROBERTO PIRES No mainstream do consumo, as classes emergentes são tratadas com condescendência como público e muitas vezes folclorizadas como personagens. Mas acho que, quando o cara tem uma conexão na mão, ligada no telefone ou na lan house, tudo já começou a mudar. E cada vez é maior o número de pessoas plugadas que, não necessariamente, têm o Zorra Total ou o Esquenta como campeões de audiência. E nem acham Romero Brito um Picasso (como, aliás, muitos das chamadas classes altas).
CONTINENTE Em que sentido a formação de público precisa melhorar, para a democratização efetiva dos bens culturais?
PAULO ROBERTO PIRES O primeiro e mais difícil passo é acabar com a associação de “popular” à “porcaria”, uma pauta perversa que vem norteando boa parte da produção de massa. É claro que a base de tudo, como infelizmente estamos cansados de saber, é a educação formal. Mas, se ela falha, e falha muito, que os produtores de cultura parem de se preocupar com um público médio e ofereçam, generosamente, os tais biscoitos finos para a massa. Se dá certo ou não, é outra história.
CONTINENTE Estamos a caminho de um país de leitores? E que leitores são esses, hoje?
PAULO ROBERTO PIRES Estamos longe de um país de leitores. Nesses 15 anos, aconteceu algo curioso, que sempre destaco. Criou-se um público para a literatura, que não é necessariamente leitor. São mais de 200 eventos literários, dezenas de trocadilhos com “Flip”, plateias imensas. Mas só uma parte ínfima delas, a mesma parte, aliás, consome os livros – se o autor for brasileiro, de ficção, complicou mais ainda. Mas há, como em todo o mundo, uma imensa massa de leitores jovens que têm movimentado e até sustentado o mercado. Foram criados na geração Harry Potter, mas não sei se deixaram as séries de fantasia, para ler Machado de Assis. Acho que continuam lendo a mesma coisa. Mas os tais young adults, como se diz no jargão do mercado, são a força do mercado. Força careta, acho eu, mas, ainda assim, força.
CONTINENTE A impressão que se tem, pelo menos nos jornais e revistas, é de que o jornalismo cultural vem perdendo espaço na pauta, resumindo-se muitas vezes à cobertura da agenda, de maneira protocolar. Como o jornalismo cultural evoluiu no Brasil, nesses 15 primeiros anos do século 21?
PAULO ROBERTO PIRES Desconfio do discurso permanente da decadência. O tempo passado nunca pode ser o melhor tempo, simplesmente porque não temos acesso a ele. Do que temos na mão, piorou a mídia tradicional e melhoraram a digital e as publicações alternativas. Depois de um saturamento do agendismo, da sonolenta cobertura do mercado, começa-se, uma vez mais, a discutir as questões da cultura com mais profundidade. É claro que tem o blog do moleque que só faz considerações superficiais sobre o que lê, mas há boa crítica literária e de cultura na rede. E o caminho é aproveitar a diversidade e investir no nível mais alto. O Millôr Fernandes dizia que o leitor ideal é o de mais alto nível: quem não entendeu que corra atrás. Ou não. Mas o jornalista tem que fazer sua parte.
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