CONTINENTE Começando do começo: de onde vem Jones Manoel?
JONES MANOEL Eu nasci no dia 9 de janeiro de 1990, na maternidade de Jaboatão, mas sou natural do Recife, de uma comunidade chamada Borborema que fica espremida ali entre Setúbal, Boa Viagem e Piedade, que tem esse nome por causa da garagem da empresa de ônibus que fica ali na região. Aliás, são duas garagens. Sou filho de dona Elza, que é natural do interior do Cabo de Santo Agostinho, e de Luiz Manoel, que é natural do sertão de Pernambuco. Minha mãe trabalhou a vida inteira como empregada doméstica e cozinheira e meu pai era pedreiro até morrer. Fui criado com minha irmã Juliana, que é três anos mais velha do que eu. Somos filhos de pais diferentes. Fui nascido e criado na Borborema, morando eu, minha mãe e minha irmã, basicamente.
CONTINENTE Seu pai morreu quando você era novo?
JONES MANOEL Meu pai morreu quando eu tinha 11 anos, mas eu não morava junto com ele. Ele já era casado com outra mulher. Tenho vários irmãos por parte de pai, mas só tenho relação mesmo de irmão com o mais velho, o primogênito, que é Adriano. Com os outros a gente nunca se deu muito bem, não, e inclusive tem alguns que nem falam comigo.
CONTINENTE Por causa da sua atuação política?
JONES MANOEL Não, não. É porque tem uma coisa curiosa sobre o Recife. A cidade demorou muito para desenvolver uma criminalidade mais organizada como o Rio de Janeiro. Então, nos anos 1990, muitas favelas não tinham tráfico de drogas, não tinham nada, tinha aquela coisa de autoridade na favela com o líder comunitário. Era o cara que ia atrás quando faltava uma água ou quando tinha uma queda de luz e também era o cara que meio que botava ordem na favela. Não deixava, por exemplo, problema tipo uma briga de casal, se tem um cara que está batendo na mulher, o líder vai lá. Também não deixava roubar na favela e, se alguém roubasse, ele batia, às vezes matava e por aí vai. Então, tinha essa coisa que era uma mistura de militância, mas muito mais desorganizada e apartidária, com uma certa autoridade moral. E meu pai era isso na Favela da Borborema e isso dava uma posição de um certo status simbólico, por assim dizer.
CONTINENTE Você não morava com seu pai, mas viviam na mesma comunidade.
JONES MANOEL Isso, isso. E meu pai se aproveitava dessa posição de prestígio e tinha um comportamento masculino. Enchia a esposa de “gaia” e tinha várias mulheres pela Borborema. Minha mãe é uma delas. Ele também teve vários filhos espalhados pela favela. Devo ter irmãos por aí que eu nem sei quem são. E o que é que acontece? Quando eu nasci, e isso falam até hoje, mas era muito comum quando eu ainda morava na Borborema, desenvolveu um ciúme de alguns irmãos meus porque, dizem as lendas, que eu sou muito parecido com meu pai. Fisicamente e no jeito de falar e andar. Eu não lembro tanto assim não, mas é o que dizem, e aí rolava um ciúme porque na favela muitas pessoas me chamavam “aquele é o filho de Manoel”, “aquele é o Manoelzinho”, porque era supostamente o filho que mais se parecia com ele. Quando eu meio que entrei na política, aí teve aquele estigma de “eita, vai seguir os passos do pai, vai ser líder comunitário também na favela”, e isso causou ciúme.
CONTINENTE Você é um jovem que fala de Antonio Gramsci, Domenico Losurdo e Frantz Fanon e que, com a mesma desenvoltura, discute com trotskistas e com a extrema direita e que fala sobre teoria marxista em vídeos ou em podcasts. Ou seja, Jones, você está partilhando conhecimento teórico e tornando-o mais acessível a muitas pessoas. Certamente, está formando novas leitoras e novos leitores também. Como foi sua infância? Quando criança, o que você respondia quando perguntavam ‘o que você quer ser quando crescer’? E quais foram suas primeiras leituras? Mesmo com toda sua precocidade, imagino que não tenha lido O capital aos 7 anos.
JONES MANOEL Não (risos). Como a gente era muito pobre, eu tive que começar a trabalhar muito cedo, tanto eu como minha irmã. Comecei a trabalhar com 13 anos de idade, vendendo jornal no sinal, em Boa Viagem. Sabe onde o pessoal fala que é antiga pousada de Reginaldo Rossi, próximo à Vila da Aeronáutica? Ali do lado de um posto de gasolina? Foi naquele sinal que comecei a vender jornal. Como comecei a trabalhar muito cedo, em muitos aspectos não tive uma vida de adolescente. Desde muito cedo, eu não tinha mais tempo de jogar bola, não tinha mais tempo de rodar pião nem de brincar, porque estava trabalhando. Combinado a isso, e na época eu não sabia, eu tenho dislexia e tinha várias dificuldades na escola. Eu achava que tinha dificuldade na escola porque era burro, mas a escola não tinha assistente social, não tinha psicólogo ou fonoaudiólogo, então para eles era um aluno desleixado e tal. Minha vida escolar foi muito ruim: eu reprovei na quinta série, reprovei na oitava série e todo ano eu ia para recuperação.
