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“O marco civil é absolutamente único no mundo”

Criador do Partido Pirata, o sueco Rick Falkvinge tece elogios ao Marco Civil na Internet e se mostra um defensor das transformações no modo de se relacionar que o ambiente digital possibilitou

TEXTO Duda Gueiros

01 de Setembro de 2012

Rick Falkvinge

Rick Falkvinge

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Política" | ed. 141 | setembro 2012]

Rick Falkvinge se autodenomina evangelizador.
Perguntado sobre a tônica pejorativa do termo, ele diz que, embora pareça estranho, o termo é adequado à ação empreendida por ele, que almeja mudanças profundas na mentalidade da sociedade, acomodada às distorções da prática democrática. Aos 40 anos, Falkvinge passou de homem bem-sucedido da classe média sueca para um dos políticos visionários dos dias atuais, quando começou a se dedicar completamente às atividades políticas. Graças a esses esforços, suas ideias inovadoras acabaram achando pares pelo mundo, unindo indivíduos que tinham as mesmas inquietações.

CONTINENTE Você veio ao Brasil em missão política: analisar as possibilidades de atuação do Partido Pirata, bem como criar a sede brasileira do partido. Quais são as suas primeiras reações ao país?
RICK FALKVINGE Antes de tudo, é um país impressionantemente lindo. O primeiro traço que percebi é que as pessoas aqui tendem a ser relaxadas, às vezes não levam as coisas tão a sério e sempre se atrasam, mas não é, de forma alguma, o fim do mundo. Só é um hábito muito diferente de como agimos na Suécia; pontualidade é algo que levamos muito a sério.

CONTINENTE Na sua palestra, você mostrou-se bem impressionado com o Marco Civil da internet. Quanto você sabe sobre o projeto e o que acha dele?
RICK FALKVINGE Acho que o Marco Civil é absolutamente único no mundo. Ele estabelece que o acesso à internet é um direito de todo e qualquer cidadão. Atualmente, nós exercemos nossos direitos mais fundamentais – liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdade de imprensa e muitos outros – através da internet e, por isso, ela própria se tornou um direito tão fundamental quanto os demais que exercemos através dela. A lei também estabelece que o usuário não é responsável pelo conteúdo que ele compartilha. Observar tudo isso em uma mesma legislação é algo sem precedentes em todo mundo. A minha única ressalva é a identificabilidade, que prevê a identificação do indivíduo para usar a web, o qual deveria poder acessar de onde quiser e o que quiser sem ser obrigado a se expor de alguma forma. No entanto, no fim das contas, não acho que isso seja uma medida tão ruim, já que os brasileiros não levam regras tão a sério. A internet é um espaço público.

CONTINENTE Algumas empresas privadas, como Google e Facebook, centralizam o conteúdo da internet e o direcionam quantitativa e qualitativamente. Tendo isso em vista, você acha que a internet, como fenômeno social e parte do nosso cotidiano, pode levar as pessoas a um padrão de pensamento e escolhas?
RICK FALKVINGE Na verdade, eu acho o oposto. A internet promove a diversidade, mesmo com essa malha capitalista. O modo como as pessoas se comunicam umas com as outras mudou drasticamente, e para melhor. Por exemplo, se você observar uma pessoa que nasceu há mais de 40 anos, ao ter um problema com sua impressora, normalmente, ela busca em sua agenda de endereços alguém para quem possa telefonar e pedir ajuda. As pessoas que já cresceram na era digital recorrem à web e transmitem sua dificuldade para sua nuvem de amigos. Isso nos ajuda a crescer como uma grande comunidade, aproxima as pessoas. Na minha opinião, é uma nova forma de socialização, e não de padronização. A internet nos dá voz para descobrirmos juntos os próximos passos.

CONTINENTE Como uma das propostas do Partido Pirata, você fala bastante em privacidade online, que as pessoas devem usar a web sem serem rastreadas ou identificadas, mas entende que a internet, cada vez mais, é um canal para vários tipos de crimes, como pornografia infantil. Como você enxerga esse impasse e qual seria uma solução?
RICK FALKVINGE As pessoas acham horrível quando eu lembro que houve um tempo em que a Alemanha Oriental abria todas as cartas que eram enviadas e recebidas pelos seus cidadãos, para averiguar se existia algum tipo de comunicação que fugia à regra. Pois é o que vem acontecendo em alguns lugares do mundo, nos dias atuais. Nós não nos importamos que as autoridades mapeiem, gravem, rastreiem indivíduos que sejam formalmente suspeitos por determinado crime. O que é inadmissível é fazer isso com todo o universo de usuários, simplesmente porque é uma operação fácil, a exemplo do que tem praticado o governo dos Estados Unidos. Voltando à comparação, a antiga abertura de cartas era um processo absurdamente caro, enquanto o rastreamento online é muito barato. Isso nos leva a uma indagação: será que esse tipo de violação não era comum antes da internet só porque era caro demais ou por uma questão de princípios?

CONTINENTE O que você acha da internet como um fenômeno social?
RICK FALKVINGE Absolutamente fantástica. Quando falo com sociólogos sobre a internet, eles se dividem, geralmente, em dois grupos. O primeiro diz que a web é o maior e mais importante sistema de comunicação da humanidade desde a invenção da imprensa. O outro discorda e diz que a internet é o maior invento desde a linguagem escrita. Então, como a imprensa e a escrita, a web, no papel de organismo social, muda drasticamente relações estruturais, por exemplo, de poder.

CONTINENTE No Brasil, temos problemas graves com corrupção e desvio de interesses por parte do poder público. Como você compararia os sistemas políticos brasileiro e sueco?
RICK FALKVINGE A corrupção é um problema endêmico das sociedades que não são transparentes. Enquanto, na América do Sul, existe corrupção de cunho monetário, em países como a Suécia há corrupção de amizade. A questão se liga mais à sua rede de contatos: se você não conhecer as pessoas certas, não terá casa, trabalho ou mesmo acesso ao sistema de saúde – e isso tudo piora se você for imigrante. Os dois tipos de corrupção são obviamente ruins, mas considero o da Suécia bem pior. 

DUDA GUEIROS, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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