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Pirata: Nascido na nuvem virtual

Tendo à frente o ex-profissional liberal Rick Falkvinge, a nova legenda surge na Suécia e espalha-se pelo mundo sob os influxos da cultura digital e em defesa da liberdade de expressão

TEXTO Duda Gueiros

01 de Setembro de 2012

Imagem Divulgação

Historicamente, a criação de partidos políticos advém da diversidade de causas e união de interesses comuns de grupos de pessoas: o dos trabalhadores, a favor do proletariado; o Partido Verde, militando pelo meio ambiente; os religiosos, em prol de suas crenças, e a lista se estende. O cenário socioeconômico do mundo e as variadas demandas moldam motivações e definem diretrizes governamentais. No poder ou não, a multiplicidade de partidos e a busca por diferentes ideais refletem a evolução cultural e social de uma sociedade. Em tempos de revolução tecnológica e presença constante da internet, surgem necessidades para usuários e detentores de tecnologia e, como consequência, para as autoridades, responsáveis pela ordem e bom uso. Assim, o Partido Pirata nasce com a intenção de preencher a lacuna que existe na regulamentação nos meios digitais.

O sueco Rick Falkvinge, fundador do PP, explica que tudo começou com uma conversa de bar. “Trabalhei minha vida inteira com informática, mas sempre tive inquietações em torno do domínio, repressão e falta de jeito dos governos, quando se trata da web. Um dia, depois de discussões acaloradas com pessoas que compartilham esse sentimento, senti que poderia criar uma articulação política que se preocupasse com essas questões. Em 2006, pedi demissão do meu antigo emprego, que me garantia uma vida confortável de homem da classe média alta, e passei a viver de uma rede de contribuições de pessoas que acreditavam que aquilo não era uma loucura completa. Foi uma decisão difícil e que iria me atingir no âmbito pessoal, além da incerteza de como isso ia decorrer. Felizmente, não foi um fiasco e continuamos crescendo.”


Manifestação do Partido Pirata alemão. Foto: Divulgação

Com sede na Suécia, em 2010, o PP foi lançado oficialmente na conferência de Bruxelas e começou a ser disseminado ideologicamente na Europa, incluindo a Rússia. Hoje, ganhou correlatos em 56 países e ocupa 15 cadeiras no Parlamento da Alemanha e duas no Parlamento Europeu. Falkvinge atribui a decolagem do partido aos crimes cometidos contra o maior site de hospedagem de arquivos para download do mundo, o Pirate Bay.

As bandeiras de luta do Partido Pirata são, estruturalmente: os direitos humanos, o livre acesso ao conhecimento e à cultura, o livre compartilhamento para fins pessoais não lucrativos e a universalização com qualidade dos serviços e políticas públicas – educação, saúde, transporte, cultura, segurança, inclusão digital, participação democrática plena e colaboração. Como causas mais específicas estão listadas, e são exaustivamente debatidas por eles, as atuais leis de propriedade intelectual e industrial, incluindo copyright e patentes, a luta contra a violação do direito de privacidade e a favor do respeito ao domínio público, da promoção de práticas de copyleft (o oposto do que é exercido pelo regime do copyright), dos sistemas operativos livres e das práticas do compartilhamento.


Partido ocupa 15 cadeiras no parlamento alemão. Foto: Divulgação

A estrutura horizontal também é uma proposta inovadora. Todas as pessoas devem ter a mesma importância no processo decisório, sem discriminação hierárquica, em democracia plena. Todas as decisões de ocupantes de cargos decisórios (políticos, eletivos ou outros) são tomadas apenas mediante a deliberação de todos os membros do Partido Pirata. Não há autonomia dos administradores, eles são apenas representantes perante a sociedade.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA
O mais recente episódio e, talvez, o mais marcante – que envolve crimes digitais, especificamente o compartilhamento de conteúdo online – foi a prisão de Kim Dotcom, fundador do site de hospedagem de arquivos Megaupload. Antes disso, o fechamento temporário do Pirate Bay também havia sido um marco nessa recente e ainda confusa história de contravenções digitais. Em ambos os casos, o Partido Pirata tentou interceder pelos responsáveis de ambos os portais, mas só obteve sucesso no segundo caso, pois se trata de um site originalmente sueco.


Cartaz do PP português contra a vigilância virtual. Imagem: Divulgação

Dotcom foi perseguido pelas autoridades americanas, preso, teve todos os seus bens confiscados e o seu site foi colocado fora do ar em tom “educativo” de punição. Não bastando parar o funcionamento, ao entrar no Megaupload, o usuário se depara com uma mensagem postada pelo governo americano que diz que a página infringe leis federais e que as pessoas responsáveis foram condenadas pelo tribunal federal.

O Partido Pirata observa na distribuição feita pela indústria fonográfica um problema mundial que deve ser combatido arduamente. Para os integrantes, o artista deve se conscientizar de que um modelo mais democrático de distribuição é a possibilidade trazida pela web. Para os piratas, o que a internet trouxe de liberdade para o usuário deve ser considerado nas etapas de feitura de um produto cultural. Ou seja, quem consome não deve ser tratado como criminoso, mas quem produz deve se adequar às novas formas de acesso e criar vias rentáveis em torno disso.


Versão espanhola de pôster em favor da
libertação de Julian Assange.
Imagem: Divulgação

FILIAL BRASILEIRA
Na Campus Party do Recife, que aconteceu em julho último, a filial brasileira dos piratas foi oficialmente lançada. De acordo com integrantes do movimento, mais de 100 pessoas de 15 estados do país estiveram presentes na estreia. Os militantes assinaram o programa, o estatuto e elegeram a primeira direção nacional da nova sigla, o PPBr, que já existia no papel desde 2007. Para poder concorrer em eleições, o partido precisa ainda passar pelo aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O Brasil tem uma realidade legislativa diferenciada no âmbito online. No país, existe empenho de parte das autoridades para modificar a regulamentação e canalizar o uso da internet para ações positivas. O Marco Civil da internet foi o primeiro grande passo dado nessa área, com boas intenções. No entanto, é algo que fica em segundo plano, quando confrontado com outros problemas brasileiros. O partido terá que lidar com essa realidade. Quando perguntados sobre como isso seria feito, eles respondem que, a princípio, pretendem exercer a democracia plena baseada em uma participação da sociedade e gestão horizontais, praticar os direitos humanos em sua totalidade e usar a internet como ferramenta básica para a mudança de pensamento e, consequentemente, de uma macroconjuntura. 

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