CONTINENTE Você estudava onde, em Jaboatão ou no Recife?
JONES MANOEL Eu estudei no Bartolomeu de Gusmão e na escola Augusto Severo, que são escolas vizinhas, que ficam ali na boca da Borborema. E eu era um aluno problema, que não conseguia se concentrar nas aulas e que só tirava notas ruins sempre. Como era meio tímido, nunca fui daqueles ultrabagunceiros, que alopravam, mas era um aluno muito ruim mesmo. E aí nunca fui de leituras. Devo confessar que o primeiro livro que eu tenho lembrança de ter lido inteiro foi O alienista, de Machado de Assis, com 18 anos de idade.
CONTINENTE Então isso foi em 2008?
JONES MANOEL Isso. E eu queria ser porteiro. Porque eu não sabia de universidade, não sabia que isso existia e achava que ser porteiro era legal porque eu ficava sentado, não pegava sol. Por quê? Porque eu comecei a trabalhar muito e a maioria dos meus trabalhos foi pegando peso. Com 15 anos de idade comecei a entregar água mineral. E eu era muito pequeno e franzino – com 15 anos, tinha um metro e meio de altura e 55 quilos e ia entregar os garrafões de água naquela bicicleta de carga. Aquela com seis bujões, o peso da carga era maior do que o peso do meu corpo. E aí caí várias vezes. Tenho o corpo cheio de cicatrizes. De tantas quedas que levei, porque trabalhei entregando água mineral, entregando almoço e como office boy, em um escritório, e tudo de bicicleta, porque não tinha carteira de motorista. Então o que levei de queda, de desacerto e de atropelo de carro foi uma coisa séria.
CONTINENTE Aos 18 anos, você tinha lido O alienista e queria ser porteiro. Como foi que surgiu essa possibilidade de enxergar um vislumbre na educação?
JONES MANOEL Isso foi com Júlio, que é meu amigo de infância, é da Borborema também e a gente cresceu juntos. Com 17 anos eu comecei a namorar a prima dele, Renata, e aí a gente ficou ainda mais próximo. A família de Júlio tinha uma estrutura financeira melhor e já tinha gente com curso superior, que era uma coisa que não existia na minha. E ele sabia como é que funcionava o vestibular, na UFPE, na UPE e na Rural (UFRPE), começou a me explicar e a dizer “bora fazer, acho que dá para tu passar”. Então com 18 para 19 anos eu comecei a desenvolver a ideia de fazer faculdade, de fazer universidade. E com 19 eu li o livro Sociologia para jovens do século XXI, que era um livro do Ensino Médio distribuído na escola, um livro muito bom que debate capitalismo, socialismo, mídia, guerra às drogas, racismo, machismo e tal. A partir da leitura desse livro eu passei a me considerar comunista, embora não soubesse bem nesse momento o que é que era.
CONTINENTE Isso foi aos 19 anos?
JONES MANOEL Nessa mesma época, com 19 para 20 anos de idade, eu trabalhava em um escritório de contabilidade em Boa Viagem, com seu Marcelino. Era um escritório familiar e eu trabalhava como office boy e auxiliar de administração. Tinha Betânia, que era responsável pelo RH, e as duas filhas dele, Marcele e Daniele. Seu Marcelino, inclusive, foi o único patrão que eu tive na minha vida que não foi uma alma sebosa, é um cara de origem pobre também. Ele veio de baixo, conseguiu fazer um curso de contabilidade, enfim, ascender economicamente e era um cara muito legal comigo, que me ajudou bastante. Quando eu falei para ele que queria fazer universidade, ele deu até um aumentozinho do meu salário para eu conseguir pagar um pré-vestibular, que era o pré-vestibular do Anglo, que era caro que só. Era um terço do meu salário, às vezes ele também me liberava mais cedo. Seu Marcelino me deu vários livros e entre esses que ele me deu estavam O velho e o mar, de Ernest Hemingway, e Elogio da loucura, de Erasmo de Rotterdam. Depois que eu li estes dois livros, consolidou meu hábito de leitura. A partir daí, fiz vestibular pela primeira vez, não passei, fui muito ruim, e na segunda vez, depois de ter feito pré-vestibular, consegui passar. Passei na Rural em Ciências Sociais, em História na UFPE e no ProUni em Direito e fui fazer História.
CONTINENTE Você entrou na faculdade, portanto, com 20 anos, já era comunista, mas ainda não era marxista.
