Reportagem

A "molecagem" que não acabou

"O Auto da Compadecida", o filme de cabeceira dos brasileiros, tem uma sequência, 25 anos depois da primeira, e às vésperas de completar 70 da peça original de Ariano Suassuna

TEXTO Débora Nascimento

16 de Dezembro de 2024

Matheus Nachtergaele volta a interpretar João Grilo

Matheus Nachtergaele volta a interpretar João Grilo

Foto Laura Campanella/Divulgação

“Recife, 24 de setembro de 1955”, datou Ariano Suassuna, ao concluir, naquele sábado, Auto da Compadecida. No currículo do jovem “paraibano do Recife” de 28 anos, havia, em uma década de carreira, sete peças, algumas elogiadas na capital pernambucana. Com a nova obra pronta, faltava, então, uma companhia teatral para encená-la. A montagem ficou a cargo do Teatro Adolescente do Recife (TAR), com direção de Clênio Wanderley. Criado em abril daquele ano, o grupo iniciante promoveu a estreia do espetáculo no Teatro de Santa Isabel, em 11 de setembro de 1956.

Classificando o texto da peça como farsa, o teatrólogo Valdemar de Oliveira não poupou esforços ao criticar a montagem: “Não há, talvez, em teatro, gênero mais difícil, mais perigoso, mais traiçoeiro. O seu estilo, pouco conhecido entre nós, requer não só conhecimentos especializados como, por igual, elementos humanos realmente capazes. E com isso não contou o elenco heterogêneo do Teatro Adolescente do Recife. (...) Clênio Wanderley explorou à larga, isto é, sem a medida inteligente, gritos e gestos, sem que os seus pupilos – e ele mesmo - parodiando o conhecido anúncio – soubessem parar. (...) O espetáculo devia terminar onde o diabo diz: acabem com essa molecagem”.

De certa forma atingido pela crítica, Ariano Suassuna, ponderou, no Diario de Pernambuco, em 12 de outubro de 1956: “(...) O que é positivo é essa integridade que levou um grupo jovem e um jovem diretor a enfrentar essa possibilidade de incompreensão porque acreditavam na peça”. Por sua vez, também acreditou que o grupo poderia levar adiante a montagem para apresentá-la, quatro meses depois, no 1º Festival de Amadores Nacionais, no Teatro Dulcina, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro.

Mesmo arriscando azedar a lua de mel, Ariano e sua esposa Zélia, após o casamento, em 19 de janeiro de 1957, viajaram à então capital do país, onde o espetáculo seria apresentado no dia 25. De 22 a 24, Ariano viu todas as peças dos outros autores serem, uma a uma, vaiadas pelo público. Assinando um texto em que o padre reza missa em latim para o enterro de um cachorro e cangaceiros são absolvidos no Juízo Final por Nossa Senhora, o dramaturgo apenas esperava a sua vez de ser também alvo de vaias.

No entanto, o que se seguiu foi surpreendente. Aplaudida em várias cenas dos três atos, ao final, um dos espectadores, ao lado de Ariano, não se conteve em somente bater palmas com as mãos, subiu na cadeira, e bateu com os pés, aumentando o barulho da plateia. A montagem ganhou medalhas de ouro para espetáculo, diretor (Clênio Wanderley, com apenas 20 anos) e atriz (Ilva Niño, com 23 anos). O Teatro Adolescente do Recife foi convidado, então, a estender sua temporada no Dulcina por mais uma semana.

No mês seguinte, o ator e teatrólogo carioca Paschoal Carlos Magno escreveu sobre a Compadecida, no Correio da Manhã, do Rio: “É uma peça que se interrompe a cada instante com aplausos. É uma peça que se aplaude de pé. Uma peça como poucas do teatro brasileiro de todos os tempos. E quem representa é um punhado de moços de talento, de muitíssimo talento. Há neles dignidade, entusiasmo, honestidade (...) Quem gostar de teatro, quem acreditar em teatro e deseja prestigiá-lo, deve ir (...) ao Dulcina para se comover, aplaudir, queimar as mãos de palmas diante do espetáculo que é (...) um dos mais belos que já vi no Brasil e nas minhas andanças pelo mundo”.

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