JONES MANOEL Não, eu meio que já era marxista, mas só que sem aprofundamento. Cresci ouvindo muito rap. Meu universo cultural foi muito permeado pelo rap. Inegavelmente, há no rap, especialmente no Brasil nos anos 1990, um elã de esquerda: Racionais MC’s, GOG, Sabotagem, Facção Central, Realidade Cruel… Há um elã de esquerda muito forte, inclusive com citação. Por exemplo, naquela música Jesus chorou, do Racionais, em que ele fala: “Gente que acredito, gosto e admiro,/ Brigava por justiça e paz levou tiro:/ Malcom X, Ghandi, Lennon, Marvin Gaye,/ Che Guevara, 2Pac, Bob Marley e/ O evangélico Martin Luther King”. GOG também, que é um rapper de Brasília, um cara muito politizado, tem uma música para Che Guevara, com uma ideia de América Latina, a pátria grande. Tem uma música, Malcom X foi à Meca e GOG ao Nordeste, em que ele fala da luta de Malcom X contra o racismo nos Estados Unidos. Então eu tinha uma coisa meio politizada, mas só que se combinava com o senso comum. Para você ter uma ideia, com 16 anos de idade eu fiz questão de tirar meu título para poder votar. Não era obrigatório, mas eu fiz questão. Veja como era uma consciência confusa, mais ou menos progressista, só que sem coerência teórica e política: votei na época em Eduardo Campos, porque inclusive eu achava que Eduardo Campos era socialista, a ilusão do jovem, votei em Lula e em alguém do PSOL para o Senado e para deputado federal; para estadual, foi em um cara que eu conhecia da Borborema, que comprava voto por lá. Esse foi meu voto com 16 anos.
Foto: Rennan Peixe
CONTINENTE Se você nasceu em 1990, então isso foi em 2006, ano da reeleição de Lula.
JONES MANOEL 2006, exatamente. Quando eu entrei na universidade, fiz uma decisão muito difícil, que foi parar de trabalhar. Eu percebi que tinha um atraso na minha formação: meu Ensino Médio foi uma porcaria, eu não aproveitei quase nada, e no pré-vestibular eu me dei conta de quanto, por exemplo, o meu português era ruim. Meu conhecimento de História, Geografia e Filosofia era deficitário. Aí eu fiz um acordo com meu patrão, seu Marcelino, em outro momento muito legal dele comigo: pedi demissão, mas eu pedi para ele colocar como se tivesse me demitido, pois aí eu teria direito a seguro-desemprego. Tomei essa decisão de ficar fodido, vivendo com pouco dinheiro, mas podendo estudar. Quando entrei na universidade, aproveitei ao máximo a oportunidade, tanto que eu estudava à noite, mas chegava na universidade às 9, 10 horas. Nessa época, eu tinha direito, por causa de um programa estudantil, a almoçar e jantar de graça no RU (restaurante universitário da UFPE) e a ter uma bolsa de R$ 300. Então passei três, quatro anos estudando em média sete ou oito horas por dia na biblioteca. Eu lia desesperadamente. Estudei em um ritmo que, inclusive, eu nem sei se consigo fazer mais. E, mesmo se quisesse, não teria como ter o mesmo nível de concentração.
CONTINENTE Jones, em que momento você percebeu que tinha dislexia? A dislexia tem vários graus e foge do senso comum de que ser disléxico é apenas trocar uma ou outra letra. Essa percepção veio quando você começou a estudar nesse ritmo mais intenso?
JONES MANOEL Quando eu entrei na UFPE, mais ou menos no terceiro período, ganhei uma bolsa de manutenção acadêmica e essa bolsa condicionava você a fazer algum trabalho. Era uma sacanagem, né? Porque em troca da bolsa, você tinha que fazer um trabalho que deveria ser de um técnico administrativo, mas para não fazer um concurso público, a galera ia lá e botava os estudantes para trabalhar. Eu fui trabalhar no Departamento de Fonoaudiologia, no setor de atendimento, marcando as consultas para a clínica escola. Um belo dia, eu ficava estudando lá e fazendo anotações no caderno e Lucas, que era um formando, um cara muito gente boa, percebeu que eu escrevia ao contrário. A maioria das pessoas, quando vai escrever, escreve assim, de cima para baixo, e eu escrevo de baixo para cima (faz um gesto com um papel e uma caneta, como se estivesse começando a escrever as letras “A” a partir da linha de baixo). Ele começou a conversar comigo, perguntando do meu histórico escolar, se eu tinha dificuldades. Depois marcamos uma consulta, fiz uns testes e uma avaliação e ele diagnosticou como dislexia. Cheguei a marcar um atendimento na clínica-escola para tratar dislexia, mas sinceramente não tive paciência para fazer o tratamento. Quando eu descobri que minhas dificuldades com o português, com ortografia, com matemática, com decorar números estavam na dislexia, comecei a estudar, li artigos e livros e passei a desenvolver, eu mesmo, técnicas para aliviar isso. Porque não tive paciência de fazer isso pela clínica-escola.
CONTINENTE Um método Jones para lidar com a dislexia. Como você lida com isso hoje?
JONES MANOEL Hoje é muito de boa. Minha única dificuldade, meu único incômodo, era que eu não conseguia aprender uma língua estrangeira, embora eu tenha tirado 10 na prova de espanhol no mestrado. Eu aprendi espanhol sozinho e aprendi a ler italiano, um pouco, leio muito mal, mas aprendi sozinho. Tentei aprender francês sozinho, mas não rolou, então sempre tive muitas dificuldades com línguas estrangeiras. Inglês, por exemplo, já comecei dois cursos, mas simplesmente não conseguia entender porra nenhuma. Só que agora, esse ano, comecei a estudar inglês e está fluindo. Arrumei uma professora, Tatiane, que é maravilhosa, sabe que eu tenho dislexia e tem experiência de trabalhar com alunos disléxicos. Também estou me esforçando muito, me dedicando, porque assim quero, até o final deste ano, estar com o inglês muito bom. Fora isso, tem coisas com as quais já me acostumei. Por exemplo: é impossível para mim escrever uma página de Word sem um erro. Vai ter muitos e mesmo que eu vá corrigindo, não consigo pegar tudo. Então, todo texto maior precisa passar pela correção de algum amigo meu. Tenho pessoas que me ajudam nisso. Mas, simplesmente, isso parou de me incomodar. Tenho muita coisa para estudar e não vou ficar parando para me dedicar a tentar desenvolver um método de domínio ultraqualificado da norma culta do português. Se tem pessoas que dominam isso e me ajudam, tá suave.
CONTINENTE Você tem extrema desenvoltura para falar e consegue se comunicar com muita eficácia, por exemplo, em todo o conteúdo postado no seu canal do YouTube.
JONES MANOEL Eu sempre tive uma certa desenvoltura para falar em público. Comentei que eu era um péssimo aluno na escola, sempre tirava notas ruins, mas nos seminários, sempre tirava nota boa. Inclusive, uma das melhores lembranças do meu período escolar, acho que era na terceira ou quarta série, como se falava na época, foi de quando apresentei um seminário para toda escola sobre Machado de Assis. Acho que tinha uns 12, 13 anos e fui aplaudido de pé porque falei muito enquanto todo mundo ficava com aquele papelzinho na mão, lendo e tal. Mas, como eu era muito tímido, quando tinha 17 para 18 anos comecei a fazer teatro. Sempre fui muito produtivo, então essa era uma época em que eu trabalhava, estudava, fazia artes marciais e teatro em uma companhia em Jaboatão, em Prazeres, organizada por Assis Brandão. Ele era um teatrólogo daqui. Entrei na companhia dele quando minha irmã começou a fazer e chegou a apresentar peças. Aquela coisa do irmão mais novo de querer fazer o mesmo do que a irmã. Fui fazer teatro e o teatro me ajudou a ter uma desenvoltura de fala pública, a pensar a expressão corporal… Tanto que, quando entrei na militância organizada, na União da Juventude Comunista, a UJC, em novembro de 2013, já fui colocado nessa função de formação política, de falas públicas.
Foto: Rennan Peixe
CONTINENTE A UJC é ligada a que partido?
JONES MANOEL A UJC é a juventude do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Antes de entrar na UJC, eu saí lendo o programa político de todas as organizações de esquerda que eu conhecia para decidir em qual iria me organizar. Antes eu já militava no movimento estudantil, tinha sido do diretório acadêmico de História. Comecei na UJC e logo depois era a eleição do DCE da UFPE e fui eu que fiz as falas pela UJC nos debates. Com o tempo, fui aprimorando isso. Tem uma coisa que eu faço que é estudar a expressão corporal e a lógica discursiva de grandes líderes históricos. Assisto a discursos de Fidel Castro, de Leonel Brizola, discursos antigos de Lula para sacar como essa galera fala em público, que expressão corporal usam para conquistar a plateia. A minha facilidade de comunicação e de fazer falas públicas, além de um elemento muito presente na minha infância, é fruto do teatro, dos meus estudos e de me ocupar para conseguir e ter uma fala voltada para públicos diferentes. Que eu possa falar bem tanto em um congresso acadêmico quanto numa ocupação, num protesto ou em debates.
CONTINENTE Em paralelo à entrada na militância política, como foi seu percurso acadêmico? Quando terminou o curso, você entrou logo no mestrado?
JONES MANOEL Sim, mas não foi nem porque eu queria fazer mestrado, e, sim, porque eu estava acabando o curso e não tinha emprego. Nessa época, eu já tinha bolsa na graduação, então um mês antes de acabar a inscrição para o mestrado, decidi que ia fazer por causa da bolsa. Escrevi o projeto nas coxas, como a gente fala, nas carreiras, e deu certo. Passei, fui acabando a graduação e já emendei no mestrado em Serviço Social, também na UFPE.
CONTINENTE Qual era o seu projeto?
JONES MANOEL Entrei com um projeto que era "Superexplorar e punir: a particularidade do poder punitivo na periferia do sistema capitalista". Na época, eu estava viajando muito no debate sobre criminologia crítica e trabalhava com presídios e com população privada de liberdade, querendo fazer o debate sobre o poder punitivo na periferia do sistema capitalista junto com a teoria marxista da dependência. Chegando lá no mestrado, como tem aquela dinâmica orientador/orientando que é “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, aos poucos meu projeto acabou migrando e eu terminei fazendo a dissertação “Em busca da Revolução Brasileira: crítica à estratégia socialista na obra de Carlos Nelson Coutinho”. Entrei com um projeto em que queria debater, a partir de Loïc Wacquant, a criminologia e dependência e terminei escrevendo uma dissertação fazendo uma crítica à obra de Carlos Nelson.
CONTINENTE Partindo dessa sua ideia de estudar poder punitivo e periferia, vamos falar de racismo: quando Caetano Veloso citou você no programa Conversa com Bial, em setembro de 2020, apareceram muitos haters a lhe desqualificar, alguns com preconceito geográfico por sua origem nordestina, muitos com viés racista escancarado. Sabemos que, no Brasil, o racismo contribui para deslegitimar o que alguma pessoa negra quer dizer, quase como se a afirmar que aquela mesma pessoa não pode ocupar aquele lugar. Na sua infância ou na adolescência, houve momentos de confronto direto com o racismo estrutural da nossa sociedade? Você percebia que pertencia a essa casta – a população negra e periférica – que é alvo da sanha punitivista do Estado brasileiro?
JONES MANOEL Foi impossível não perceber isso desde sempre. Eu comentei que meu pai morreu, mas não falei como ele morreu: assassinado com três tiros nas costas, quando eu tinha 11 anos de idade. Na Borborema, todo mundo sabe quem foi que matou. Porque é assim com o assassinato na favela: todo mundo sabe quem matou, menos a polícia. E a gente sabe que o índice de resolução de homicídios no Brasil é de menos de 10%. Uma das pessoas que matou meu pai era um policial, que eu sei quem é, todo mundo sabia quem é. Ele participava de um grupo de extermínio aqui em Pernambuco. Quando Eduardo Campos assume, no primeiro governo, e aí tem aquela baixa significativa no número de homicídios, não foi porque o Pacto pela Vida instituiu uma política de segurança genial, e, sim, porque o governo tomou vergonha na cara, limitou um pouquinho a atuação dos grupos de extermínio e desmontou alguns grupos que, todo mundo sabia, eram formados por policiais e ex-policiais. Era um negócio assim: todo mundo sabia que todo mundo sabia, mas havia um pacto como uma omertà. Ninguém falava, todo mundo ficava em silêncio. E aí, depois disso, tive várias experiências. Com 15 anos de idade, estava jogando video game e a polícia chegou para fazer uma batida policial. Eu era muito jovem, mas não era das primeiras vezes que ia ser revistado, então me lembrei da minha mãe, que sempre falava que, quando a polícia fosse me revistar, eu não fizesse movimentos bruscos. Fui andando devagar, devagarzinho, mas acho que fui devagar demais, e aí um policial pegou a arma, falou “anda aí” e deu uma coronhada nas minhas costas. Passei 11 dias com dores nas costas. Também já levei tapa na cara e perdi a conta quantas vezes fui revistado quando voltava de bicicleta para casa, vindo de um colégio em Boa Viagem. Foi meu primeiro emprego de carteira assinada e eu era zelador, porteiro, segurança, eletricista, auxiliar de serviços gerais, fazia tudo. E como eu pegava lá às três da tarde e acabava por volta de meia-noite, 1h da manhã, toda vez que eu ia voltar, sempre tinha uma dupla de policiais, ali na frente da Escola Americana, que me parava. Passei oito meses trabalhando e duvido que tenha tido uma semana em que não fui parado ao menos uma vez.
Entrevista feita por Caetano Veloso com Jones Manoel para a Mídia Ninja, em 2020. Imagem: Reprodução/Youtube/Mídia Ninja
CONTINENTE Eles sempre paravam você no caminho de casa?
JONES MANOEL Sempre. Mesmo me vendo toda semana. Hoje, consigo lembrar o nome de mais de 20 amigos meus que foram assassinados, seja pela polícia, seja pela violência no geral. Meu professor de capoeira foi assassinado com um tiro no olho, o cara que jogava video game comigo foi assassinado com três tiros, ali próximo do aeroporto… E por aí vai. O racismo e a violência policial sempre foram muito presentes e essa compreensão, enquanto negro, também me trouxe uma série de particularidades por causa do rap. Como eu cresci ouvindo rap, diria que desenvolvi uma consciência racial antes da consciência de classe. Por causa do rap. E isso foi marcante para mim, em particular quando comecei a cumprir esse papel de intelectual, de debater, de formular. Eu decidi, e é uma decisão consciente, não me adaptar aos estereótipos do que você espera de um intelectual.
CONTINENTE Qual seria esse estereótipo?
JONES MANOEL No Brasil, quando você pensa em intelectual, pensa em alguém como Caio Prado Júnior ou Sérgio Buarque de Hollanda. É aquela coisa bem higienizada, branco, bem-vestido, paletozinho, tomando vinho francês, ouvindo uma música clássica e por aí vai. A universidade brasileira, diferentemente da argentina, por exemplo, nunca se tornou uma universidade de massa. E, mesmo com um processo de popularização das universidades nos governos Lula, é uma popularização que mantém a universidade restrita. Por exemplo, o Brasil é um país de 210 milhões de habitantes e uma universidade com muitos alunos tem 40 mil alunos. Isso é ridículo. Não tem, aqui no Brasil, uma universidade como a Unam, na Cidade do México, com mais de 100 mil alunos, ou as universidades na Argentina, que têm 40 mil alunos, só que a população de lá é bem menor do que a nossa. E aqui se criou um perfil de um intelectual que tem cinco características centrais. Primeiro: ele faz questão de expressar, em todas as dimensões, desde a roupa, passando pela fala até chegar ao consumo cultural, um consumo de elite, muito mais refinado, muito mais fino. Um perfil que se contrapõe à cultura de massa, à cultura popular. Segundo: ele não tem compromisso político. Odeia o radicalismo político, acha que o radicalismo político é anticientífico, é um cara moderado, elegante. Terceiro: ele é submisso às dinâmicas de produção acadêmicas em todas as suas dimensões. Então, se por exemplo, a academia diz que não pode mais falar de Lênin, ele não vai mais falar de Lênin, vai ficar ali, comportadinho, bajulando, fazendo aquele tráfico de influência muito comum na universidade para ir subindo e ter uma carreira acadêmica de sucesso. Quarto: além de não ter compromisso político, ele não é organizado, porque ser de partido ou de movimento social não é um negócio bonito, é um negócio feio, e o bom é ser independente e tal. E quinto: ele não está disposto a ser algo que era muito forte no Brasil nos anos 1950 e 1960, que é aquele intelectual público.
CONTINENTE Uma figura que precisa dialogar para além da academia?
JONES MANOEL É, aquela pessoa que sabe que, para ter influência na vida pública, tem que ir muito além dos muros da universidade. Então, por exemplo, um Gilberto Freyre era um cara conservador, mas que era um intelectual público. Como um Caio Prado Júnior. Que sai dos muros da universidade e sabe que precisa dialogar com os sindicatos, com as associações, que precisa, enfim, influir no debate público, pois o que ele faz dentro da universidade não garante, necessariamente, influência na opinião pública de uma maneira mais geral. Conscientemente, eu recusei todos esses padrões por uma série de questões. Não aceito me submeter à lógica da produção acadêmica que é a do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” e escolhi, em todos os aspectos, normalizar o marxismo. Fazer com que as pessoas entendam que, para debater o marxismo e consumir a cultura política marxista que você quer debater, você pode ser uma pessoa do povo, normal, que bebe cerveja, que vai na praia, que escuta pagode, que é jovem e que malha e posta foto sem camisa. Eu não aceito, por traço de personalidade, moderar meu discurso ou não falar o que eu acredito por qualquer tipo de conveniência de emprego, de espaço político e tal. Quando aconteceu esse negócio com Caetano, sobre Losurdo, uns amigos meus chegaram para mim e falaram “bicho, para de criticar a mídia burguesa, para de falar mal dos jornais de São Paulo e tal, porque pode ser importante agora que você está mais conhecido”. Eu não vou parar de falar mal porra nenhuma. Quem quiser que eu escreva para algum lugar, quiser alguma entrevista minha, vai querer com o que eu falo.
CONTINENTE Jones, você ganhou uma abertura enorme na grande mídia quando Caetano disse, na emissora de maior audiência do país, que estava lendo Losurdo por sua causa. A quantidade de buscas na internet pelo seu nome naquela madrugada, em setembro de 2020, deve ter sido algo inacreditável. Sua vida deve ter ficado mais acelerada.
JONES MANOEL A vida ficou mais agitada mesmo. E tem como olhar isso da internet. Eu mesmo olhei pelo Google e decolou mesmo, muito, a busca pelo meu nome e do Domenico Losurdo. Mas aí tem um ponto que eu achei interessante, que é o seguinte: antes de Caetano falar de mim no Bial, ele me entrevistou, né? A gente tinha gravado uma entrevista para a Mídia Ninja. E aí teve muita gente falando que eu sou cria do Caetano, que Caetano é quem me fez aparecer. Veja, sou muito grato ao Caetano pela ajuda que ele deu para a divulgação do meu trabalho. Em 2020, meu canal do YouTube ganhou mais de 70 mil inscritos. Inegavelmente, pós-Caetano eu tive um saldo de qualidade. Só que as pessoas não param para pensar o seguinte: Caetano me chamou para a gente conversar na Mídia Ninja depois de ter lido o meu livro, Revolução africana – Uma antologia do pensamento marxista, que organizei junto com Gabriel Landi, e já estava assistindo a uns vídeos no meu canal. Ou seja, o material chegou a ele. E se chegou nele, é porque já estava fazendo sucesso, em escalada. Tanto é que, em 2019, só no segundo semestre, eu viajei para 30 cidades para fazer lançamento de livro e atividade política. Evidentemente que foram lançamentos que não tinham, vamos dizer, mil ou duas mil pessoas. Mas com uma média de público de 200 a 300 pessoas. Agora um comunista, no século XXI, no Brasil, que tem convite para 30 cidades e atrai 300 pessoas é um negócio que há muito tempo a gente não ouvia.
CONTINENTE Chegou até ele porque você já tinha um trabalho sólido no campo editorial e em seus próprios espaços de interlocução. Ou seja, já estava fazendo sucesso.
JONES MANOEL E quando chega nele, e ele repercute, é claro que vai para outro patamar de visibilidade. Mas, por exemplo, nem todo mundo tem as costas largas para apanhar que nem Caetano Veloso. Caetano apanhou que só, o danado, depois que falou aquilo, mas isso não afeta em nada a vida dele. Agora, o que tem de atriz da Globo, ator da Record, gente do jornalismo da Rede Globo que fala comigo no Instagram, que pede material de leitura, que vem tirar dúvida… Recentemente, uma conhecida atleta da seleção brasileira veio trocar uma ideia. Uma pessoa muito conhecida da Rede Globo comprou meu livro mais recente, Raça, classe e revolução, e disse que era muito fã. Mas essas pessoas não são Caetano e não podem, de maneira mais ampla, divulgar meu trabalho. Porque eu tenho um discurso que é comunista e porque eu continuo falando, e aí pode chamar de autoritarismo, que a gente tem que revogar a concessão da Rede Globo.
CONTINENTE Você tem um discurso comunista e é um historiador marxista, mas depois do episódio com Caetano passou a ser tachado também de “stalinista”. “O stalinista” era como várias pessoas, incluindo jornalistas, escreviam em postagens no Twitter. Estamos vivendo, no Brasil, sob um governo de extrema-direita, com um presidente autoritário, e “comunista” e “stalinista” há muito viraram xingamentos para quem milita na esquerda. Por exemplo, quando Manuela d’Ávila, do PCdoB, era entrevistada na campanha presidencial de 2018, o legado de Josef Stalin sempre lhe era questionado como uma herança maldita. Você se considera um “stalinista”? O que acha desse debate?
JONES MANOEL Quando rolou essa entrevista com Caetano, o pessoal ficou falando em Stalin, Stalin, Stalin, mas se você conferir o meu trabalho de comunicação, vai ver que eu praticamente não falo dele. No meu canal não tem nenhum vídeo sobre Stalin, no Revolushow, eu participei de um episódio, agora, que falava de Stalin. Foi o primeiro e já temos dois anos de podcast. Então eu não sou stalinista, mas note: nos textos que eu escrevo – revista Opera, Blog da Boitempo, Lavrapalavra – tem dois momentos em que falo de Stalin. Um, porque é impossível não falar, já que é sobre a Segunda Guerra Mundial e ele era o comandante em chefe das forças armadas soviéticas. E um segundo texto em que eu falo sobre a diferença entre anticomunismo e autofobia e é impossível também não falar dele. A ideia do stalinismo é um espantalho, o negócio clássico de matar o carteiro para não ler a carta. Porque se você pegar os vídeos do meu canal, e são mais de 140 vídeos, vai ver que o tema que eu mais falo é imperialismo e dependência. Esse é o tema que mais tem vídeos, inclusive em vídeos avulsos: imperialismo, dependência e, derivado disso, revolução brasileira e estratégia política. Agora, eu debato muito, e inclusive ano que vem sai livro novo, em janeiro, sobre a história das experiências socialistas do século XX, o que inclui a União Soviética e, também e necessariamente, o período de Stalin. E faço um debate que é contra-hegemônico, no sentido de que o balanço histórico construído sobre as experiências socialistas do século XX é, a meu ver, hegemonizado por perspectivas liberais reacionárias como consequência da derrota que a gente sofreu no final do século XX. Enquanto historiador benjaminiano, inclusive, me proponho a escrever a História a contrapelo, a fazer uma contra-História das experiências socialistas e da modernidade burguesa de maneira mais geral. Então, no livro que estou escrevendo, por exemplo, vai ter um capítulo em que debato a questão do stalinismo pela via do Domenico Losurdo. Porque acusaram também o Losurdo de ser stalinista.
CONTINENTE Vai sair por qual editora?
JONES MANOEL O título do livro é A batalha pela memória – sobre o socialismo e a revolução e vai sair em janeiro, pela editora Baioneta. Eu não me nego a enfrentar os temas espinhosos. Se alguém quiser debater sobre Stalin, eu vou debater, porque eu já li tudo. Leio a produção teórica dele, os livros sobre e conheço as principais correntes historiográficas: já li Edward Carr, Moshe Lewin, Eric Hobsbawn, Emma Goldman, Domenico Losurdo, li historiografia liberal, passando pela historiografia trotskista e pela comunista também. Sou capaz de debater isso, mas não é meu tema central. Eu falo de Stalin, na maioria das vezes, porque trazem à baila. Esse é um ponto. Agora, é importante, sim, a esquerda repensar o balanço histórico do século XX, porque essa história de que essas experiências foram só um reino de fome, miséria, repressão e tragédia, de que tudo foi feio, a gente não pode aceitar.
Obras organizadas por Jones Manoel, uma delas em parceria com Gabriel Landi.
Imagens: Reprodução
CONTINENTE E por que é importante ler Karl Marx? Em 2014, quando o historiador e sociólogo inglês David Harvey esteve no Recife, fomos entrevistá-lo e uma das perguntas que fiz foi justamente essa – qual era o sentido de ler Karl Marx no século XXI?
JONES MANOEL Toda semana aparece um acadêmico da moda querendo falar em sociedade da informação, sociedade de riscos, capitalismo biocognitivo, sociedade do cansaço, sociedade do inferno. Mas, veja, a gente vive no capitalismo. Evidentemente que é um capitalismo que tem transformações históricas, que não é exatamente o mesmo da época de Marx e Engels, mas que continua com o seu núcleo central que é propriedade privada dos meios de produção e exploração da força de trabalho. Nesse sentido, toda a crítica e compreensão da sociedade atual passa, de início, pela crítica da economia política de Marx e Engels. Quem quiser entender o mundo em que vive vai ter que passar por Marx e Engels. Agora, os dois não são suficientes, porque a História continua correndo. Eles são o começo. Então, a gente vive no capitalismo e para entendê-lo tem que passar por Marx, e não pode terminar aí, mas tem que passar por ele. Porque quem se propõe a entender a sociedade atual sem passar por Marx, ou negando Marx, está errado.
CONTINENTE Não existe uma via para a compreensão do mundo sem Karl Marx?
JONES MANOEL Sim. Há uma certa ilusão, muito presente na maior parte das esquerdas brasileiras, que é a do problema de uma política econômica correta. Se tivermos essa política correta, corretamente vamos resolver todos os problemas da Terra. E não é assim. O capitalismo tem determinações mais profundas, e uma dinâmica própria, que, a despeito do governo ser A, B ou C, nunca serão transformadas. Algumas coisas só mudam quando a gente destruir o capitalismo. E acho que Marx coloca isso, de maneira muito clara, mas claro que a gente também precisa atualizar, sobre quais acho são os limites da atuação política dentro da democracia burguesa. Acho que essa é uma outra coisa que a gente não pode esquecer. Porque, nos últimos anos, a esquerda brasileira se esqueceu da diferença entre estar no governo e ter o poder político. Não é a mesma coisa. Quem se esqueceu disso, com o golpe de 2016 foi lembrado depois.
CONTINENTE Qual seria o caminho para a revolução brasileira?
JONES MANOEL A revolução brasileira é para que os trabalhadores, explorados e oprimidos, se apropriem do poder e comecem a fazer as transformações econômicas, sociais e culturais em direção ao socialismo. É romper com essa forma de fazer política, com essa forma de democracia, para criar uma nova estrutura de poder que a gente possa chamar de poder popular. A partir daí, vamos fazer as transformações rumo a um processo de socialização da riqueza, da cultura, dos bens culturais e de todos os direitos fundamentais que são negados para a classe trabalhadora. É basicamente um processo, como diria Lenin, em que os de cima não podem mais dominar e os de baixo não aceitam mais ser dominados como antes. A partir daí, quem está embaixo irrompe na cena política, produzindo uma nova estrutura de poder. Isso significa, também, a destituição das forças armadas e dos aparatos de governo, para que possamos reconstruir um aparelho de poder que garanta o exercício de democracia socialista das massas trabalhadoras e o acesso universal à moradia, saúde, educação, cultura e a uma política ambiental que realmente preserve, de verdade, o meio ambiente.
CONTINENTE E dentro dessa perspectiva mais revolucionária, digamos assim, quem poderia ser o nome do campo progressista, das esquerdas, para a eleição de 2022?
JONES MANOEL Há uma tendência na esquerda brasileira que é a que, quanto mais fama o cabra vai ganhando, ele vai se domesticando. Vai suavizando o discurso, vai ficando mais brando, vai entrando no que chamo de concurso, para ser candidato da esquerda, de genro ideal. Um exemplo para mim é do camarada Guilherme Boulos. Ele é uma pessoa de que eu gosto, que admiro e pela qual tenho muita simpatia, mas que quanto mais fama ganha, mais o discurso vai sendo domesticado. Então, dos nomes que existem hoje no cenário político, e tirando Lula, que é o genro mais ideal de todos, eu acho que o nome de Glauber Braga, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, é o ideal. É o melhor parlamentar do Brasil.
CONTINENTE Você se candidataria?
JONES MANOEL Não teria problema algum em me candidatar, mas essa é uma decisão coletiva, que passa pelo partido. Sou filiado ao PCB desde 2018, porque eu iria sair candidato a deputado federal, naquele ano, e acabou não rolando. Ainda não poderia me candidatar a presidente, pois é preciso ter 35 anos para ser candidato. Mas, se um dia me candidatar, vai ser pela normalização do marxismo e para fazer entender, como eu já disse, que, para debater a cultura política marxista, você pode ser uma pessoa que bebe cerveja, que malha, que vai na praia, escuta pagode e forró e que posta foto sem camisa. Afinal, eu sou militante, defendo a revolução brasileira, faço política, mas também sou um jovem solteiro de 31 anos.
LUCIANA VERAS, jornalista, repórter especial da Continente e crítica de cinema.
EXTRA: Confira o texto de Jones Manoel para a apresentação do livro Colonialismo e luta anticolonial de Domenico Losurdo: aqui.